segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A atriz, uma personagem. o cenário



 O Globo - 23/12/2012


Destaque no teatro, no cinema e na TV em 2012, a atriz Mariana Lima posa como uma diva contemporânea na cidade das artes





Mariana Lima pega o isqueiro lilás com a mão direita, acende um Marlboro light e pede um tempinho para pensar. Depois diz que arte, na sua cabeça, é uma coisa a ser definida em palavras aleatórias: coragem, trabalho, loucura, comprometimento e paixão. Risco, acima de todas as outras coisas. Ela está metida em um longo vestido preto e caminha pela área central da Cidade das Artes, projeto iniciado por Cesar Maia como Cidade da Música, em 2002, e que agora — depois de desprezado, abandonado, renascido do quinto dos infernos, rebatizado e retrabalhado em sua arquitetura espetacular — está prestes a ser inaugurado definitivamente. Aatriz é mais ou menos como o prédio que a abriga, desenhado pelo francês Christian de Portzamparc: desconcertante, assimétrica, arrebatadora, agressiva, moderna, meio maluca e incrivelmente bela — uma diva.


Ainda que tire de letra a tarefa de posar no papel de diva contemporânea das artes, Mariana anda disposta a deixar rótulos para trás: quer ser simplesmente uma artista. Nem moderna demais, nem maluca demais, nem dura demais. A artista que Mariana quer ser é o que o público pôde ver durante todo o ano de 2012, um ano que lhe deu muito mais visibilidade. Uma atriz que fez cinema (no belo “Sudoeste”, de Eduardo Nunes, com seus tempos mortos e silêncios filmados em preto e branco); que fez teatro, dividindo o palco com Drica Morais em “A primeira vista” (peça em que vive uma emburacada roqueira, patrocinada pelo texto subversivo de Daniel MacIvor e pela direção do marido Enrique Diaz); que fará o especial de fim de ano da Globo ao lado de Fernanda Montenegro (dirigido por Jorge Furtado); e que fechou a tampa de um bom ano como uma das pacientes de “Sessão de terapia”, a série dirigida por Selton Mello e exibida pelo canal GNT. Fechou em termos: Ana, sua personagem, ainda não teve alta.


— Na próxima temporada eu estarei de volta — avisa Mariana, que tem 40 anos, faz terapia desde os 13 e, na vida pessoal, ainda não se vê em condições de ter alta. — Estou em busca do equilíbrio. Na vida toda, especialmente na carreira. As pessoas tendem a achar que a grande arte é impossível na TV, mas gente como Guel Arraes, Amora Mautner, Selton e muitos outros provam que isso é possível. Eu quero conseguir um espaço nessa TV, uma TV corajosa e inovadora. Quero tornar minha vida mais viável.



A vida viável de Mariana pode ser traduzida como uma mistura de estabilidade, contracheque, dinheiro no banco, carteira assinada, sonhos bons, conforto para as duas filhas (Elena, de 8 anos, e Antônia, de 4), uns dias vagabundeando em São Miguel dos Milagres, caipirinha antes do almoço, projetos bacanas com pessoas bacanas, novela das oito, série na TV, filmes do Claudio Assis, Proust na cabeceira da cama, mangás de Osamu Tezuka (“Uma descoberta!”), Tennessee Williams para estudar de noite, Aretha Franklin várias vezes ao dia, sossego, tempo pra namorar o marido e — se Deus for mesmo o sujeito maneiro que dizem que é — patrocínio para montar o que quiser no teatro.



atriz é cria do Teatro da Vertigem com Antônio Araújo — uma daquelas experiências que, depois que invadem, permanecem no sangue da gente para sempre. Mais que um grupo de teatro, o Vertigem sempre foi uma radical proposta de vida. Lá ela fez “O Livro de Jó” (encenado em hospitais públicos) e “Apocalipese 1,11” (montado em prisões). Experiências arrebatadoras. Mariana se acostumou a ir ao fundo do poço para tirar sua arte de lá. Em uma cena de “Apocalipse”, um dos atores urinava sobre seu corpo nu a cada apresentação. Mariana bebia, fumava, se machucava, discutia, chorava, transava, adoecia e vivia o teatro.

— Ali não tinha meio-termo, era ou tudo ou nada. Para mim era tudo — resume.

A entrega continuou a mesma em “A paixão segundo G.H.”, baseada no livro homônimo de Clarice Lispector, e “A gaivota”, de Tchecov — os dois espetáculos já sob a direção de Enrique Diaz, na Companhia dos Atores. No cinema, sempre fez opções por filmes autorais, como “Árido movie” (de Lírio Ferreira) ou “A cadeira do pai” (de Luciano Moura), em que contracena com Wagner Moura e que será lançado no início de 2013. Sempre bancou seus projetos, nunca teve facilidade. Mesmo na TV, ganhou espaço em novelas atípicas, como “Cordel encantado”, que tinha a levada cinematográfica da direção de Amora Mautner (leia-se “Avenida Brasil”).


A Cidade das Artes é um show de superlativos. Está construída num terreno de 95 mil metros quadrados na bifurcação das avenidas Ayrton Senna (que liga Jacarepaguá à Barra) e das Américas (que liga o Recreio ao início da Barra). É um lugar cercado por prédios altos, condomínios de luxo, shoppings de todos os estilos e carros. Antes de ser ocupado pelo prédio desenhado por Portzamparc, o espaço era conhecido como Cebolão e funcionava como uma rotatória para o trânsito. Depois veio o projeto de Cesar Maia, a Cidade da Música, o dinheiro escorrido pelo ralo (estima-se que cerca de R$ 600 milhões foram gastos até agora com a obra), as polêmicas, uma inauguração meia-bomba há quatro anos e o abandono. Isso mudou.

Quando abrir as portas no início de janeiro, para sessões de “Rock in Rio — O Musical”, no estilo soft opening, a Cidade das Artes já estará com outra cara. Apenas a sala principal, uma lanchonete e uma loja temática estarão à disposição do público, mas é o suficiente para se ter uma ideia de tudo. O musical vai servir como teste para o funcionamento do espaço: bilheteria, maquinaria, circulação, estacionamento, horários e equipamentos, alguns deles na caixa há seis anos. Um começo com os números impactantes do espaço: 25 atores em cena, 50 canções e um investimento de R$ 12 milhões. É — à maneira do jingle do festival — como se a vida começasse agora. Mas a inauguração para valer será em março.

