terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Jovens subvertem regras da sedução com 'não encontros'


ALEX WILLIAMS
DO "NEW YORK TIMES"

The New York TimesTalvez pelo fato de ter conhecido o rapaz no site de encontros on-line OkCupid, Shani Silver, uma administradora de mídia social e de um blog na Filadélfia, pensou que o "encontro" que eles tinham combinado seria algo a sós.
"Às 22h ele ainda não tinha dado notícias", contou Shani, 30. Finalmente, às 22h30, chegou uma mensagem de texto. "Oi, estou no Pub & Kitchen, quer vir pra cá tomar um drinque ou alguma coisa?" escreveu o músico, acrescentando: "Estou com um bando de amigos da faculdade."
Shani mandou um SMS de volta, recusando educadamente. "A palavra 'encontro' deveria ser eliminada do dicionário", comentou. "O que temos hoje é um ciclo de mensagens de texto. Para interpretá-las, é preciso ter a habilidade decodificadora de um espião da Guerra Fria."
Criados na era do "ficar", os jovens da geração do milênio (também conhecidos como geração Y), que agora estão começando a pensar em se assentar, vêm subvertendo as regras da sedução.
Jennifer S. Altman/The New York Times
Denise Hewett, 24, envia mensagens de texto na boate e espaço de performances The Box, em Manhattan, que ela frequenta
Denise Hewett, 24, envia mensagens de texto na boate e espaço de performances The Box, em Manhattan
Em vez de um encontro com jantar e cinema, algo que parece tão obsoleto quanto um telefone discado, eles entram em contato por mensagens de texto, posts no Facebook, MSN ou semelhantes e outras formas de "não encontros". Tudo isso vem deixando uma geração que não sabe como conseguir um namorado ou uma namorada.
"O novo encontro não é um encontro, é passar tempo juntos", comentou Denise Hewett, 24, produtora de TV em Nova York que está criando um seriado sobre essa nova paisagem romântica. Como um amigo lhe disse: "Não gosto de levar uma garota para sair. Gosto que ela me encontre em alguma coisa que estou fazendo -ir a um evento, um show, por exemplo".
Muitos estudantes nunca tiveram um encontro tradicional, comentou Donna Freitas, que deu aula de estudos de religião e gênero na Boston University e na Hofstra University, em Hempstead, em Nova York, e é autora do livro ainda inédito "The End of Sex: How Hookup Culture is Leaving a Generation Unhappy, Sexually Unfulfilled, and Confused About Intimacy" [O fim do sexo: como a cultura do ficar está deixando uma geração infeliz, sexualmente frustrada e confusa em relação à intimidade].
O problema, disse ela, é que "os jovens de hoje não sabem o que fazer além de 'ficar'. Eles perguntam: 'Se você se interessa por alguém, como faz para se aproximar da pessoa?'".
Especialistas em relacionamentos apontam para a tecnologia como um dos fatores que pôs a cultura dos encontros de ponta-cabeça. Para fazer a corte a alguém do modo tradicional --ou seja, pegar o telefone e convidar a pessoa para sair-- era preciso coragem, planejamento e um investimento considerável de ego (uma rejeição ouvida pelo telefone dói).
Não é o caso com as mensagens de texto, os e-mails, o Twitter ou outras formas de "comunicação assincrônica", como classificam os especialistas em tecnologia. No contexto do relacionamento, esses tipos de comunicação dispensam o charme, em grande medida.
Diante de um fluxo interminável de solteiros entre os quais escolher nos sites de encontros on-line, muitas pessoas têm medo de estar perdendo alguma coisa interessante, então optam pela abordagem "speed-dating" --ou seja, passam rapidamente por grande número de pretendentes.
"É como jogar dardos contra um alvo", disse Joshua Sky, 26, coordenador de "branding" em Manhattan. "Alguma hora uma das setas vai grudar no alvo."
Há outra razão que explica por que os encontros à moda tradicional tornaram-se obsoletos. Se o objetivo do primeiro encontro era saber um pouco sobre as origens do pretendente, seu grau de instrução, suas tendências políticas e seus gostos, hoje o Google e o Facebook cuidam de tudo isso.
"Hoje em dia, somos todos doutores em matéria de fuçar a vida das pessoas na internet", comentou Andrea Lavinthal, autora do livro de 2005 "Eu Fico, Tu Ficas, Ele Fica". "Quando se pesquisa a vida das pessoas on-line, o primeiro encontro parece desnecessário, porque cria um senso falso de intimidade. Você pensa que está sabendo de todas as coisas importantes, quando só sabe que a pessoa assiste a 'Homeland' (seriado de TV)."
Outro complicador é a mudança na dinâmica do poder econômico entre homens e mulheres, diz Hanna Rosin, autora do livro "The End of Men" [O fim dos homens].
"Nossa ideologia está adequando-se à realidade financeira", comentou. "Um homem pode dizer que levar uma mulher num encontro é ultrapassado, uma relíquia de uma era paternalista, porque ele não tem dinheiro para levá-la a um restaurante".

