quarta-feira, 10 de julho de 2013

Quadrinhos

folha de são paulo
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LARTE
LARTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

Nina Horta

folha de são paulo
Literatura para cozinhar
A literatura reconstrói nosso lugar no mundo, nos desenha, é um espelho para que nos vejamos melhor
Vivo dizendo aqui que para sermos bons cozinheiros precisamos ler não só livros de comida, mas romances, principalmente. Arranjei uma base científica para minha conversa mole. Adivinhem de onde vem? Do lugar mais inesperado, a neurociência!
Os estudos do cérebro mostram o que acontece nas nossas cabeças quando lemos uma descrição detalhada, uma metáfora evocativa, uma história. Nossos cérebros são estimulados e podem até mudar o nosso modo de agir.
Imaginem que palavras como "lavanda", "canela" acionam respostas não só das partes processadoras de ideias, mas das partes que lidam com cheiros. "Perfume" e "café" fazem brilhar uma parte. Já "chave" e "cadeira" deixam aquela mesma parte escura.
Adivinhem se não é por isso que nós, cozinheiros, que sabemos das coisas por intuição, nomeamos um canapé simples de "trouxinha de papoula recheada de queijo de cabra da serra com cerefólio colhido no orvalho da madrugada na horta das ervas finas". Achei mais ético escrever "trouxinha com queijo", para não manipular o cérebro dos clientes, mas não deu ibope.
"Papoula", com esses dois "pês" estalando, a ilusão de um vício, a profundidade do "u", a subida do "la", ah, "papoula" é imbatível. É claro que minha explicação é tosca, não entendo nada de neurociência, estou só passando adiante o que dizem os cientistas.
Até entendi por que esses livros "pornô soft" fazem sucesso. As mulheres sempre entram em carros com cheiro de couro novo, deslizam por sofás aveludados e roupa de cama acetinada. "Cinquenta tons de cinza", cada um bombardeando o nosso cérebro a 200 por hora.
Tudo leva a crer que o cérebro não distingue entre a leitura de uma experiência e da experiência em si, na vida real --em ambas, as mesmas regiões neurológicas são estimuladas.
A leitura provoca uma simulação vívida da realidade. O que leva a crer que a leitura de ficção, com seus detalhes, descrição de pessoas e suas ações, nos oferece uma réplica rica da experiência verdadeira.
Olhem só, já é uma pequena explicação, talvez (não quero me meter em assuntos que não conheço), para a nossa mania atual de assistir a programas de comida na TV.
O cérebro nos engana, e pensamos que estamos cozinhando. "Não foi você que fez esse nhoque, seu ignorante, foi o Jamie Oliver!" Mas o marido sai de frente da TV feliz da vida com a mão que deu no jantar.
A literatura reconstrói nosso lugar no mundo, nos desenha, é um espelho para que nos vejamos melhor. E não são só as coisas que acontecem, os fatos, a informação exagerada a que estamos submetidos que nos formam.
A leitura de um bom romance é uma viagem visceral, é uma experiência, é um jeito de ter novos olhos e ouvidos. Somos capazes de captar por meio da literatura forças e energias que nos sacodem, de verdade. Ler boa literatura, conviver com a arte nos faz crescer como seres humanos. A ciência do cérebro mostra que isso é mais verdade do que se imaginava.
Você foi à Flip, cozinheiro?? Pois sua feijoada de hoje em diante vai sair muito mais gostosa.