Aí o público poderá desfrutar da sala principal com 1.800 lugares (com, dizem, uma acústica perfeita), uma sala menor para 800 pessoas, uma sala de concertos, três cinemas, 13 salas de aula, 13 salas de ensaio, uma cafeteria, um restaurante, um bar, uma galeria de arte e 750 vagas no estacionamento. Sem contar o espetáculo de circular em meio aos imensos vãos de concreto, subir pelas niemeyerianas rampas de acesso ou simplesmente ficar de bobeira pelas diversas arquibancadas distribuídas no lugar e se deslumbrar com o arrojado projeto arquitetônico.

— Só agora em dezembro, quando for publicado o estatuto, poderei pensar nas contratações e concretizar a programação. Estou muito animado — diz Emilio Kalil, presidente da recém-criada Fundação Cidade das Artes, que administrará o espaço. — Não é uma casa de espetáculos, é um espaço múltiplo das artes. Não concorro com as casas de shows da Barra. Meu negócio é outro. Quero grandes espetáculos, grandes projetos, grandes artistas. A Mariana Lima, que eu adoro, seria sempre bem-vinda, claro.

Mariana — que já foi faxineira em Nova York e ainda comemora o sucesso da temporada popular de seu último espetáculo no Sesc São João de Meriti, na Baixada Fluminense — está sempre aberta a experimentar.

— É um lugar incrível que, a princípio, não tem nada a ver comigo — explica a atriz paulistana, moradora de um apartamento classe média em Laranjeiras.— Mas sempre fico impressionada quando percebo que podem erguer um universo tão diferente do meu universo e que, ao mesmo tempo, pode ser tão belo e impactante. E tem autoria. Gosto de ver quando as pessoas se jogam de cabeça naquilo que acreditam. Se jogar de cabeça é, para Mariana, condição fundamental para qualquer ator. Na época do Vertigem chegava a dormir nos espaços inóspitos onde os espetáculos foram encenados. Já viu estupros, rebelião em presídio e conviveu com prostituta. Para interpretar Grace, a alcoólatra de “Pterodátilos”, foi fundo nas experiências. A peça — em que contracenava com Marco Nanini — lhe deu um Prêmio Shell.

— Mariana é um vulcão. Ela é, de fato, a atriz que toda atriz sonha ser. Se fosse uma música, seria “Darklands”, do Jesus and Mary Chain: “I’m going to the darklands to talk in rhyme with my chaotic soul” — resume Felipe Hirsch, diretor do espetáculo, para depois acrescentar. — Mas Mariana também seria uma marcha de carnaval apaixonada, Carmem Miranda cantando “I like you very much”.

Entre a depressão e a euforia carnavalizada, Mariana se equilibra do jeito que dá. A atriz fala abertamente sobre drogas (“Quando você é dominado por aquilo, viciada, é uma prisão. Mas quando te amplia a percepção da realidade e te deixa mais tolerante e amoroso, é libertador”), sobre amor (“O amor que deixa amar mais, quando não é poder sobre o outro, liberta também”) e sobre sexo (“O sexo é o grande libertador. Toda travação sexual amarga o indivíduo”). Por fim, diz que a maternidade a libertou do egoísmo e colocou o pingo definitivo nos seus “is”:

— Deixei de ser o centro do universo, cada vez mais eu tenho que levar o leite das crianças para casa — explica, para depois emendar. — Mas eu ainda gosto de me imaginar envelhecendo como uma daquelas velhas malucas que bebem, fumam maconha e cagam pra todo o resto.  


TV PAGA


Estado de Minas: 24/12/2012 

Uma dupla 
do barulho
De manhã até a noite só vai dar Jet Li e Jackie Chan na programação de Natal do canal Space. Para hoje, a emissora reservou os filmes Mr. Nice Guy (9h15 e 14h40), O terno de 2 bilhões de dólares (11h e 18h15), Primeiro impacto (13h e meia-noite), O beijo do dragão (16h30), A hora do rush (20h15) e 1911 (22h). A maratona continua amanhã, com destaque para o filme em que eles atuam juntos, O reino proibido (foto), às 13h15 e às 22h. Um presentão para os fãs dos dois astros e do gênero de ação e artes marciais.

Muitas alternativas 
no pacote de filmes
A segunda-feira serve como uma breve pausa no pacote de estreias, mas muitas das reprises são bem oportunas. Como 
a comédia Noivas em guerra, com Kate Hudson e Anne Hathaway, às 22h, no Megapix. Ou Contágio, que estreou sábado e retorna hoje na HBO2, também às 22h. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais cinco boas opções: Pequena Miss Sunshine, no FX; A lenda do tesouro perdido – Livro dos segredos, na TNT; A era do gelo 3, na Fox; Tempo de despertar, no TCM; e O pequeno príncipe, no Telecine Cult. Outras atrações da programação: Quando você viu seu pai pela última vez, 
às 21h, no AXN; Sobrevivendo ao Natal, às 21h, no Comedy Central; e Quero matar meu chefe, às 21h30, na HBO.

A criançada também 
vai se divertir a valer
A garotada também vai poder se divertir a valer nesta véspera de Natal. Todos os canais infantis prepararam seleção especial de filmes e desenhos, muitos deles temáticos. É o caso, por exemplo, do Gloob, que exibe, ao longo de todo o dia, episódios de Smurfs, Contraptus, Contos de Mila, Chaplin, Asha, I.N.K., Robôs invasores, Popeye e He-Man e os filmes Cadê o Papai Noel? (21h) e Um Natal milionário (23h20). Se bem que este último já é muito tarde para as crianças, né mesmo?

Documentários sobre 
Jesus invadem a grade
Variada está é a programação de documentários. No Canal Brasil, a sessão É tudo verdade apresenta hoje, às 22h, o longa Diário de uma busca, que narra a trajetória de um militante de esquerda no Brasil nas décadas de 1960, 70 
e 80. No mesmo horário, o canal History exibe um episódio sobre o Santo Graal na série Em busca do tesouro sagrado. No canal Off, às 23h, Castles in the sky segue um grupo de surfistas arrepiando em ondas na Islândia, Vietnã, África, Peru e Índia. Já no clima do Natal, o NatGeo emenda três documentários no especial Os mistérios de Jesus, a parir das 21h45. O History anuncia A verdadeira história do Natal para as 23h. E o canal GNT programou Jesus – A história 
do nascimento para 0h30.