Desintoxicação à la carte

FOLHA DE SÃO PAULO

Com a promessa de limpar o organismo, produtos e dietas detox viram mania entre celebridades e ganham mercado brasileiro
GIULIANA DE TOLEDOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHADetox virou "carne de vaca"-embora o alimento seja um dos vilões eleitos por essas dietas e tratamentos que buscam eliminar as toxinas do organismo.
O termo -abreviatura de desintoxicação, em inglês- tornou-se sinônimo de sucesso de vendas e hoje engloba de regimes alimentares a produtos para curar a ressaca.
A premissa dos tratamentos é que maus hábitos, como a ingestão de produtos industrializados e estresse, liberam toxinas e o organismo precisa de ajuda para eliminá-las.
A lista de celebridades que já aderiram a essas dietas só aumenta a fama do detox. Recentemente, a atriz americana Anne Hathaway perdeu 11 quilos com uma desintoxicação à base de rabanete e pasta de grão-de-bico que fez para viver a prostituta Fantine, no filme "Os Miseráveis".
Por aqui, a atriz Giovanna Antonelli perdeu cinco quilos com um programa de "marmitas desintoxicantes" da empresa carioca Detox in Box, que vem lucrando com a popularização do termo.
"Estamos com quase todo o elenco de 'Salve Jorge' [atual novela das 21h da TV Globo]", comemora a chef e nutricionista Andrea Henrique, que não revela o nome de todas as celebridades que recebem diariamente caixas de comida detox no Projac (estúdios da TV no Rio). A comodidade sai por R$ 1.400 a semana, preço promocional.
A empresa tem um ano e atende cerca de 40 clientes semanalmente. As refeições são feitas com produtos orgânicos, sem lactose, glúten e gordura animal -ingredientes que, segundo a chef, prejudicam o fígado. "Não é um programa que desintoxica ninguém, só tiramos o que sobrecarrega", diz.
A alta demanda faz com que a empresária já pense na expansão para São Paulo. Atualmente, ela procura um imóvel nos Jardins para instalar a empresa.
LIMPEZA EM CÁPSULAS
Os produtos que prometem eliminar toxinas chegaram ao mercado brasileiro há pouco mais de um ano e têm procura crescente.
Na rede de lojas de produtos naturais Mundo Verde, as vendas de alimentos e fitoterápicos com função desintoxicante cresceram 50% em 2012. As opções vão de misturas prontas para sucos de vegetais e frutas, até cápsulas com vitaminas e minerais. Tudo anunciado com a promessa de auxiliar o fígado a eliminar toxinas.
Com três produtos detox no mercado, a empresa Smart Life vendeu, na primeira quinzena de janeiro, todo o estoque do mês (5.000 unidades) do seu programa de desintoxicação. O kit para 30 dias, com 60 cápsulas de vitaminas, minerais e clorofila, custa R$ 79,90.
Segundo o site da empresa, o produto é indicado para contribuir com "a busca do bem-estar do organismo". As cápsulas são classificadas pela Vigilância Sanitária como "alimento de propriedades funcionais" -não são consideradas remédios.
"As pílulas contêm fosfatidilcolina [tipo de proteína], que ajuda na redução da gordura depositada no fígado e acelera o processamento de toxinas", diz Lukas Fischer, suíço, diretor da empresa.
CADA UM COM SEU DETOX
Para a indústria, desintoxicação é sinônimo de sucesso de vendas; para terapias holísticas, uma forma de tratar de doenças e, para quem comeu demais, uma esperança de eliminar as consequências dos excessos ingeridos.
A diversidade de métodos que carregam o nome detox tende a confundir e a colocar ideias contrastantes sob a mesma alcunha.
A confusão mais comum é a de pensar que os métodos são uma forma de emagrecer. "A proposta não é o emagrecimento. A perda de peso acaba sendo uma consequência, mas não é o foco", diz Andrea Henrique. Segundo ela, ao cortar as gorduras, a perda de peso pode vir naturalmente.
Um ponto polêmico é a ideia de que o corpo precisa de ajuda para eliminar toxinas, o que não faz sentido, segundo o hepatologista Raymundo Paraná, da Universidade Federal da Bahia.
"O fígado dá conta. Do ponto de vista hepático, essas dietas não se justificam. O mesmo vale para pílulas 'hepatoprotetoras', não há comprovação científica", diz.
É o que também pensa David Bender, professor de bioquímica nutricional do University College London e autor de um artigo sobre o tema, publicado na revista científica "The Biologist".
"O pressuposto das 'dietas de desintoxicação' é que nós acumulamos toxinas. Isso deixaria o metabolismo 'lento', e assim engordaríamos. Essa ideia é um absurdo. Não acumulamos toxinas, a não ser em casos de contaminação por substâncias como chumbo ou arsênico", afirmou à Folha. Além do fígado, os rins e o intestino também cumprem um papel de limpeza interna.
MAL NÃO FAZ
Quando bem orientados, cardápios de desintoxicação são parecidos com outros regimes: cheios de frutas, verduras e com pouca gordura.
Às vezes, o detox pode servir como ritual de passagem, logo que uma mudança alimentar é adotada. Foi o que fez a corretora de imóveis Marcella Marini e seu marido, o empresário Felipe Marini, ambos com 33 anos. Durante três dias, com orientação, eles mantiveram alimentação à base de sopas, sucos desintoxicantes e frutas.
"Ficamos com fome, mas percebemos quais eram os nossos excessos. Perdemos bastante líquido", lembra.
Depois dos três dias, fizeram regime por um ano e emagreceram, juntos, 45 quilos. Do período, o casal adotou uma receita de suco de maçã, folhas verdes e cereais, que bebe até hoje.
"É muito gostoso. A gente toma no café da manhã da segunda-feira quando damos aquela exagerada no fim de semana", conta Marcella.
Para Vânia Assaly, endocrinologista e nutróloga, a chave está em evitar alimentos que provoquem inflamação no organismo, como frituras, corantes, enlatados e embutidos, e, ao mesmo tempo, aumentar a ingestão de alimentos ricos em antioxidantes -hábitos saudáveis conhecidos de longa data.
"A dieta funciona, assim como outras dietas saudáveis. O mundo precisa de tendências de mercado para fazer a mesma coisa com um novo encantamento", diz.
Veja receitas de pratos e sucos desintoxicantes
folha.com/1220126