Surrealismo tropical de Maria Martins tem mostra no MAM

folha de são paulo
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Nos círculos diplomáticos, ela era a madame Carlos Martins, mulher do embaixador brasileiro em Washington nos anos 1940. Na arte, entrou para a história como a maior escultora surrealista do país e por seu tórrido "affair" com o artista Marcel Duchamp.
Maria Martins, que morreu aos 78, em 1973, definiu num único verso a sua condição de agente duplo, dividida entre o tédio das altas rodas e a voracidade com que construiu obras sobre desejos insaciáveis -dizia ser "o meio-dia pleno da noite tropical".
Esse verso é do poema "Explicação", que fez para sua mostra de 1946 na Valentine Gallery, em Nova York. Explicava, de fato, a base poética em que arquitetava sua obra.
Martins gostava de escrever que vinha dos trópicos, ancorando nessa raiz calorenta e faiscante a lascívia que escancarava no trabalho.
"Não Te Esqueças que Venho dos Trópicos", a escultura de uma mulher deitada de costas, com feições animalescas e garras em riste, estava naquela mostra e abre agora, quase sete décadas depois, uma das maiores retrospectivas da artista no país, que começa amanhã no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Depois da publicação do antológico "Maria", livro editado há três anos pela Cosac Naify que reuniu pela primeira vez imagens de todas as obras conhecidas da artista, a exposição no MAM tenta desfazer certo esquecimento que ronda a figura de Martins.
De certa forma, é algo que começou lá fora, quando a última Documenta, em Kassel, na Alemanha, mostrou, no ano passado, peças de Martins. Em outubro, obras dela estarão no museu Astrup Fearnley, em Oslo (Noruega).
Veronica Stigger, que organiza a mostra no MAM, enxerga certo preconceito nesse silêncio em torno da artista.
"É uma reação à maneira como ela expõe aquilo que, na mulher, a sociedade gostaria que permanecesse escondido, como o desejo, ou a vulva", diz a curadora. "Não se perdoa uma mulher por ser inteligente demais, corpórea demais, livre demais -ainda mais tudo ao mesmo tempo."
Divulgação
A escultora mineira Maria Martins posa para retrato ao lado da escultura "Galo Gaulês II", em 1956
A escultora mineira Maria Martins posa para retrato ao lado da escultura "Galo Gaulês II", em 1956
ROCOCÓ ASSUSTADOR
Mas, com ou sem perdão, a obra de Martins já não é vista hoje como "esquisita", "complicada" ou um "rococó assustador", forma que os críticos primeiro descreveram suas peças nos anos 1940.
Depois que André Breton, cérebro por trás do surrealismo, apadrinhou seus traços, Martins foi engolfada por essa vanguarda, embora seu trabalho esbarre no fantástico menos pelo devaneio e mais por uma investigação dos mitos de sua origem.
Isso passava não só pela mutação das figuras humanas, que se tornam mais abstratas e bestiais na evolução de sua obra, mas também em sua representação do entorno desses seres, um "espaço de chumbo", em suas palavras, que retratava como densas redes de cipós retorcidos.
Mas ela nunca se assumiu surrealista. Romantizava, na verdade, um Brasil distante, de seres estranhos movidos por uma paixão ancestral.
E criava isso à luz da vanguarda europeia que então aportava em Nova York. Seu romance com o francês Duchamp, um dos maiores nomes da história da arte, rendeu um diálogo intenso entre instalações e esculturas.
Em "O Impossível", sua obra mais célebre, que também está na mostra do MAM, ela mostra o embate entre bichos que tentam se aproximar, mas não conseguem -suas garras afiadas fariam da realização do ato carnal uma verdadeira chacina.
Era sua forma de ilustrar a relação impossível com Duchamp. Em resposta, ele passou 20 anos criando uma peça em que mostrava, por trás de um buraco de fechadura -tão intocável quanto os amantes ferozes de Martins-, uma mulher nua moldada a partir do corpo da escultora.
"Não há nunca essa aproximação", analisa Stigger. "Tanto nas obras dele quanto nas dela, há a impossibilidade de uma relação carnal."
MARIA MARTINS
QUANDO abre amanhã, às 20h; ter. a dom., 10h às 17h30; até 15/9
ONDE MAM (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5085-1300)
QUANTO R$ 6

Álbum de Naná Vasconcelos extrai música dos elementos da natureza

folha de são paulo
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"A natureza é um conservatório de vida e sabedoria", diz Naná Vasconcelos.
Está falando de como sua música é orgânica e sua inspiração constantemente renovável. Em seu novo álbum, "4 Elementos", o percussionista pernambucano de 69 anos resolveu pintar de sons representações imaginativas dos elementos da natureza.
"No meu disco anterior, 'Sinfonia e Batuques', que ganhou o Grammy e tal, eu fiz a "Suíte das Águas", onde faço toda a percussão com água, a parte rítmica", lembra Naná, em entrevista por telefone de sua casa, no Recife.
"Tirar som da água foi um processo que começou no mar, na praia, brincando. Depois comecei a gravar na piscina de casa. Aí já tinha um caminho. Pensei: 'então vou fazer os quatro elementos'."
A água aparece em melodia e ritmo na composição "Chorágua", um choro. A terra vem na faixa "Terráqueos - Vida - Bush Dance", representada pelos habitantes do planeta. Mais especificamente nossos corpos, com os quais podemos fazer música.
É uma ideia reminiscente de outras gravações de Naná utilizando o corpo como instrumento, aqui em fusão com sons eletrônicos. O fogo surge em vinhetas de sonoplastia de voz e saco de salgadinho.
Já no ar, Naná vai longe. "Pra significar o ar e criar essa trilha da minha imaginação, pensei em um grupo de astronautas africanos indo fazer uma dança nos anéis de Saturno", explica, rindo.
O disco, que fará parte de um show em São Paulo nesta sexta, homenageia também Clementina de Jesus (1901-87) e Airto Moreira e traz uma versão de "Légua Tirana", de Luiz Gonzaga (1912-1989).
Citando os versos "ó que estrada mais comprida, ó que légua tão tirana / ah, se eu tivesse asa, inda hoje eu via Ana", comenta: "Minha légua é tirana. Não é fácil quando você faz uma coisa que só você faz, não faz parte de um movimento. É como vejo minha história".
"Hoje já posso dizer isso mais conscientemente, com 69 anos. Cada disco é um momento diferente da minha vida, resultado dessas experiências que estou sempre querendo ter, mais e mais."
Ele conclui: "Minha légua tirana é minha vida: sempre querendo chegar lá e nunca chegando, porque estou sempre procurando mais. Mas se eu tivesse asa eu chegaria".