Estúdio 66 reúne seu 
trio de apresentadores
Entre os musicais, uma boa dica é o encontro dos três apresentadores que passaram pelo programa Estúdio 66, Ricardo Silveira, Marcos Nimrichter e Zé Nogueira, às 18h45, no Canal Brasil. No Futura, às 21h30, Pequeno cidadão reúne Edgar Scandurra, Taciana Barros e Antonio Pinto, em parceria com suas crianças. Às 22h, o SescTV apresenta o especial Panorama do choro paulista contemporâneo. E à meia-noite, no Multishow, a festa fica por conta de Paul McCartney, em Kisses on the bottom, com a participação de Diana Krall e John Pizzarelli. 

Eurochannel estreia 
balé de Maurice Béjart
E se falou música, por que não a dança também? Às 20h30, o Eurochannel estreia o último espetáculo de balé de Maurice Béjart (1927–2007), A volta ao mundo em 80 minutos, inspirado no clássico A volta ao mundo em 80 dias, de Julio Verne. Entre os bailarinos, Gabriel Barrenegoa, Aude Bretholz, Sidonie Fossé e Luisa Diaz. O balé foi concluído pouco antes da morte de Béjart e reproduzido neste documentário de 2008.

Chance de vencer o preconceito - Max Milliano Melo

ONU declara os próximos 10 anos como a Década das Pessoas com Ascendência Africana. objetivo é valorizar a cultura e a cidadania dessa população 

Max Milliano Melo
Estado de Minas: 24/12/2012 
Portas são geralmente associadas a novas oportunidades, vistas como um símbolo de caminhos que se abrem e de soluções para os problemas. Mas a pequena Ilha de Gorée, a três quilômetros da costa de Dakar, no Senegal, guarda uma passagem com um significado muito mais profundo e doloroso. Sob o pequeno portal de pedras, localizado no térreo de uma edificação do século 18,  cerca de 1 milhão de africanos passaram. Do outro lado da abertura, ficavam os tumbeiros, navios que transportavam os negros para uma viagem que, na imensa maioria das vezes, não tinha volta. Após cruzarem a chamada Porta sem Retorno, as almas aprisionadas eram levadas para diversas partes do mundo, especialmente para o Brasil, que abrigou a maior população de escravos do mundo.

As mãos negras colheram o algodão branco do sertão, cortaram os pés de cana-de-açúcar do Nordeste, extraíram os diamantes reluzentes das minas e cultivaram o café, ouro negro brasileiro. Essas mesmas mãos – muitas vezes amarradas, para exercer sobre o corpo o controle que não se tinha da mente desses exilados – construíram outro tipo de riqueza, inestimável, até hoje expressa na beleza do samba, no esplendor do candomblé, na exuberância do tambor de crioula e em tantas outras manifestações que tornaram rica e diversa a cultura do último país do mundo a abolir a escravidão.

Apesar de a história ensinada nas escolas reservar pouco espaço para a cultura negra e a memória da escravidão – a maior tragédia da humanidade em número de vítimas –, os escravos tiveram um papel fundamental na construção da identidade nacional. O mesmo fizeram em todas as outras regiões para as quais foram forçados a ir. Assim, a história do negro é também a história do branco, do índio e do asiático, porque a cultura e o destino desses povos estão diretamente ligados ao convívio com os modos, os costumes e o pensamento dos africanos arrancados de sua terra e de seus descendentes. 

Às vésperas do início das comemorações da Década para as Pessoas com Ascendência Africana, declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Estado de Minas publica série de reportagens sobre a memória da escravidão e seus efeitos sobre o mundo, sentidos até hoje.

“Macumba é bruxaria.” “Mulher negra é mais fácil.” “Homens negros são mais viris.” “Os negros são pessoas alegres e festivas.” Essas são algumas das respostas que pessoas abordadas nas ruas dão quando perguntadas sobre aspectos da cultura afro. A ignorância sobre a realidade, sobre as tradições e sobre os costumes do mais numeroso grupo da população brasileira é fruto do tratamento que os africanos e seus descendentes receberam desde que os primeiros navios negreiros, ou tumbeiros, começaram a aportar na costa do país. Inicialmente escravizados, tornaram-se, há um século e meio, homens livres, mas abandonados à própria sorte pelo Estado. 

A abolição da escravidão não os livrou das visões deturpadas, que se multiplicaram. O fenômeno não é exclusividade brasileira, tanto que as Nações Unidas declararam o período entre 2013 e 2023 a Década para as Pessoas com Ascendência Africana. A data servirá para promover ações que ajudem os afrodescendentes do mundo todo a conquistarem a cidadania plena. Estão previstas também iniciativas que valorizem a história e a cultura desses povos. 

No Brasil, a luta contra o preconceito ainda tem um longo caminho a ser percorrido. A antiga imagem do malandro, especialista em pequenos golpes, desempregado e morador das regiões boêmias das grandes cidades, é um dos vários estereótipos já criados por um Brasil onde ser negro não é visto como uma característica positiva. “Tradicionalmente, a indústria cultural se apropriou de alguns aspectos da cultura negra, transformando-a em mercadoria”, afirma Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), da Universidade de Brasília. “Está aí o carnaval, uma festa que movimenta milhões de reais, rende muito dinheiro para alguns, mas muitas vezes não é instrumento de promoção da cidadania negra”, diz o pesquisador.

Esse processo de desvalorização cultural iniciou-se logo depois da abolição da escravatura, no fim do século 19. Se, antes, o negro era mercadoria desumanizada, passou a ser visto como ser inferior. “Nesse contexto, o Brasil assumiu uma política de branqueamento da população, renegando o negro e promovendo a imigração de poloneses, italianos, austríacos, japoneses”, diz Inocêncio. “Há documentos do final do século 19 e início do 20 mostrando que esse era um objetivo muito claro, quando o poder público passou a estimular a vinda desses povos”, completa.

Assim, ser negro continuou sendo motivo de vergonha para muitos indivíduos. “O Brasil foi aprovar sua primeira lei não criminal para garantir a cidadania negra quase 150 anos depois de abolir a escravidão. Antes disso, o Estado se furtou da sua obrigação de promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas com ascendência africana”, afirma Eloi Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura.

A norma a que ele se refere é a Lei nº 2.288/2010, o chamado Estatuto da Igualdade Racial, que prevê uma série de medidas para a promoção da cidadania negra, como a obrigatoriedade do ensino de história africana nas escolas, o reconhecimento de que a capoeira é um esporte e deve receber apoio do Estado e a garantia da livre prática de religiões de matriz africana, como o candomblé, a umbanda e o ketu. A lei, em vigor há pouco mais de dois anos, também busca impedir a discriminação no mercado de trabalho. “O problema é a aplicação. Qualquer política voltada para os negros enfrenta grande resistência. Há uma dificuldade de reconhecer que há uma compensação a ser feita”, avalia Inocêncio.