    fRASES
    "Cortar alimentos industrializados e ingerir antioxidantes melhora a função do fígado e do intestino"
    VÂNIA ASSALY
    nutróloga e endocrinologista
    "Não acumulamos toxinas no corpo, a não ser em casos de contaminação por substâncias como chumbo ou arsênico"
    DAVID BENDER
    Bioquímico

      Medicina indiana usa detox para tratar doenças
      COLABORAÇÃO PARA A FOLHAPara as medicinas indiana e chinesa, a desintoxicação é vista como uma forma de tratar doenças.
      A roteirista de cinema e televisão Mariana Vielmond, 32, tinha asma desde criança e já havia tentado, sem sucesso, tratamentos com acupuntura e homeopatia.
      Até que resolveu procurar uma terapeuta especialista em medicina indiana ayurveda e, por dez dias, seguiu um cardápio sem pão e proteína animal. "Não senti fome porque a quantidade de alimento não era limitada. Senti uma leveza diferente", lembra.
      Massagens e aulas de ioga também fizeram parte da terapia, que "exigiu dedicação". Desde o tratamento, em dezembro de 2011, a carioca não toma mais remédio e diz que as crises desapareceram. A insônia que tinha às vezes também passou.
      Mariana ainda segue a alimentação ayurvédica, sempre baseada no perfil do paciente. "No ayurveda, tudo é remédio e tudo é veneno, depende de como se aplica", diz Erick Schulz, vice-presidente da Associação Brasileira de Ayurveda. Ele descarta o uso de listas prontas que indiquem alimentos desintoxicantes -mesma visão da medicina tradicional chinesa.
      Em casos de doenças, pode ser recomendado pelo ayurveda um detox radical, com vômitos, diarreias, limpeza pelas narinas e uso de sanguessugas. O tratamento só é feito na Índia.
      Na tradição chinesa, a desintoxicação é feita por meio de mudanças alimentares, acupuntura, uso de fitoterápicos e meditação.
      Segundo Ruy Tanigawa, presidente da Associação Médica Brasileira de Acupuntura, a terapia é indicada como tratamento auxiliar. "Em caso de doenças mais graves, o mais indicado é procurar o que há de melhor, e a medicina convencional tem muito a oferecer", afirma.

        Dieta líquida não deixa o corpo trabalhar direito, diz nutricionista
        COLABORAÇÃO PARA A FOLHADietas de desintoxicação podem trazer riscos se as restrições alimentares adotadas forem radicais e se a prática não for orientada.
        Para a nutricionista Cynthia Antonaccio, limitar a ingestão de alimentos sólidos pode trazer prejuízos.
        Uma das dietas líquidas mais famosas é a "master cleanse" -conhecida por já ter sido usada pela cantora Beyoncé e pelos atores Ashton Kutcher e Demi Moore. O método prega a substituição de refeições por uma mistura de água quente, limonada, xarope de "maple" (árvore canadense) e pimenta caiena durante dez dias.
        Segundo Antonaccio, dieta líquida não é recomendada, porque não traz uma quantidade de calorias suficiente e não faz o organismo trabalhar perfeitamente.
        A fome decorrente do cardápio limitado pode provocar fraqueza, mau humor, piora no desempenho cognitivo e, consequentemente, queda no rendimento nos estudos e no trabalho.
        "O pior de tudo é que não é durável. A pessoa tende a voltar para a dieta 'trash' de antes. Com essas tentativas, só se está adiando o processo de ficar em paz com a comida, para finalmente estabelecer um padrão alimentar adequado", afirma.
        Cortar grupos alimentares para emagrecer é arriscado. Para o hepatologista Raymundo Paraná, dietas que mudam radicalmente o metabolismo não são seguras.
        Segundo ele, regimes que proíbem comer proteínas podem, em vez de desintoxicar, agravar doenças no fígado que não tenham manifestado sintomas, como hepatites.(GIULIANA DE TOLEDO)

        Evgeny Morozov

        folha de são paulo


        Empréstimos para todos - mas a que preço?