4 ELEMENTOS
ARTISTA Naná Vasconcelos
GRAVADORA Independente
QUANTO R$ 24,90

NANÁ VASCONCELOS E LUI COIMBRA
QUANDO sexta, às 21h
ONDE Sesc Belenzinho (r. Padre Adelino, 1.000; tel. 0/xx/11/2076-9700)
QUANTO de R$ 6 a R$ 24
CLASSIFICAÇÃO 12 anos

BEM DE PERTO — E COM MUITOS BEIJOS

CL Gente Boa - O Globo - 10/07/2013

Gilberto Gil faz noite de lançamento de sua biografia, escrita pela jornalista Regina Zappa



A fila já está grande na
Travessa de Ipanema
quando Gilberto Gil
chega para autografar “Gilberto
bem perto”, ao lado da autora,
a jornalista Regina Zappa.

O compositor sai do Fusca azul
último modelo que ganhou de
presente da mulher, Flora (“ele
amou, ficou louco com esse
carro”), e passa os olhos nos livros
que estão empilhados na
entrada da livraria.

Debruça sobre “Malcolm X —
Uma vida de reinvenções” por
alguns minutos e segue. Ele
não é muito chegado a biografias.
“Prefiro ensaios filosóficos”,
conta. Foi justamente o
pensamento filosófico de Gil
que fez com que ele se desse

bem com Caetano assim que
se conheceram, em 1965, segundo
Regina. “Caetano estudava
filosofia e eles se identificaram
no ato”, conta ela.

Eis que mano Caetano chega à
livraria. "Eita, que presença
maravilhosa! E aí, meu velho,
como foi o show no Planalto?",
pergunta Gil. “Era um lugar
meio precário”, responde. Uma
repórter quer saber sobre a dedicatória
de Gil ao amigo. “É
normal, simples e pessoal”, define
Caetano.

Do lado da mesa de autógrafos,
Flora recebia os convidados,
batia papo. Todo mundo
puxava assunto sobre o Ecad.
Chega Celso Fonseca, parceiro
de Ronaldo Bastos.
Ronaldo criticou a turma do
“Procure saber”, grupo de artistas
que pede um sistema de fiscalização
sobre o Ecad.

“O Ronaldo tá sozinho nessa, é
ele contra todo mundo”, diz
Celso. E Flora: “Está sozinho
porque quer. Ele foi chamado
várias vezes e nunca apareceu
nem respondeu e-mail.”

Chega então Nicole Bahls, a repórter
gostosona do “Pânico”.
Gilda Midani lembra do entrevero
dela com Gerald Thomas.
“É aquela que o Gerald passou a
mão, lembra?” Gil trata Nicole
superbem e não se chateia nem
quando lhe perguntam sobre
Lobão. “Se fosse só de mim eu
até me manifestaria, mas ele fala
mal de todo mundo.”

Vinicius Torres Freire

Folha DE São Paulo
A revolta das elites
Os 10% 'mais ricos' do Brasil, 'classe média' de verdade, irritam-se mais com os governos do PT
DILMA ROUSSEFF comprou briga com um pedaço grande da elite brasileira, os médicos, suas famílias, simpatizantes e parentes. Ou assim parece provável.
A maioria das associações de médicos está enfurecida com a história do plano de imigração; parte parece irritada com o serviço obrigatório no SUS para recém-graduados. Mas a gente ainda não tem como saber como pensam os 400 mil médicos do país a respeito das medicinas da doutora Dilma.
Preste-se, porém, atenção: trata-se de 400 mil médicos, além de seus próximos. Trata-se de uma elite em termos políticos ou pelo menos associativos; de gente muito mais educada que a média; de gente que, de um modo ou outro, por motivos profissionais, envolve-se em debate ou conversas sobre políticas públicas (saúde).
Trata-se, enfim, de uma elite econômica (que está longe de ser apenas os banqueiros de charuto dos cartuns ou os ricos de novelas, que tomam cafés da manhã com mesas transbordantes e serviçais em volta). O salário médio dos médicos os coloca entre os 2% mais ricos da população.
E daí? Há mais de 190 milhões de pessoas nesta terra. Médicos não farão uma revolução na ruas, armados de bisturis e bombas de gases anestésicos.
E daí, pois? Daí que a "revolta das elites" ganhou mais um empurrãozinho. Apesar do desdém com o conceito de fato precário e mesmo cafona de "formadores de opinião", muita vez o mal-estar ou tumulto políticos começa, é definido ou redefinido por essa "massa de elite", que tem mais informação, recursos políticos e informacionais, articulação com poderes públicos e privados etc.
Eram os "mais ricos" os mais insatisfeitos com os governos do PT e de Dilma Rousseff. Nesses anos, a renda média subiu menos e pouco para os 10% "mais ricos" do país. Foi entre eles que baixou primeiro a avaliação da presidente; foi entre eles que o prestígio de Dilma mais se aproximou do chão depois dos protestos de junho.
Nota: mais ricos significa quem ganha mais de dez salários mínimos, uns 2% da população; só em 8% das casas a renda é superior a dez salários. Sim, o Brasil é um lugar pobrinho, feio, sujo e malvado.
Trata-se de palpite, um chute educado, mas quanto da "revolta das elites" se deveu à queda dos seus rendimentos financeiros ("fundos"), dada a queda dos juros?
Quão mais a vida deles piorou devido à alta do preço dos serviços (que consomem mais e determinam o destino social de seus filhos), como escolas caras, saúde privada, moradia (hiperinflacionadas)?
Talvez nem seja sarcástico dizer que muitas dessas pessoas se revoltam porque seus empregados domésticos foram em tese libertados formalmente da servidão, tendo agora direitos trabalhistas como os dos demais brasileiros (sempre em tese, sempre formalmente). A lei dos domésticos não foi coisa de Dilma, mas desse momento um tico mais democrático econômica e socialmente, os anos petistas.
Não, claro, não se está a dizer que médicos ou qualquer outro profissional liberal mais bem pago seja alérgico a processos civilizatórios nem que eles associem suas agruras a melhorias na vida dos mais pobres. Mas que a revolta é e era maior entre as elites, isso é e era.