Resgate mundial A desvalorização da cultura de origem africana pode ser percebida no restante do mundo. Apenas 9% dos patrimônios culturais e naturais da humanidade reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) são localizados na África Subsaariana, região que concentra 14% da população mundial. Já a Europa, lar de 11% dos habitantes da Terra, possui quase metade desses bens, num exemplo de que a visão eurocêntrica persiste. Por outro lado, 42% dos patrimônios em risco de desaparecimento estão na região subsaariana. “Muitos países não têm recursos humanos e financeiros para garantir o reconhecimento de seus locais de singular importância”, lamenta Irina Bokova, diretora-geral da Unesco.

A partir da iniciativa da ONU, os próximos 10 anos serão essenciais para o processo de resgate da identidade dos afrodescendentes e a promoção de avanços sociais na África. A ação surgiu da constatação de que a realização do Ano Internacional das Pessoas com Ascendência Africana, declarado em 2011, não foi suficiente para avanços contundentes. “Verificou-se que, apesar do grande número de ações por parte de alguns Estados, organizações internacionais e sociedade civil, o trabalho a ser feito para promover significativamente o direitos das pessoas de ascendência africana não poderia, em um único ano, chegar a resultados que atendessem às expectativas”, completa Bokova, ressaltando que existe um longo caminho a ser percorrido para que todos, independentemente da cor da pele ou origem geográfica, sejam tratados de forma igual.

Quadrinhos

FOLHA DE SÃO PAULO

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS

JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      LÉZIO JUNIOR

Lézio Junior

Anvisa nega registro de droga para câncer

FOLHA DE SÃO PAULO


Medicamento contra doença na medula óssea já havia sido rejeitado antes pela agência; pacientes reclamam
Tratamento com o remédio importado custa R$ 200 mil ao ano; doentes recorrem a processos judiciais
Lucas Lima/Folhapress
Dorival Urino, 68, de São Paulo, passou a receber o medicamento contra mieloma de seu convênio por decisão judicial
Dorival Urino, 68, de São Paulo, passou a receber o medicamento contra mieloma de seu convênio por decisão judicial
GIULIANA MIRANDADE SÃO PAULOJOHANNA NUBLATDE BRASÍLIA
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) voltou a negar, na semana passada, o registro da lenalidomida no país.
O imbróglio sobre a droga, usada no tratamento do mieloma múltiplo -câncer na medula óssea- tem mais de três anos e coloca em lados opostos médicos e pacientes e técnicos do governo.
Aprovada em cerca de 80 países, incluindo os EUA, a droga é considerada um dos principais tratamentos do mieloma. A doença é incurável mas pode ser controlada.
A Anvisa já havia negado o registro do medicamento antes, em setembro de 2011.
"Hoje, um paciente que já não responde à talidomida e ao bortezomibe [drogas liberadas no Brasil] fica sem opção", diz Angelo Maiolino, diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular e membro da Fundação Internacional do Mieloma, que reúne especialistas na doença.
A entidade, que tem entre os seus patrocinadores o laboratório que fabrica a droga, faz uma movimentação pública para a aprovação da lenalidomida. Em 2011, a fundação entregou à Anvisa um abaixo-assinado com mais de 22 mil nomes pedindo a liberação do medicamento.
Na internet, a movimentação dos pacientes continua. Uma petição on-line já tem quase 26 mil assinaturas, e há uma campanha dos pacientes em fóruns e blogs.
Segundo Maiolino, há 30 mil pessoas em tratamento no país. Os casos de mieloma correspondem a 1% de todos os tipos de câncer
O diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, afirma que o registro não foi concedido porque a empresa não apresentou um estudo clínico comparando o produto a outro com igual indicação terapêutica já no mercado.
"Você não pode aprovar um produto se ele tem um perfil clínico inferior a outro disponível." Segundo Barbano, a decisão foi sobre um recurso de um pedido já negado e, nesse intervalo, a empresa poderia ter apresentado os estudos demandados.
"Não é bom reprovar produtos que possam ter utilidade. Mas não é bom para as pessoas que um produto seja registrado sob dúvida"
Outro problema, afirma, é que a lenalidomida é semelhante à talidomida. Assim, é necessário que a empresa apresente um plano de minimização de riscos, como de nascimento de crianças com malformação.
Maiolino diz, no entanto, que o mieloma atinge mais os idosos, por isso dificilmente a droga seria usada por mulheres em idade fértil.
"Há algo de errado com a decisão da Anvisa. Todos os países que já usam o remédio estão errados? E os maiores especialistas do mundo na doença? O tipo de comparação exigido pela Anvisa é desnecessário", diz o médico.
CUSTO ALTO
Enquanto o governo e a indústria travam a queda de braço, pacientes precisam recorrer à Justiça para ter acesso à lenalidomida importada.
O preço é proibitivo: o tratamento custa cerca de R$ 200 mil ao ano.
Dorival Urino, 68, foi um dos beneficiados por decisões judiciais. Há quatro meses, seu convênio médico é obrigado a fornecer a droga.
"Cheguei a ficar na cama, sem condições de levantar. Agora, consigo fazer quase tudo. Inclusive cuidar das minhas dez gaiolas de passarinho e dos quase 40 vasos de planta", diz o aposentado.
Apesar dos bons resultados, o uso de lenalidomida não é isento de riscos. Estudos apontam a maior chance de desenvolver outros cânceres em alguns usos do medicamento. Especialistas em mieloma, porém, dizem que o benefício supera os riscos.
Há menos de duas semanas, a FDA (agência reguladora de remédios nos EUA), anunciou a liberação da pomalidomida, terceira geração do princípio ativo.