        EVGENY MOROZOV
        ESPECIAL PARA A FOLHA

        Entre as muitas e exageradas promessas feitas pelos proponentes do modelo "big data", a possibilidade de que ele um dia venha a propiciar empréstimos - e históricos de crédito - a milhões de pessoas hoje desprovidas disso parece razoavelmente plausível.
        Mas que preço --em termos de privacidade e livre arbítrio (para não mencionar taxas de juros exorbitantes)-- esses novos devedores terão de pagar?
        Num passado nem tão distante, a falta de dados confiáveis sobre os candidatos a empréstimos desprovidos de históricos financeiros não deixava aos bancos outra resposta que não enquadrar a todos na categoria de apostas de alto risco. Como resultado, essas pessoas ou recebiam ofertas de empréstimos a juros altíssimos ou tinham suas solicitações rejeitadas.
        Graças à proliferação das mídias sociais e dos aparelhos inteligentes, o Vale do Silício está se afogando em dados. Embora boa parte desses dados não tenha conexão evidente com as finanças, alguns ainda assim podem ser usados para projeções confiáveis sobre o estilo de vida e a sociabilidade do usuário.
        Como resultado, uma nova geração de empresas especializadas no uso de dados começa a empregar algoritmos que vasculham esses dados a fim de distinguir os devedores confiáveis daqueles cuja probabilidade de calote seja alta, e calculam o preço dos empréstimos com base nisso.
        Algumas --como a Lenddo, de Hong Kong, que no momento opera nas Filipinas e Colômbia-- o fazem avaliando as conexões do usuário no Facebook e Twitter. A chave para obter um empréstimo da Lenddo é ter um grupo de indivíduos de alta confiabilidade como parte de sua rede social.
        Se essas pessoas se responsabilizarem pelo solicitante e este receber o empréstimo, os amigos que o referenciaram receberão atualizações sobre o pagamento do empréstimo.
        (No passado, a Lenddo ameaçava até notificá-los em caso de problemas no pagamento, o que garantiria o máximo de pressão social.)
        De maneira semelhante, a LendUp, dos Estados Unidos, que oferece empréstimos de curto prazo com altas taxas de juros mas permite que os clientes adotem planos com prazo e condições de pagamento melhores em transações posteriores, estuda as atividades de mídia social para garantir que dados factuais fornecidos nos formulários de solicitação sejam compatíveis com o que se pode inferir do Facebook e Twitter.
        A mídia social é a apenas a ponta do iceberg. A Wonga, uma companhia de empréstimos de curto prazo altamente ambiciosa sediada em Londres, leva em conta até o horário de um pedido de empréstimo e o percurso do solicitante dentro de seu site para determinar se lhe concede ou não o dinheiro (a companhia rejeita dois terços dos primeiros pedidos). A Kreditech, uma companhia alemã que quer prestar "classificação de crédito como serviço", leva em conta 8.000 indicadores, tais como "dados de localização (GPS, microgeográficos), gráfico social (gostos, amigos, localização, posts), análise comportamental (movimento e duração de página de Web), comportamento no comércio eletrônico e dados do aparelho (apps instalados, sistemas operacionais).
        As pessoas desprovidas de celulares inteligentes ou contas no Twitter não precisam se desesperar. Podem não ter um iPhone, mas é provável que tenham um celular simples --e ele representa fonte de dados com grande valor previsor. É desta maneira que a Safaricom, maior operadora de telefonia móvel da África do Sul, estuda com que frequência seus assinantes recarregam seus aparelhos; a regularidade do uso de serviços de voz; e a frequência de uso dos serviços de transferência de fundos via celular.
        Quando a confiabilidade do usuário está estabelecida, a Safaricom pode operar como banco e emprestar-lhe dinheiro. E isso não se limita às operadoras de telefonia móvel. A Cignifi, uma startup norte-americana, usa a duração de chamadas, horário das conversas e localização dos participantes como indicadores de estilo de vida --e com isso confiabilidade-- dos candidatos a empréstimos nos países em desenvolvimento.
        Todas essas empresas iniciantes têm por base a sensata premissa de que os atuais modelos de avaliação de crédito se concentram em número excessivamente pequeno de indicadores, o que exclui muitos potenciais solicitantes que pagam suas contas em dia mas não têm longos históricos de crédito (ou histórico algum).
        Os serviços de "big data" poderão separar os folgados das pessoas que realmente merecem empréstimos com termos melhores. O objetivo, portanto, seria obter o máximo possível de dados, o que incluiria, talvez, estimular os solicitantes a revelar o máximo possível de informações pessoais. Em outro dos intrigantes paradoxos da vida moderna, os ricos gastam dinheiro em dispendiosos serviços que protegem sua privacidade e melhoram sua posição nos retornos de busca do Google, enquanto aos pobres resta pouca escolha a não ser abrir mão da privacidade em nome da mobilidade social.