    Francisco Daudt

    folha de são paulo
    Motivação, meio e oportunidade
    Corrupção, obras faraônicas, tomada de três pinos, classe política em descrédito... Tudo isso deixa o povo irritado
    Talvez estejamos acostumados a pensar nesses três requisitos como parte da investigação criminal, mas qualquer ação humana para acontecer requer motivação, meios e oportunidade.
    Tomemos o próprio crime como exemplo. Minha motivação para odiar flanelinhas achacadores e chantagistas --"Vai deixando cinquenta real aí, dotô, pro seu carro não ser arranhado"-- é bastante grande. A oportunidade para matá-los existe em abundância, já que operam longe da polícia e à noite. Por estas razões jamais andarei armado: não quero ter os meios (só o que me falta) para me transformar em um assassino.
    Por contraste, tomemos um exemplo do bem.
    Motivação: a insatisfação com o desgoverno, com o mau investimento dos impostos escorchantes com que somos achacados pela única máquina de governo que funciona bem, a Receita. Aliás, não sou "contribuinte", contribuição é uma ação de vontade.
    Sou um pagador de impostos contra a minha vontade; a corrupção impune; o superfaturamento de obras faraônicas (trem bala?) e inúteis; o abandono das úteis; a falta de investimento em infraestrutura, que faz disparar o custo Brasil; um "mensalão" (legal, mas imoral) disfarçado pelo loteamento de ministérios e cargos públicos em número que "nunca antes na história deste país"; o desmanche da estabilidade da moeda com volta da inflação maquiada (Argentina, nos aguarde que chegamos aí); o descrédito na classe política. Sem falar das tomadas de três pinos e sachês de sal nos restaurantes (jabuticabas, coisa que só existe no Brasil, como o falecido "kit primeiros socorros") criados com o propósito de enriquecer fornecedores apaniguados, nunca para atender os interesses da população.
    Tudo isso deixa o povo irritado, indignado e furioso, mais ainda por sentir-se impotente nas mãos de políticos que não são representativos senão deles mesmos. E a raiva fermenta silenciosa.
    Meios: com as entidades de classe, UNE, sindicatos e partidos no bolso do governo (com nosso dinheiro), os tradicionais mobilizadores de manifestos emasculados e apelegados, a população encontrou na internet e nas redes sociais a maneira de se comunicar, transmitir suas queixas e se organizar.
    Oportunidade: para produzir mais uma maquiagem da inflação, os governos atenderam ao apelo de não aumentar o (péssimo) transporte público em janeiro, e o fizeram bem durante o mês de junho, durante as aulas. Foi o que bastou para começarem as passeatas de protesto, que rapidamente deixaram de ter o preço das passagens como único foco e se transformaram na vitrine da insatisfação geral.
    Resultado: um deságue democrático, uma tradução real da insatisfação do povo, e o desmascaramento da "ilha de prosperidade", slogan dos tempos da ditadura que foi assimilado pelos governos atuais do "nunca antes estivemos tão bem".
    Claro, como efeito colateral, tais movimentos ofereceram meios e oportunidades para quem tinha motivação criminosa, daí saques e depredações do patrimônio público e privado puderam acontecer.
    Ao sabor de suas motivações, meios e oportunidades.