Rubens Ricupero

FOLHA DE SÃO PAULO

Natal, natalidade...
Com queda na fecundidade, Brasil se aproxima do colapso demográfico de espanhóis e italianos
O Natal, festa de um nascimento, parece dia adequado para tratar de uma crise despercebida no Brasil: a dos nascimentos. Desde 2003, quando pela primeira vez se registrou taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição da população (2,1 filhos por mulher), os nascimentos caem em ritmo acelerado.
Os dados recentes sugerem que a taxa esteja em 1,8, atingindo já 1,5 em cidades do interior de São Paulo e Estados do Sul.
O país se aproxima rápida e perigosamente do colapso demográfico de espanhóis e italianos (1,2 a 1,3), para não falar dos japoneses. Perdemos da França, da Suécia, dos escandinavos.
O surpreendente (e alarmante) é que até a Argentina e o Uruguai, sociedades maduras, as primeiras a se urbanizarem na América Latina, já nos deixaram para trás. O normal seria que as sociedades prematuramente envelhecidas do Rio da Prata tivessem menos filhos que nós.
No entanto, nos mapas demográficos da América Latina, elas aparecem como tendo fecundidade média, ao passo que o Brasil está na zona de baixa fecundidade.
Os únicos no continente com taxas tão minguadas são cubanos e alguns caribenhos de cultura histórica com mais de um ponto de contato com a brasileira.
E os Estados Unidos, perguntará o leitor? Conservam fecundidade alta, graças aos imigrantes, mas essa superioridade começa a mudar. Estudo recente indica que os nascimentos chegaram ao ponto mais baixo desde 1920, devido à queda geral de 8% de 2007 a 2010. A queda maior foi entre as mulheres imigrantes (declínio de 14%) e das mexicanas (23%), justamente o grupo que antes garantia alta natalidade.
A explicação é a crise econômica, que atingiu, sobretudo, os grupos vulneráveis. Para o Brasil, com pleno emprego, salários em alta, expansão do consumo, tal razão não vale. Aliás, um dos paradoxos brasileiros é que outros índices como a violência e a criminalidade, que deveriam estar caindo com a moderação demográfica e a melhoria do bem estar, continuam a se agravar de modo assustador.
Nos países afetados pela queda da natalidade, o problema está no centro das atenções. Nos EUA, os índices desencadearam debate intenso. Na Rússia, o presidente Putin anunciou um programa de 1,5 trilhão de rublos (US$ 53 bilhões) para recuperar a fecundidade. Se falhar, os 143 milhões de russos serão apenas 107 milhões em 2050. Trata-se, como disse o presidente, de questão de sobrevivência da nação.
A França, país histórico da queda da natalidade, inverteu a situação com política de ênfase em incentivos a famílias com filhos e construção de creches. O mesmo fazem os escandinavos, com resultados que permitiram recuperar parte da fecundidade perdida. Tentam adotar políticas similares a Coreia e o Japão, que temem se converter numa espécie de asilo para idosos.
No Brasil, o assunto é olimpicamente ignorado. Políticas de natalidade ou de imigração soam tão excêntricas como no tempo em que ainda vivíamos a explosão demográfica. Véspera de Natal é um bom momento para refletirmos que o nascimento de um ser humano pode fazer uma enorme diferença!

    Ledo Ivo [1924 - 2012]

    FOLHA DE SÃO PAULO

    Poeta e acadêmico Lêdo Ivo morre aos 88
    Alagoano, expoente da Geração de 45 na literatura brasileira, sofreu infarto após jantar com a família na Espanha
    Corpo seria cremado ontem, e cinzas ficarão no mausoléu da ABL, no cemitério São João Batista, no Rio
    DO RIODE SÃO PAULOO poeta e romancista alagoano Lêdo Ivo, expoente da chamada Geração de 45 da literatura brasileira, morreu na madrugada de ontem, aos 88 anos, vítima de um infarto.
    Ocupante da cadeira dez da Academia Brasileira de Letras (ABL), o escritor estava em Sevilha, na Espanha, em passeio com a família. Após um jantar, sentiu-se mal e morreu nos braços do filho, o artista plástico Gonçalo Ivo.
    O corpo do imortal seria cremado ontem. As cinzas serão depositadas no mausoléu da ABL, no cemitério São João Batista, no Rio.
    A presidente da ABL, Ana Maria Machado, disse que Ivo lutava contra um câncer de próstata havia anos, mas que nunca falaram sobre a doença. "Ele dizia que a poesia é uma forma de ocultar a vida pessoal em palavras."
    A ABL decretou luto de três dias e marcou homenagem reservada ao escritor para 10 de janeiro. Em março ou abril, haverá outra, pública.
    VITALIDADE
    "Ele era grande contador de casos. Tinha uma vitalidade espantosa, falava alto, gostava de comer bem", lembrou a presidente da ABL.
    Escritor e membro da ABL, Marcos Vilaça classificou Ivo como "muito espirituoso".
    "Ele tinha uma acidez cômica. Na última vez em que estivemos juntos, ele disse, brincando, que na academia a gente só premia livros que não lemos, porque, se fôssemos ler, não premiaríamos."
    O imortal Cícero Sandroni lembrou que Ivo afirmava pertencer à Geração de 45 apenas pelo calendário. "Ele dizia que, por estilo, o único ponto de convergência era a rejeição ao modernismo."
    "Ele foi maior que a Geração de 45, marcada por uma poesia muito medida, até medíocre", diz o poeta Ivan Junqueira. "E atravessou um período grande da nossa literatura. Destacou-se no romance, no ensaio, nas memórias."
    HISTÓRIA
    Lêdo Ivo nasceu em 18 de fevereiro de 1924, em Maceió (AL). Em 1943, foi estudar direito na Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
    Formou-se em 1949, mas nunca advogou; durante o curso, começara a colaborar com suplementos literários de periódicos cariocas.
    Em 1944, estreou na poesia com "As Imaginações" e, três anos depois, em romance, com "As Alianças".
    Conquistou a crítica com obras como o romance "Ninho de Cobras" (1973), o volume de poemas "Finisterra" (1972) e as memórias "Confissões de um Poeta" (1979).
    Teve mais de 70 livros publicados, a maior parte de poesia, e recebeu dezenas de prêmios, inclusive internacionais, como o Casa de Las Americas (Cuba, 2009).
    Eleito para a ABL em 1987, sucedendo a Orígenes Lessa (1903-1986) na cadeira dez, Ivo fez, em sua posse, uma elegia à poesia, descrevendo-a como "dávida e testemunho".
    Foi casado com Maria Lêda (1923-2004) e deixou os filhos Patrícia, Maria da Graça e Gonçalo.
    Sua sucessão na ABL só será debatida após o anúncio oficial da vaga, segundo Ana Maria Machado.