        Google e Facebook são muitas vezes mencionados como modelos a imitar, nesse ramo. Como disse Douglas Merill, ex-vice presidente de informação do Google em fundador da ZestFinance, uma empresa que usa técnicas de "big data" para avaliar históricos de crédito, em entrevista ao "New York Times" no ano passado, "sentimos que a vida inteira de uma pessoa é um histórico de crédito, mas ainda não sabemos como usar esses dados. Foi essa a matemática que aprendemos com o Google. Uma página importa pelo que está nela mas também pela qualidade de sua escrita, pela fonte tipográfica usada, pela data de criação ou mais recente alteração. Tudo importa".
        Para esse fim, a ZestFinance observa 70 mil sinais e alimenta com eles dez diferentes modelos de subscrição, para avaliação de riscos. Os resultados desses modelos são então comparados - em frações de segundo - e o perfil de risco do solicitante é gerado.
        Tudo isso soa maravilhoso e essas empresas iniciantes parecem ser comandadas por empreendedores sociais que desejam tornar o crédito mais acessível para as massas.
        (Isso posto, o ramo não deixa de gerar controvérsias: empresas de empréstimos de curto prazo como a Wonga foram acusadas de postar anúncios em apps de jogos infantis, de direcionar ofertas predatórias de empréstimos a universitários e de contratar funcionários de governos para ajudá-las a resistir ao crescente interesse das autoridades regulatórias por suas atividades.)
        A questão que quase todos continuam a evitar nesse setor aparentemente benévolo, no entanto, é o que acontece quando essas empresas, tendo percebido que todos os dados são dados de crédito, perceberem também que todos os dados são dados de marketing, afinal?
        Tendo em vista tudo que sabem sobre os clientes, seria tentador para essas companhias de empréstimos não apenas usar os dados de que dispõem para oferecer novos empréstimos aos clientes existentes mas também tentar convencê-los a usar empréstimos para, por exemplo, comprar alguma coisa on-line.
        (A Wonga, por exemplo, recentemente iniciou uma parceria com uma companhia de móveis que dá aos clientes da companhia a opção de comprar móveis e pagá-los mais tarde e em prestações - cortesia da Wonga e de suas altíssimas taxas de juros.)
        Tendo em vista o grande conhecimento que elas têm sobre seus clientes, as companhias podem aperfeiçoar a arte oculta da persuasão e manipulação de maneiras que as agências de publicidade tradicionais mal conseguiriam imaginar. A LendUp, cofundada por um ex-executivo da gigante dos jogos on-line Zynga, já usa técnicas usualmente associadas aos videogames para recompensar os clientes que paguem seus empréstimos em dia. Será que não seria possível usar esse tipo de técnica para convencê-los a solicitar mais empréstimos?
        Muitos dos protagonistas do setor até o momento desconsideram os riscos morais. Como disse o fundador da Wonga ao jornal "Jewish Chronicle", no ano passado, ele não acredita que seja possível convencer pessoas a tomar emprestado dinheiro de que não precisam. "Nossos clientes têm um problema de fluxo de caixa e precisam de uma solução. Não estamos pedindo que aceitem crédito de que não precisam. Na internet, as vendas não vêm a você; você vai às compras. Não é como se alguém batesse à sua porta para lhe vender algo de que talvez não precise".
        É preciso grande coragem - ou grave miopia - para argumentar que ninguém tenta nos vender coisas de que não precisamos na internet. (Estou falando de você, Amazon!) E especialmente se isso acontecer da parte de empresas que sabem mais sobre nós do que nossas famílias sabem, e ganham dinheiro ao nos convencer a tomar empréstimos para comprar coisas. Será que se trata da habitual ingenuidade do Vale do Silício? Ou temos a velha cobiça de Wall Street disfarçada em retórica tecnológica utópica?
        Talvez seja mais que hora de as autoridades regulatórias começarem a pensar sobre maneiras de separar o uso de recursos de "big data" para avaliar a confiabilidade de crédito de alguém e a reutilização subsequente desses dados para a comercialização de novos produtos financeiros. Tornar empréstimos acessíveis a milhões de clientes que antes não conseguiriam obtê-los é um nobre objetivo. Mas viciá-los nesse tipo de empréstimos é o contrário disso.
        Tradução de Paulo Migliacci
        Evgeny Morozov
        Evgeny Morozov é pesquisador-visitante da Universidade Stanford e analista da New America Foundation. É autor de "The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom" (a ilusão da rede: o lado sombrio da liberdade na internet). Tem artigos publicados em jornais e revistas como "The New York Times", "The Wall Street Journal", " Financial Times" e "The Economist". Lançará em 2012 o livro "Silicon Democracy" (a democracia do silício). Escreve às segundas-feiras, a cada quatro semanas, no site da Folha.