    Matias Spektor

    folha de são paulo
    Portas abertas?
    Foro que institucionaliza participação da sociedade na formulação da política externa terá empecilhos
    Antonio Patriota propõe um foro para institucionalizar o diálogo entre sociedade civil e Itamaraty, que terá duas reuniões por ano, quiçá mais.
    A diplomacia profissional já consulta a sociedade civil em negociações multilaterais sobre racismo, ambiente, direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Agora, a prática se generaliza, vira permanente e ganha status na burocracia.
    A iniciativa chega em boa hora para um partido governista que, originalmente ancorado em movimentos sociais, perdeu o pulso das ruas.
    Se vai funcionar, só o tempo dirá. O ministro vai enfrentar empecilhos.
    O Itamaraty está acostumado a interpretar e articular os diferentes interesses da sociedade seguindo um modelo intramuros.
    Para muitos, isso não é um problema porque a política externa seria a síntese perfeita de nossa comunidade nacional. "A gente ausculta a sociedade", disse um diplomata. Falava sem ironia.
    Incorporar a sociedade civil à formulação de política externa é difícil para qualquer país. Afinal, boa parte do trabalho diplomático precisa acontecer em segredo, longe dos holofotes.
    Por isso, existe o risco de o novo foro ser esvaziado. O ministro será tentado a usar sua criatura para informar e convencer a sociedade, não para consultá-la e ajustar o que precisa ser ajustado.
    Solene, esse espaço formal poderá ficar engessado. Em vez de alargar o leque de vozes que efetivamente contribuem para a concepção brasileira de política externa, poderá burocratizar o debate.
    Aliás, essa dinâmica tem longo pedigree na história nacional. Coopta-se a sociedade pelo topo, consagrando o Estado como instância de deliberação de uma cidadania tutelada. Absorve-se a voz de movimentos sociais, sindicatos e associações à sombra de um Estado que estabelece a pauta e, assim, disciplina a conversa pública.
    Isso dito, a iniciativa merece o benefício da dúvida. Se a sociedade aproveitar a oportunidade para travar suas lutas, e se o Itamaraty souber tirar vantagens da energia ali gerada, então teremos algo de realmente novo na cena diplomática.
    Seria muito saudável. Com raras exceções, a sociedade civil organizada tende a ignorar que política externa é uma política pública como qualquer outra: suas medidas afetam a vida cotidiana de todos, e quem paga a conta é o cidadão.
    A genuína irritação das autoridades brasileiras com o escândalo da espionagem é plenamente justificada. Com autoria dos Estados Unidos, as violações têm veneno adicional.
    Só que é bom lembrar de algumas verdades. A espionagem é mais velha que a própria diplomacia e sua versão contemporânea não é prerrogativa americana. China, França e Israel, por exemplo, têm fatias gordas do mercado.
    Por se tratar de um mercado, a lógica da espionagem é a competição. Quem fica parado, fica para atrás.
    Então, por que segue engavetada a Política Nacional de Inteligência? E cadê o comitê público-privado sem o qual será impossível reverter nossa insegurança cibernética?

    Aécio defende fim da reeleição, que já beneficiou FHC

    folha de são paulo
    DE BRASÍLIAPor sugestão de seu presidente nacional e potencial candidato à Presidência, Aécio Neves (MG), a Executiva do PSDB defendeu ontem a extinção da reeleição.
    A própria sigla lutou, em 1997, por esse dispositivo eleitoral, ao patrocinar a emenda que garantiu o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
    Reunida ontem, a Executiva tucana apoiou proposta para a adoção do mandato de cinco anos no Brasil. FHC disse que não interferiria na decisão, segundo Aécio.
    O presidente do PSDB afirmou que o atual governo "desmoralizou o instituto da reeleição". Aécio, contudo, reconhece que não há condições de aprovar essas mudanças no Congresso.
    Mais cinco pontos foram apresentados no encontro: adoção do voto distrital misto, fim das coligações proporcionais, mudança na escolha de suplentes de senador, cláusula de desempenho para partidos e o uso do tempo, no horário eleitoral, só das siglas que estão na cabeça da chapa majoritária.
      Câmara enterra plebiscito sobre a reforma política
      Presidente Dilma havia apresentado medida como resposta à 'voz das ruas'
      Ministro Gilberto Carvalho diz que governo vai brigar pela consulta popular, mas até o PT vê dificuldades
      DE BRASÍLIAA Câmara formalizou a decisão de que não fará um plebiscito para discutir uma reforma política com efeitos nas eleições do ano que vem, como queria a presidente Dilma Rousseff em resposta ao que chamou de "voz das ruas".
      Dois fatores pesaram para o "enterro" da consulta popular: o fato de Dilma anunciar o plebiscito sem consultar antes o Congresso e o prazo de 70 dias estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral para organizar a votação.
      A decisão foi formalizada ontem por líderes da base aliada e da oposição. O PT ficou isolado e continuou defendendo um plebiscito já.
      Os petistas devem começar a recolher assinaturas para tentar viabilizar um projeto de decreto legislativo propondo a consulta popular, mas os próprios deputados da legenda reconhecem que há dificuldades para avançar.
      "Se aparecer uma proposta de plebiscito que recolha assinaturas, essa Casa poderá votar, [...] mas mesmo vindo o plebiscito só terá validade para 2016", afirmou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
      O líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), disse que a proposta "foi enterrada e já teve até a missa de sétimo dia". Segundo ele, o PMDB pode até aceitar discutir a consulta popular, mas só em 2014, junto com as eleições para não "ter custos".
      Com o fim do plebiscito, a Câmara criou um grupo de trabalho para discutir uma reforma política. Coordenada pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), a comissão terá 90 dias para discutir projetos que proponham mudanças no sistema político.
      Entre as medidas, podem entrar o fim do voto secreto no Congresso, das coligações proporcionais e da reeleição, por exemplo. Os deputados ainda vão decidir se uma reforma política aprovada pelo Congresso será ou não submetida a um referendo.
      Alves não se comprometeu com o referendo, mas disse que é uma possibilidade.
      A ideia do plebiscito foi lançada por Dilma há duas semanas como uma das principais medidas em resposta às manifestações pelo país. Antes disso, ela havia proposto uma constituinte exclusiva para fazer a reforma política.
      Na semana passada, os líderes da base aliada já informavam ao governo, como a Folha noticiou, que não havia condições de realizar o plebiscito com impacto em 2014. Para isso, o Congresso teria que aprovar as mudanças antes de 5 de outubro.
      O vice-presidente Michel Temer e o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) chegaram a descartar a medida na semana passada, mas amenizaram suas falas após pressão do Planalto.
      O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) afirmou ontem que o governo não irá "abandonar de maneira nenhuma" a ideia de realizar um plebiscito.