    CRONOLOGIA LÊDO IVO
    18.fev.1924
    Nasce em Maceió (AL)
    1943
    No Rio, inicia o curso de direito na Universidade do Brasil, atual UFRJ
    1944
    Estreia na poesia com o livro "As Imaginações"
    1947
    Estreia em romance com "As Alianças"
    1949
    Forma-se em direito, embora nunca venha a advogar
    1957
    Sai "A Cidade e Os Dias" (crônicas), premiado pela ABL
    1973
    Publica o premiado romance "Ninho de Cobras"
    1979
    Publica as memórias "Confissões de um Poeta"
    13.nov.1986
    Assume a cadeira dez da ABL, anteriormente ocupada por Orígenes Lessa
    1990
    Recebe o Prêmio Juca Pato
    2004
    Morre sua mulher, Maria Lêda
    2008
    Recebe prêmio Victor Sandoval (México)
    2009
    Recebe prêmio Casa de las Américas (Cuba)
    2010
    Recebe prêmio do PEN Clube da Galícia (Espanha)

      REPERCUSSÃO
      Ana Maria Machado, escritora e presidente da ABL
      "Ele foi um representante significativo da Geração de 45, momento em que o modernismo brasileiro procurou voltar a formas poéticas fixas e se afastar da linguagem coloquial. Dominava muito bem o artesanato do poema."
      Ivan Junqueira, poeta e integrante da ABL
      "Com Cabral e Gullar, transcendeu a Geração de 45, tornando-se maior do que ela. Foi talvez o último homem de letras no Brasil, ciente de tudo no universo literário. Como acadêmico, era polêmico. Não media as palavras."
      Cícero Sandroni, jornalista e escritor, integrante da ABL
      "Foi amigo do Graciliano, teve uma vida literária extensa, uma produção enorme. Como Josué Montello, era um animal literário, inteiramente dedicado à literatura."

      Marcos Augusto Gonçalves

      FOLHA DE SÃO PAULO

      Zarif
      Obra do artista, que promoveu memoráveis salões na década de 1980, vai aparecer em livro
      Foi no início de 1984, tempos do Radar Tan Tan, Rose Bom Bom, Carbono 14 e Napalm, que desembarquei em São Paulo. Frequentávamos as "danceterias" para mergulhar na balada e ver as novas bandas brasucas, que pulavam da panela como pipoca. Barão Vermelho, Paralamas, Titãs, Legião Urbana, Ira!, Mercenárias, Inocentes, RPM, Lobão -uma lista interminável.
      Foi nessas andanças que conheci Fernando Zarif. Elegante em suas roupas quase sempre pretas, calvície precoce e cabelos desalinhados, era uma figura que não passava despercebida. À época fazia sucesso o palhaço Bozo e, certa vez, na pista de um desses lugares, fiz uma brincadeira sobre uma hipotética semelhança entre os dois. Fuzilou-me com o olhar. Depois nos conhecemos melhor, ficamos amigos e entendi a completa inadequação de minha piada.
      Fernando Zarif era um cara talentoso, culto, transgressivo, com humor esplêndido. Seu generoso apartamento no Itaim -casa, biblioteca, ateliê, pista, gamão, vida in progress- foi um animado salão durante boa parte dos anos 1980 e 1990. Por ali passou "todo mundo". Isso quer dizer: artistas plásticos, atores, diretores de teatro e cinema, cenógrafos, músicos, cantores, escritores, jornalistas, além de figuras esquivas e aristocráticas que vagavam por aquelas madrugadas modernas. Para citar alguns nomes: Tunga, Jac Leirner, José Resende, Fernanda Torres, Marisa Monte, Bia Lessa, Giulia Gam, Titãs, Paulo Ricardo, Pedro Bial, Otávio Muller, Mauro Lima...
      O guitarrista e autor Tony Bellotto descreveu, em seu blog, o clima do lugar: "Foi uma verdadeira embaixada do pensamento livre e da celebração da arte e da vida. Encontrava-se de tudo nas noitadas no apê do Zarif. Lembro-me até hoje da quantidade de livros, discos, quadros, esculturas e objetos que se espalhavam pela sala e pelos quartos. E das pessoas que surgiam -e desapareciam- no corredor, na cozinha (que abrigava uma das geladeiras mais bem fornidas de que se tem notícia), no banheiro, na varanda. Sem contar os sustos que eu levava quando dava de cara, ao dobrar uma das esquinas do apê labirinto transcendental, com a presença etérea do gato Jesus caminhando pelas paredes, o Sancho Pança perfeito para um Quixote como o Zarif".
      Hoje, dia 24 de dezembro, faz dois anos que Fernando morreu. Tinha 50. Deixou, além das lembranças, uma obra -extensa, por sinal- que precisa ser conhecida.
      Era um artista de mão cheia. Desenhava muito bem, pintava, usava materiais variados e criava ótimos "ready-mades". Também escrevia. Lembro-me de uma época em que não saía da frente de seu Mac. Lia, lia e lia para os amigos suas narrativas supreendentes.
      Família e amigos criaram o Projeto Fernando Zarif, que está catalogando e tratando dos trabalhos. Quem quiser, pode ter uma ideia no blog (projetofernandozarif.blog
      spot.com.br). Vale também uma busca no YouTube para os vídeos de seus cadernos de arte.
      O plano agora é fazer um livro -e já foi obtida autorização para captar recursos via lei de incentivo. Tomara que no próximo Natal a gente possa dar de presente um lindo livro do Zara. :-)