          Rodolfo Lucena [Equílibrio]

          FOLHA DE SÃO PAULO

          PORQUE SIM
          Livro questiona 125 ensinamentos transmitidos de pais a filhos e mostra que muitos não passam de mito, segundo pesquisas científicas
          RODOLFO LUCENADE SÃO PAULOPapai e mamãe, vovô e vovó não sabem tudo. Pior: muitos de seus ensinamentos inquestionáveis, usados ao longo de décadas para calar inquietações de seus rebentos, não passam de pura bobagem quando examinados sob a luz das estatísticas e da ciência.
          É o que demonstra, com humor e ironia, o livro "Because I Said So!" (algo como "porque sim" ou "porque eu disse"), que traz o subtítulo "The Truth Behind the Miths, Tales & Warnings Every Generation Passes Down to its Kids" (a verdade por trás dos mitos, histórias e advertências que cada geração transmite a suas crianças).
          O autor não é nenhum especialista em pedagogia; ao contrário, foi o conhecimento de generalidades que alçou o engenheiro de software Ken Jennings à categoria de celebridade instantânea.
          Em 2004, ele ganhou 74 jogos do programa televisivo de perguntas e respostas "Jeopardy!", faturando US$ 2,52 milhões (mais de R$ 5 milhões), prêmio recorde nesse tipo de programa. De lá para cá, lançou dois livros sobre esses jogos e uma obra sobre geografia. Em dezembro último, chegou às lojas dos EUA (e à internet) o "Because I Said So", ainda sem previsão de publicação no Brasil.
          A inspiração veio de suas próprias atribuições como pai de um garoto que gosta de correr pela casa chupando picolé. Numa dessas, gritou para o menino: "Pare, você vai acabar cravando o palito na boca!". O menino travou, assustado com a visão sanguinolenta, e disse: "É mesmo?".
          Jennings não sabia a resposta e foi perguntar à própria mãe se ela se lembrava de algum acidente do gênero. Negativo, mas a mãe dela tinha dito que... De onde ele concluiu que a educação das crianças "é um gigantesco telefone sem fio que se arrasta pelas décadas". E resolveu examinar axiomas transmitidos de pai para filho.
          Compilou 125 desses ensinamentos e buscou provas científicas de sua validade. Alguns são muito americanos, como "Não coma neve, vai fazer mal" -pura bobagem, descobre ele. Mas o leitor brasileiro vai encontrar frases ditas por seus pais e talvez repetidas por si próprio -a mim, caiu o queixo descobrir que guardar pilhas no congelador não lhes aumenta em nada a vida útil.
          Pelo tom da escrita de Jennings -e pelo absurdo de algumas ordens-, a leitura é leve e dá margens a sorrisos. Mas também há temas mais pesados, como bullying.
          Estatísticas de acidentes com crianças dão base a algumas afirmações do autor, que também cita estudos do mundo todo. E conta ainda com as descobertas de ganhadores do Prêmio Ig Nobel, paródia do Nobel que elege as mais esdrúxulas pesquisas.
          Mesmo assim, nem sempre consegue afirmar se um dito é absolutamente verdadeiro ou falso. Afinal, muitas vezes as exceções são tantas que se aproximam da regra. Por isso, criou um "verdadeirômetro", em que relativiza seus vereditos: há afirmações basicamente falsas ou principalmente verdadeiras. Enfim, o mundo é cheio de nuances e assim também é a educação de nossas crianças.

            Suzana Herculano-Houzel


            Um deficit legítimo de atenção
            Crianças com o transtorno estão deixando de tomar remédios por falta de informação dos pais
            Sim, há quem seja preguiçoso, desinteressado ou desorganizado, com mau desempenho nos estudos e no trabalho, seja por falta de oportunidade ou de orientação, dificuldades variadas da vida, estresse, ou até falta de caráter mesmo. Mas há crianças -e adultos- que parecem ser assim por carregarem em seu cérebro uma dificuldade intrínseca em fazer o que, para todos os outros, é apenas normal: se concentrar em uma tarefa de cada vez, ignorando distrações ao redor.
            Essas são as pessoas que sofrem de uma legítima síndrome de deficit de atenção. São de 0,5 a 5% da população, dependendo dos critérios diagnósticos empregados.
            De maneiras ainda não completamente compreendidas, o transtorno envolve uma deficiência de dopamina, um dos moduladores que regula nossa capacidade de considerar um evento importante, dedicar a ele nossa atenção e nos empenhar em seu processamento.
            Não é surpresa, portanto, que essas pessoas sejam facilmente distraídas, sucumbindo a qualquer novidade que passar pela frente em vez de se concentrar no trabalho ou no dever de casa.
            Por causa dessa dificuldade de sustentar a atenção, ler um texto até o fim é uma tarefa que pode durar horas e se tornar desmotivante, levando a desinteresse, uma aparência de preguiça e dificuldade de memória e de aprendizado.
            Pior ainda, para a criança que sofre desse deficit, é a falta de informação dos pais, que reclamam de um comportamento que não depende de escolha da criança. Retorno negativo, na forma de comentários do tipo "você é preguiçoso" ou "você não está se esforçando", só fazem criar uma autoimagem mais negativa, daquelas que se tornam profecias autorrealizáveis.
            Por sorte, existe tratamento. Terapia puramente comportamental ajuda, ensinando a criança a ter disciplina e escolher ambientes mais favoráveis a ela. Muitas vezes, contudo, o melhor tratamento inclui remédios, com estimulantes como o metilfenidato e anfetaminas.
            E aqui está outro problema causado por falta de informação. Para muitas dessas crianças -e adultos, pois o deficit de atenção é para o resto da vida-, o remédio é o passaporte para a vida "normal" que os outros conhecem, em que ler um parágrafo é tarefa trivial e provas levam uma hora, não três. No entanto, muitos pais relutam em tratar seus filhos com estimulantes.
            É uma relutância compreensível, mas desinformada. Por quê? Daqui a duas semanas eu explico.
            SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blogwww.suzanaherculanohouzel.com