        Painel Vera Magalhães

        folha de são paulo

        Governo terá frentes de atuação distintas no caso de espionagem pelos EUA

        Cravo e ferradura
        O governo decidiu abrir duas frentes de atuação diante dos indícios de espionagem feita pelos EUA no Brasil. Amanhã e sexta-feira, em reunião de cúpula do Mercosul no Uruguai, Dilma Rousseff vai apoiar moção de repúdio às denúncias e também à interdição do voo do boliviano Evo Morales por países europeus. Mas, internamente, a ordem do governo é atenuar a retórica antiamericana até obter evidências mais concretas de que houve espionagem e como ela funcionou.
        -
        Tom Interlocutores admitem que a denúncia deve ser verdadeira, mas o Planalto não quer que sua postura seja confundida com a conhecida beligerância dos vizinhos. Governistas propõem enviar emissários a Caracas, caso o ex-analista Edward Snowden obtenha asilo na Venezuela, para obter provas do caso.
        Vai indo Em reunião com sua equipe anteontem, a presidente deixou claro que, após examinar os fatos, o país deve ter sua própria política, sem necessariamente seguir posições de países da América Latina ou da Europa. "Em outra palavras, não seremos Maria vai com as outras", compara um ministro.
        Tenta lá Recém-escalado para tratar de emendas com o PMDB na Câmara, Michel Temer teve que recuar após conversar com Eduardo Cunha anteontem. O líder disse ao vice-presidente que, se ele assumisse a função, também deveria se responsabilizar pelos votos da bancada.
        Água abaixo Diante da resposta, Temer devolveu a tarefa a Ideli Salvatti (Relações Institucionais). A operação do governo foi montada para esvaziar Cunha, visto como adversário do Planalto.
        Mãozinha Diante do desgaste de Ideli, Dilma mandou outros ministros ajudarem no trabalho de articulação política. A tarefa inclui participação em reuniões que já contam com a presença da ministra. Um colega brinca: "agora viramos babá da Ideli".
        Tribos Dilma recebe hoje, pela primeira vez em seu governo, as lideranças de quase vinte etnias indígenas. Ela aproveita para anunciar um programa de saúde para o grupo, mas não deve mudar a política de menos demarcações de novas terras.
        Juntos Grupos ligados ao PT incluirão pautas trabalhistas no movimento de defesa da reforma política que irá às ruas amanhã, durante protesto das centrais sindicais. O objetivo é evitar mal-estar com os trabalhadores.
        Substituição O DEM enviou um questionário a seus 28 deputados para direcionar o partido no debate da reforma política. Entre os tópicos está a possibilidade de "recall" de políticos eleitos.
        Infiltrado? Guilherme Afif escolheu José Levi do Amaral Júnior para chefiar a assessoria jurídica da Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Levi foi assessor especial de José Serra (PSDB) no governo paulista.
        Timing O PMN desistiu da fusão com o PPS porque exigia o registro imediato do novo partido, o MD, antes mesmo da decisão das regras sobre tempo de TV e fundo partidário para novas siglas. O PPS queria esperar. Também houve divergência sobre o comando da nova legenda nos Estados.
        Direto... Fernando Haddad (PT) calcula que poderia reduzir tarifas de ônibus em 20 centavos a cada 10 centavos de tributos cobrados sobre a gasolina. O petista quer convencer Dilma a repassar aos municípios a Cide cobrada sobre combustíveis.
        ...na bomba A ideia é encarada como um pedágio informal: carros particulares pagariam para baratear o transporte coletivo.
        com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
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        TIROTEIO
        "Assim na terra como no céu' não vale para o PMDB, que pede redução de ministérios, mas gasta mais do que deveria voando de avião."
        DO DEPUTADO CHICO ALENCAR (PSOL-RJ), sobre o pedido de corte de gastos do PMDB depois do uso de aviões da FAB por Henrique Alves e Renan Calheiros.
        -
        CONTRAPONTO
        Gestão austera de discursos
        Em época de cobranças pela redução de despesas da máquina pública, Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) economizou até nas palavras ao justificar seu atraso em uma sessão da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
        --Estava na votação do relatório da CPMI -- explicou.
        --CPMI da Violência contra a Mulher... -- emendou o presidente da comissão, Ricardo Ferraço (PMDB-ES).
        --Eu não falei assim? -- estranhou a senadora.
        --Falou só CPMI -- respondeu o peemedebista.
        --Tudo para economizar tempo! -- brincou ela.
        --Economia processual -- arrematou Ferraço.