      Painel - Vera Magalhães

      FOLHA DE SÃO PAULO

      Adeus, Ano Velho
      A AGU (Advocacia-Geral da União) vai divulgar ainda nesta semana o relatório da sindicância aberta para investigar o ex-adjunto do órgão, José Weber Holanda, investigado na Operação Porto Seguro da Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público por corrupção passiva. Na ocasião também serão anunciados os resultados de correições feitas em conjunto com a CGU (Controladoria-Geral da União) em três agências reguladoras nas quais a quadrilha agia: ANA, Anac e Antaq.
      -
      Pule de dez Na PF e no Ministério Público Federal é dado como certo que a juíza Adriana Zanetti, da 5ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, acatará a denúncia da procuradora Suzana Fairbanks logo após o recesso da Justiça e transformará em réus os denunciados da Operação Porto Seguro.
      Azarão A única dúvida é se ela manterá o delator do esquema, Cyonil Borges, que colaborou com a investigação, entre os que se tornarão réus. O MPF o denunciou, mas a PF o havia deixado de fora do rol dos indiciados.
      Intransferível Luís Inácio Adams pediu pareceres antes de responder ao pedido da Câmara para que a AGU atue no STF em defesa do mandato dos condenados no mensalão, mas ele avalia que a questão é estritamente penal e que cabe aos deputados recorrer da decisão.
      Sem escala 1 Uma missão de nove deputados da Comissão de Relações Exteriores da Câmara programou viagem a Nova York para conhecer a divisão da ONU responsável pelas operações de paz. Depois, iriam ao Haiti.
      Sem escala 2 No entanto, por problema de logística, o trecho de Nova York foi cancelado, e apenas três parlamentares foram ao Haiti: Perpétua Almeida (PC do B-AC), Jô Moraes (PC do B-MG) e Gonzaga Patriota (PSB-PE).
      No-show Da lista que chegou à embaixada brasileira em Porto Príncipe, desistiram da viagem nomes como Jaqueline Roriz (PMN-DF) e Paulo Pimenta (PT-RS).
      Segundo escalão 1 Fernando Haddad escolheu Silvano Silvério, engenheiro de carreira do Ministério do Meio Ambiente, para a presidência da Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana), empresa que substituirá a extinta Limpurb.
      Segundo escalão 2 Paulo de Tarso Carvalhaes, outro engenheiro da Poli, será o diretor do Ilume (Departamento de Iluminação Pública). Hoje na Prefeitura de Guarulhos, ele comandou a área na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina (1989-92).
      Férias... Gilberto Kassab recomendou aos seus 27 secretários que se mantenham à disposição de Haddad até o final de janeiro, inclusive dando expediente nas sedes das secretarias, caso seja o desejo dos sucessores.
      ... frustradas O prefeito considera que a transição não se encerra no dia 31 e pediu que seus assessores auxiliem, se acionados, os novos titulares das pastas nas tarefas iniciais do mandato.
      RT Nunca uma entrevista foi tão disseminada por petistas nas redes sociais quanto a que o governador Eduardo Campos (PSB-PE) concedeu à revista "Época" no fim de semana dizendo que "estará com Dilma" em 2014.
      Entrelinhas Aliados do presidente do PSB, no entanto, dizem que a chave da entrevista é a insistência em que Dilma tem de "ganhar 2013" para se cacifar para a reeleição. Isso quer dizer que, se a economia patinar no ano que vem, Campos se sentirá livre para o voo solo.
      Chapéu alheio Endividada depois da administração malsucedida da ex-prefeita Micarla de Souza, que se afastou do cargo em novembro, a Prefeitura de Natal teve de pedir para o governo do Rio Grande do Norte bancar a queima de fogos no Ano Novo na praia de Ponta Negra.
      com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
      -
      TIROTEIO
      "Se o STF acha que o Congresso deve seguir a ordem cronológica, pode dar exemplo com seus mais de 60 mil processos em estoque."
      DO SENADOR PEDRO SIMON (PMDB-RS), sobre a liminar que obriga a análise de 3.000 vetos da Presidência antes do relativo aos royalties do petróleo.
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      CONTRAPONTO
      Pegadinha no protocolo
      O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, estava atrasado para o anúncio do balanço do Plano Nacional de Fronteiras, na semana passada, e era aguardado pelo vice-presidente, Michel Temer, e pelo ministro Celso Amorim (Defesa). A secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, decidiu telefonar para ele para checar se já estava chegando. Diante da resposta, ficou nervosa:
      -Como assim, ministro? É claro que é para o senhor vir! Estão todos esperando!
      Era apenas uma brincadeira de Cardozo, que fingiu surpresa ao telefone com o compromisso, mas já estava no local e chegou em seguida -para alívio da assessora.