              Silvia Gasparian Colello

              FOLHA DE SÃO PAULO

              Indisciplina: problema de quem?
              No perverso jogo da acusação, as escolas criticam os pais, e as famílias, o 'o ensino de baixa qualidade'
              A indisciplina nas escolas brasileiras é um fato. Alastrando-se em diferentes instituições e segmentos do ensino, a falta de limites, o desrespeito e as ocorrências de violência e vandalismo são queixas que se multiplicam entre pais, professores e gestores. Mas, afinal, de quem é o problema e como lidar com ele?
              Quando a indisciplina é encarada como um monólito, ou seja, como um bloco de ocorrências uniforme e incompreensível, resta apenas o perverso jogo de culpabilização: as escolas criticam os pais "que não educam os filhos"; os professores incriminam os alunos "carentes e desequilibrados" e as famílias culpam o "ensino de baixa qualidade". Muitos apontam para a "a crise de valores, um mal do nosso tempo".
              Nesses casos, pouco pode ser feito, exceto defender-se das acusações, conformar-se com o "inevitável" e remediar a situação em âmbitos específicos: o professor tenta controlar a classe, o aluno suporta o bullying dos colegas, os pais repreendem o filho rebelde. Cada um lidando solitariamente com a situação, como se o problema fosse pessoal. Pior que isso, nem sempre sabem o que fazer.
              Se, por outro lado, a indisciplina fosse compreendida na sua complexidade, entendendo-se, em cada caso, a conjugação de fatores sociais, institucionais, pedagógicos, afetivos e relacionais, o desafio poderia ser enfrentado na parceria responsável entre famílias, escolas e poder público. Um enfrentamento capaz de lidar com a gênese do problema (e não só com seus efeitos), articulando o projeto educativo à formação ética dos alunos.
              Assim, a disciplina deixaria de ser um requisito para a eficiência escolar, passando à meta do projeto pedagógico, tão legítima quanto ensinar conteúdos.
              Enfrentar a indisciplina requer medidas conjugadas em diferentes planos de intervenção. Na esfera sociopolítica, cabe o investimento na valorização da vida, do trabalho, da educação e da escola.
              No que tange a cultura, importa promover a democratização dos bens culturais, fomentando iniciativas de lazer, esporte e inserção social da juventude. No âmbito escolar, é preciso não só cuidar da formação dos professores, como também fortalecer o projeto pedagógico a partir de sólidas diretrizes para a formação humana.
              A cooperação entre pais e educadores é, igualmente, indispensável para a reconfiguração da vida estudantil, pois a negociação de metas e linhas de conduta favorece a educação em valores e a conquista da postura crítica entre os alunos.
              Sob essa ótica, talvez, a questão possa ser respondida de modo mais efetivo: a indisciplina na escola é um problema de todos nós.
              SILVIA GASPARIAN COLELLO é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Letramento

                França investiga mortes causadas por pílula 'Diane35'