          Alckmin quer reduzir número de secretarias

          folha de são paulo
          Ideia é fazer reforma antes da presidente
          DANIELA LIMADE SÃO PAULOO governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), encomendou um estudo de reestruturação "radical" de seu secretariado, cujo ponto de partida é antecipar a saída de secretários que desejem disputar as eleições de 2014. Hoje, das 25 pastas, oito são comandadas por deputados licenciados.
          O governador dá sinais de que deseja reduzir o número de parlamentares em sua equipe desde o fim do ano passado. Mas, para evitar atritos com aliados, havia decidido exigir a saída dos que desejam disputar reeleição só em dezembro.
          Após as manifestações que tomaram as ruas de várias cidades paulistas em junho, no entanto, a cúpula do PSDB passou a pregar a antecipação do cronograma.
          Nomes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador José Serra afirmaram a Alckmin que, reduzindo deputados em sua equipe neste momento, ele pode capitalizar a repulsa das ruas ao universo político e conceder a seu governo um caráter eminentemente técnico.
          Além disso, os tucanos querem que o governador exiba uma reforma substanciosa antes que a presidente Dilma Rousseff (PT) o faça. Dilma está sendo cobrada pela oposição a mudar sua equipe ministerial. Para quem der a largada antes, a medida passaria a ser "um exemplo" a ser seguido.
          TROCAS
          Alckmin encarregou o secretário da Casa Civil, Edson Aparecido, e seu assessor especial, João Carlos Meirelles, de elaborarem proposta que combine a troca de secretários políticos por nomes técnicos com o enxugamento da estrutura do governo.
          O secretário de Planejamento, Julio Semeghini, também discute a reformulação.
          Aparecido, deputado federal licenciado, abriu mão da reeleição à Câmara ao assumir a Casa Civil.
          A posição de Semeghini, também deputado federal de licença, ainda é uma incógnita no Bandeirantes. O governo trabalha com a possibilidade de fusão em pelo menos três pastas, além de fundações e empresas.
          O principal entrave para a reforma no secretariado é o convencimento de aliados, a começar pelos deputados do PSDB. Alckmin tem em sua equipe nomes fortes dentro do partido, como José Aníbal (Energia) e Bruno Covas (Meio Ambiente).
          Há ainda deputados de outros partidos, como Rodrigo Garcia, do DEM, que comanda a pasta de Desenvolvimento Social. A um ano de disputar sua própria reeleição, Alckmin não quer melindrar nenhum aliado.
            BASE ALIADA
            Em retaliação, PMDB usa 'pauta bomba' para ameaçar presidente
            DE BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ameaçou o governo e se comprometeu a trabalhar para o Congresso retomar a votação de vetos presidenciais.
            Alves subiu o tom após o PT trabalhar para dificultar a aprovação do orçamento impositivo para a execução de emendas parlamentares, uma das principais bandeiras do peemedebista.
            Ontem, Dilma havia pedido que o Congresso não votasse vetos com impacto econômico e fiscal. O Planalto teme a chamada pauta bomba' de votação dos vetos.
            O fim do fator previdenciário e a revisão de um crédito tributário, por exemplo, podem custar R$ 280 bilhões --quase sete vezes o Orçamento da cidade de São Paulo para este ano.