        Entrevista da 2ª Francisco Weffort

        FOLHA DE SÃO PAULO

        A capacidade prática deste país de fazer sem saber é enorme
        EM NOVO LIVRO, EX-MINISTRO INVESTIGA PERMANÊNCIA DE HERANÇA IBÉRICA NO BRASIL
        Cecilia Acioli/Folhapress
        O cientista político Francisco Weffort na biblioteca de sua casa, no Rio
        O cientista político Francisco Weffort na biblioteca de sua casa, no Rio
        CASSIANO ELEK MACHADOENVIADO ESPECIAL AO RIOFrancisco Weffort passou os últimos anos vivendo no século 16. E esteve por lá em busca dos anos 1930.
        A máquina do tempo do cientista político e ex-ministro da Cultura não está quebrada. Seguindo as raízes do Brasil, ele procurava realizar um retrato do país na mesma linha dos que pensadores como Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Gilberto Freyre (1900-1987) publicaram no início do século 20.
        "Espada, Cobiça e Fé - As Origens do Brasil" (Civilização Brasileira, R$ 39,90, 240 págs.), que ele acaba de publicar, foi o resultado destas expedições.
        Os três elementos elencados no título são, na ótica de Weffort, 75, vetores essenciais da atuação de portugueses e espanhóis na descoberta (ou conquista, como dizem os hispânicos) da América.
        "Nos ambientes europeus em que se formaram, a fé em Deus podia conviver com uma noção de honra e de poder que não excluía a cobiça e a busca do enriquecimento rápido", escreve Weffort. "Sua profunda religiosidade era parte de uma cultura na qual a violência na vida cotidiana e o saqueio na guerra eram recursos habituais."
        O tripé espada, cobiça e fé, que marcou a atuação dos ibéricos em Terra Brasilis, teria deixado traços profundos no caráter brasileiro.
        Para tratar destes temas, e de como eles estão ligados a acontecimentos recentes no país, Weffort recebeu a Folha para uma conversa em seu apartamento, no Rio. Leia a seguir trechos da entrevista.
        -
        Folha - O seu novo livro é uma busca das raízes do país. O que o sr. encontrou de mais desagradável em nossas raízes?
        Francisco Weffort - Não diria uma coisa só, mas a descoberta ou a conquista do Brasil foi um difícil processo de reconhecimento do povo brasileiro. Levou séculos e se prolongou numa cultura preconceituosa. Os europeus que chegavam aqui, mesmo os padres, que foram os que mais defenderam índios e negros contra injustiças, não tinham a ideia do que era este povo. Estavam desinteressados do tema da humanidade dos negros, por exemplo.
        O padre Vieira, quando foi consultado sobre o que fazer com o Quilombo dos Palmares, disse que se déssemos liberdade aos negros de lá seríamos obrigados a fazer o mesmo com todos os negros da colônia, o que inviabilizaria a colonização.
        No livro, o sr. diz que o Renascimento ibérico se expressava mais na conquista do mundo do que na arte. De que modo a falta de valorização da cultura reflete nosso desinteresse na área?
        A tradição ibérica é a da prática, do fazer. No campo das ciências humanas, por exemplo, temos belos historiadores, magníficos ensaístas, mas muito pouca teoria. A capacidade prática deste país de fazer sem saber é enorme. Uma vez conversei com uma figura importante na construção de Brasília. Ele comentava que tinham medo que o lago não enchesse, que as árvores não crescessem.
        Quase perguntei por que fizeram Brasília aqui. Eles eram de uma grande audácia e de uma enorme ignorância, mas fizeram uma imensa cidade.
        Um tema importante no livro é a atuação dos bandeirantes. Eles são a melhor personificação da "audácia ignorante"?
        Comecei a fazer o livro preocupado com este tema. Sei que os bandeirantes foram brutais e violentos, mas conquistaram esta terra. Todos temos uma dívida com eles. Então é preciso entendê-los.
        O livro ilumina um lado menos conhecido dos bandeirantes, que foi a atuação deles na Bahia. Por que esse capítulo é tão desconhecido?
        Existe uma ideia de que os bandeirantes foram só paulistas. Os baianos foram os primeiros. O que é notável é que foram atrás de tesouros por conta das descobertas de riquezas pelos espanhóis no outro lado da América. Se havia lá, deveria haver aqui. Eles não sabiam nada. Mas foram de coragem espantosa.
        Outro traço que seu livro acentua ter vindo das raízes ibéricas é a violência...
        Os conquistadores construíram o germe de estrutura hierárquica que acompanhou a formação do país nos séculos que se seguiram.
        Você tinha o monarca, depois os militares que o representavam. A sequência clara disso foi a Guarda Nacional do Império, os coronéis do Nordeste. Até o século 19, o Brasil teve tanta violência que este estilo persiste até hoje.
        Como a violência ancestral ressoa no cenário atual?
        Não acredito que o crime organizado seja uma projeção da violência daquela época, mas certamente a capacidade que estes grupos marginais têm de produzir violência de maneira organizada tem a ver com esta história. Eles não são finlandeses ou suecos, são como nós. Uma coisa importante é esta dualidade entre os que estão dentro e os que estão fora.
        No Rio, a grande manobra política recente foi a de expulsar os bandidos que estavam dentro da comunidade. Esta dualidade, os de dentro e os de fora, os civilizados e os bárbaros, está o tempo todo na cabeça do brasileiro.
        E qual o papel do personalismo ibérico nisso?
        O personalismo é uma dimensão fundamental de nossa identidade. Nós nos reconhecemos de pessoa a pessoa. Na cultura, isso fica claro. Entre nós, quem fala é porque tem algo a expressar do meio pessoal. Por isso você tem aqui artistas que falam sobre qualquer tema: futebol, cinema, guerra.
        Numa entrevista anterior o sr. evocou as raízes ibéricas para comentar a formação das instituições políticas brasileiras. O sr. dizia que não havia partidos, só personalismos. O Brasil tem como mudar esta tradição?
        O Brasil está mudando. A época atual, não estou falando em governo atual, é de avanços. Quando falo em época, estou me referindo ao pós-1950. É uma época de democratização do Brasil.
        E, veja, isso inclui um período de ditadura, mas é democratização no sentido social. O número de pessoas nas cidades, de alfabetizados, de pessoas que expressam algo aumentou na escala de milhões.
        Mas e os partidos?
        Os partidos... [silêncio]. Em alguns casos, as instituições são mais frágeis do que o crescimento democrático. Isso porque o crescimento democrático também alimenta os personalismos. O Lula é um fenômeno do personalismo. Mas é óbvio que ele é um fenômeno da democracia. É um problema típico da construção das instituições políticas. Se pegarmos uma escala de século, veremos o crescimento das instituições. O que está ocorrendo no Brasil hoje, por exemplo no Supremo Tribunal Federal, era impensável há 50 anos.
        Mas no seu livro o sr. fala da "subvalorização das normas e leis, típica da cultura brasileira e hispano-americana em geral"...
        Em termos gerais, isso ainda é verdade. Nós tendemos a ter dificuldade para aceitar que a lei tem de ser cumprida. Fulano vai ser preso?, perguntam. Claro, tem de cumprir a lei. A ideia de que é preciso cumprir um princípio abstrato para nós é difícil. Mas cada vez mais vamos aceitando.
        A corrupção é herança do tripé fé, espada e cobiça?
        Não. As pessoas às vezes projetam uma imagem errada de que o Brasil nasceu de gente sem caráter, de ladrões. Não acho que aqui haja mais corrupção do que em outros lugares. Temos um grau de corrupção coerente com o tamanho do país, que é enorme [risos]. Mas não creio que haja complacência com isso.
        Fenômenos como o mensalão não surpreendem o sr.?
        Se me permite, não vou discutir o mensalão. O que me parece surpreendente é como a opinião pública e o sistema judiciário estão funcionando tão bem.
        O sr. está otimista em relação ao Brasil?
        Em relação à democracia no Brasil, sou otimista. Acho até que há uma certa continuidade entre o crescimento econômico da sociedade brasileira e o da participação democrática. É claro que no meio do caminho há muita trombada, botinada, ladrão. Mas democracia é isso.
        E dentro dessa perspectiva positiva, o sr. vislumbra a volta a um cargo público?
        Não vislumbro nada disso. O que gostaria agora seria pesquisar o corporativismo na sociedade brasileira. É um tema importante porque, no Brasil, quando você critica o corporativismo do outro, não lembra do seu. Nós todos somos corporativistas.
        Em termos de gestão cultural, o sr. vê um aperfeiçoamento nos governos Lula e Dilma?
        Eu dou uma opinião geral: está melhorando. O ponto de partida é o governo Collor, que foi péssimo nisso. De lá para cá, foi melhorando. E tem que melhorar, até porque, como diz o Tiririca, pior do que está não fica [risos]. Todos os sujeitos que entram no MinC têm ideias, teorias, mas querem mais gente pra trabalhar e mais recursos. Ainda é um tema fundamental. Porque estamos longe de ter esbanjamento em cultura.

          FRASES
          "Nós tendemos a ter dificuldade para aceitar que a lei tem de ser cumprida. Fulano vai ser preso?, perguntam. Claro, tem de cumprir a lei. A ideia de que é preciso cumprir um princípio abstrato para nós é difícil. Mas cada vez mais vamos aceitando"
          "[A gestão cultural] está melhorando. O ponto de partida é o governo Collor, que foi péssimo. De lá para cá, melhorou. E tem que melhorar, até porque, como diz o Tiririca, pior do que está não fica [risos]. Todos que entram no MinC têm ideias, mas querem mais pessoal e mais recursos"

          RAIO-X - FRANCISCO WEFFORT
          NASCIMENTO
          1937, em Quatá (SP)
          ACADEMIA
          Doutor em ciência política e livre-docente pela USP, é professor colaborador do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ
          CARREIRA POLÍTICA
          Ministro da Cultura entre 1995 e 2002
          LIVROS
          "O Populismo na Política Brasileira" (Paz e Terra), "Formação do Pensamento Político Brasileiro" (Ática) e "Espada, Cobiça e Fé" (Civilização Brasileira), entre outros