              Ruth Cardoso: contemporânea - Celso Lafer e Regina Siqueira -Tendências/Debates

              folha de são paulo

              Ruth Cardoso: contemporânea
              Manuel Castells relata que, em 2002, Ruth soltara uma frase profética, mas, para alguns, herética: "O povo desunido jamais será vencido"
              Os protestos que hoje acontecem nas ruas do Brasil, caracterizados pela falta de liderança política e apartidarismo, teriam uma sagaz observadora se Ruth Cardoso não tivesse partido há cinco anos.
              Seu amigo Manuel Castells relata que, em 2002, num seminário internacional, Ruth soltara, numa discussão: "O povo desunido jamais será vencido" --à época uma heresia para alguns, mas não para o sociólogo, que ratificou a autora daquela frase profética como "simples, brilhante e profunda", pois "é a multiplicidade de fontes de mudança social, sua não articulação em aparelhos políticos instrumentais que vai solapando as raízes da dominação".
              Ruth Cardoso era uma arguta socióloga, antropóloga e cientista política. O lançamento de "Obra Reunida", em 2011, trouxe a público uma faceta sua pouco conhecida. Ela não havia produzido uma obra escrita extensa desde que se formara em 1952, pela USP. A araraquarense costumava reunir alunos, ex-alunos e colaboradores em debates que resultavam num trabalho intelectual conjunto. Vários textos tinham origem naqueles momentos.
              Sua dimensão intelectual em mais de 50 anos de atividade acadêmica não se refletia nos seus artigos esparsos. Mas, reunidos, eles ganharam todo o sentido e mostraram a singularidade da pensadora, que logo percebeu a mudança na dinâmica dos movimentos da sociedade.
              Coube à cientista política Teresa Caldeira a organização de "Obra Reunida" e uma apresentação que analisa magistralmente os escritos de Ruth como resultado de seu pensamento, claro, mas também como pressuposto de sua ação.
              Ao citar Foucault (1984), Teresa expõe a contemporaneidade de Ruth, espelhada na busca de espaço para reflexão, questionamento e soluções. Diz ele: "Ser moderno é não aceitar a si mesmo como se é no fluxo dos momentos que passam; é tomar a si mesmo como objeto de uma elaboração complexa e difícil. É sentir-se compelido a se inventar".
              Ruth, por sua vez, afirma em entrevista no final de 2002 e do governo de seu marido: "Tive, literalmente, que começar a inventar um lugar e uma maneira de aproveitar, por um lado, as vantagens de estar próxima de um governo e, ao mesmo tempo, querer fazer alguma coisa. Então, esse foi o meu processo para inventar a Comunidade Solidária".
              A sua ação durante e depois do governo FHC foi produto de reflexão anterior acerca de seu tempo e de como ela poderia destacar e estimular, nesse seu tempo, o que tendia à inovação. As organizações que criou foram o espelho desse pensamento.
              No prefácio a "O Poder da Identidade" (1999), livro de Castells, dizia ela: "A criatividade, a negociação e a capacidade de mobilização serão os mais importantes instrumentos para conquistar um lugar na sociedade em rede". Outra vez, à frente de seu tempo!
              As organizações concebidas por Ruth se guiaram e se guiam por sua concepção inovadora, no Brasil e no mundo. E o Centro Ruth Cardoso cuida para que sua memória e ação permaneçam, como quando do Festival de Ideias, concebido em 2011. O recém-lançado Festival Educação mobilizará alunos nas redes sociais para desafios e soluções criativas no ambiente escolar. A educação como o começo e o fim de tudo.
                PEDRO TRENGROUSE
                TENDÊNCIAS/DEBATES
                A Copa e o Brasil
                Os estádios não estão mais caros que os das últimas Copas. Não é razoável colocar os problemas nacionais crônicos na conta da Fifa
                O PIB do Brasil é de R$ 4,4 trilhões e todos os investimentos previstos na Matriz de Responsabilidades da Copa, que congrega as obras que o governo julga relevantes para a realização do evento, estão na ordem de R$ 25 bilhões.
                O montante é destinado às mais diversas áreas prioritárias de infraestrutura e serviços, como, por exemplo, aeroportos, mobilidade urbana, segurança, turismo, saúde e telecomunicações.
                É evidente que não houve contingenciamento no orçamento público noutras áreas em razão da Copa. O PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento), por exemplo, investiu R$ 557,4 bilhões em infraestrutura até junho deste ano.
                E, embora ainda aquém dos padrões recomendados pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os recursos aplicados em educação e saúde quase triplicaram nos últimos dez anos, com os investimentos em políticas sociais chegando a R$ 656 bilhões em 2012.
                A rigor, no que diz respeito à Copa, essencial mesmo são os estádios, cujos custos totais estão em R$ 7 bilhões, divididos em R$ 3,7 bilhões financiados pelo BNDES, R$ 2,7 bilhões a cargo dos governos locais e R$ 612 milhões em investimentos privados. São nove estádios públicos e três privados. Ainda assim, considerando que os financiamentos do BNDES devem ser pagos pela operação privada das arenas, os investimentos públicos diretos representam menos de 40% do total.
                E mais. Não é verdade que estejam mais caros que nas últimas Copas. O estádio mais caro do Brasil custou pelo menos três vezes menos que Wembley e, segundo estudo de uma ONG dinamarquesa, os custos médios por assento no Brasil estão no mesmo patamar de US$ 5.000 que Japão, Coreia e África do Sul, pelo menos 20% menores do que Green Point e Sapporo Dome, por exemplo.
                Os novos estádios serão muito mais utilizados pelo futebol brasileiro do que pela Fifa. Conforme dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), o futebol hoje movimenta R$ 11 bilhões por ano e gera 370 mil empregos no Brasil. Mas poderia movimentar R$ 62 bilhões por ano e gerar 2 milhões de empregos, principalmente com a modernização dos estádios e ajustes no calendário, gestão e governança dos clubes. Com ou sem Copa, já valeria a pena investir nos estádios brasileiros.
                O BNDES é o maior banco de desenvolvimento do mundo, superando o Banco Mundial em volume de operações. Desde 2008, quando as sedes da Copa do Mundo no Brasil foram anunciadas, o BNDES desembolsou no total mais de R$ 700 bilhões em financiamentos diversos.
                Trocando em miúdos, o investimento nos estádios representa muito pouco diante dos grandes números do banco, que poderia ousar bem mais para promover o desenvolvimento do futebol brasileiro enquanto atividade econômica relevante para o arranjo produtivo e para a identidade cultural brasileira.
                Um estudo da FGV mostra que a o total de aportes na Copa pode quintuplicar. Além dos recursos previstos na matriz, a competição deve injetar R$ 112,79 bilhões na economia brasileira, movimentando o total de R$ 142,39 bilhões adicionais entre 2010 e 2014, com a geração de 3,63 milhões de empregos por ano e R$ 63,48 bilhões de renda para a população. Ainda assim, é preciso enxergar o evento na perspectiva global da economia.
                A maioria das obras relacionadas à Copa são realmente essenciais para melhorar a infraestrutura do país. O Brasil é o país do futebol e já precisava de melhores estádios para desenvolver seu pleno potencial de geração de emprego e renda.
                O maior legado da Copa do Mundo para o Brasil seria mesmo uma profunda transformação no futebol brasileiro. Não é razoável colocar problemas nacionais crônicos na conta da Fifa.