                FOLHA DE SÃO PAULO

                Diane 35, à venda no Brasil, é indicada para acne e usada também como contraceptivo
                GIULIANA MIRANDADE SÃO PAULOA agência que regula os medicamentos na França confirmou que liga a morte de quatro mulheres no país diretamente ao uso Diane 35, um remédio para a acne amplamente receitado como contraceptivo.
                A revelação foi feita após o jornal "Le Figaro" ter tido acesso a um relatório confidencial do órgão francês sobre complicações do medicamento. As mortes teriam sido causadas por trombose venosa profunda, mas há relatos de AVC (Acidente Vascular Cerebral) e outros problemas.
                Segundo o documento, nos últimos 25 anos, 125 mulheres tiveram complicações que puseram suas vidas em risco devido ao uso do Diane 35 ou de seus genéricos.
                Depois das revelações, a Ema (Agência Europeia de Medicamentos) decidiu abrir uma investigação sobre o remédio e as pílulas de nova geração, como Yaz e Yasmin.
                A Anvisa afirmou que está atenta à situação e "analisa os desdobramentos do caso".
                OUTRO LADO
                Em comunicado oficial, a Bayer afirmou que os especialistas da companhia primeiro precisam avaliar as alegações antes que possa tecer mais comentários.
                A empresa diz que até o dia 27 (domingo) não havia sido comunicada oficialmente sobre o conteúdo do relatório da agência francesa mencionado nas matérias.
                Além de dizer que os potenciais efeitos colaterais do produto estão contidos na bula, a Bayer destaca que o medicamento é aprovado na França para o tratamento de acne em mulheres, "não sendo indicado como método de contraceptivo oral".
                Comercializado em 116 países, o Diane 35 é aprovado na maioria deles como remédio contra a acne. Sua prescrição como anticoncepcional, porém, é amplamente difundida em todo o mundo.
                A apresentação da cartela, inclusive, vem em formato idêntico ao da maioria dos anticoncepcionais, com 21 pequenos comprimidos.
                No Brasil, a indicação na bula é para a acne, além de "alopecia androgênica; casos leves de hirsutismo síndrome de ovários policísticos".
                Além de melhorar a pele, a combinação de acetato de ciproterona e etinilestradiol do Diane 35 também inibe a ovulação, explica Carlos Alberto Petta, professor de ginecologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
                "O uso como contraceptivo acontece principalmente em mulheres que querem melhorar a pele. O uso diminuiu um pouco com a chegada da drospirenona [Yaz e Yasmin, também da Bayer], que não causam tanto inchaço."
                "Mas, como a ciproterona é muito mais barata, ela ainda é muito popular e utilizada", completa Petta.
                Nos últimos anos, outros anticoncepcionais também entraram no radar das agências reguladora, especialmente a drospirenona, que foi relacionada a casos de trombose e embolia, causando inclusive algumas mortes.
                Em setembro de 2011, após mais de dez horas de sessão, a agência reguladora dos EUA decidiu manter essas pílulas no mercado, com novos alertas na bula.

                  Parecer recomenda veto a lei contra publicidade infantil

                  FOLHA DE SÃO PAULO

                  Alckmin tem até hoje para avaliar projeto que restringe anúncios de junk food
                  Para assessoria jurídica do governador, projeto é inconstitucional e cabe à União legislar sobre o tema
                  MARIANA VERSOLATODE SÃO PAULOVERA MAGALHÃESEDITORA DO PAINELFÁBIO ZAMBELIDO PAINELO governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tem até hoje para sancionar ou vetar um projeto de lei que restringe anúncios de alimentos não saudáveis para crianças.
                  Folha apurou que o texto não deve ser sancionado. As assessorias jurídica e parlamentar do governador recomendaram o veto, afirmando que o projeto é inconstitucional porque cabe à União legislar sobre publicidade.
                  Entidades que são contra as restrições usam o mesmo argumento para pedir o veto.
                  Na semana passada, o secretário da Casa Civil, Edson Aparecido, disse que o texto necessitava de uma análise constitucional e jurídica.
                  "Os partidos dos autores dos projetos deveriam apresentá-los no Congresso Nacional", afirmou o secretário, ao receber 12.500 assinaturas em apoio a dois projetos aprovados em dezembro na Assembleia Legislativa.
                  Um deles, de autoria de Rui Falcão (PT), prevê a proibição da veiculação de anúncios de alimentos "pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio no rádio e na TV" entre as 6h e as 21h.
                  Também impede o uso de celebridades ou personagens infantis na venda de alimentos e o uso de brindes e brinquedos promocionais.
                  Um texto semelhante, do deputado Alex Manente (PPS) também foi aprovado em dezembro, mas seu conteúdo, que trata da proibição da venda de alimentos com brindes, é englobado pelo texto de Rui Falcão. O projeto de Manente ainda não foi apreciado pelo governador.
                  PROGRAMAS
                  Aparecido lembrou que o governo estadual tem projetos de educação alimentar para crianças e adultos.
                  Ontem, Alckmin lançou o programa Alimentação Saudável nas escolas estaduais, em parceria com a Sociedade Brasileira de Cardiologia.
                  O projeto prevê a capacitação de professores, cozinheiros e diretores para melhorar a merenda. Alunos receberão orientações.
                  "O governo de São Paulo já vem com preocupações nessa linha", disse Aparecido.
                  Mariana Ferraz, advogada do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), disse que enviaria ontem uma carta ao governador pedindo a aprovação das restrições aos anúncios. "O governo tem competência para colocar isso em vigor."

                    NÃO À RESTRIÇÃO
                    Não existe alimento ruim e sim consumo desequilibrado
                    RAFAEL SAMPAIOESPECIAL PARA A FOLHAAcredito que o governador Geraldo Alckmin vai vetar a lei que proíbe "a publicidade, dirigida a crianças, de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio" por duas razões.
                    A primeira é o fato de que a lei é inconstitucional. É competência exclusiva da União legislar sobre essa matéria. Iniciativas anteriores nesse sentido foram vetadas ou barradas pela Justiça.
                    A segunda razão é de ordem prática. O governador é médico e sabe que alimentos não são intrinsecamente ruins, desde que produzidos, conservados e ingeridos de forma adequada.
                    O que pode ter consequências negativas é a dieta desequilibrada, o consumo em excesso e o sedentarismo, três aspectos que não foram resolvidos por força de lei em lugar nenhum.
                    O único lugar do mundo onde há uma proibição legal total para anunciar para as crianças é Québec, no Canadá. Pesquisas indicam que a situação de obesidade e sobrepeso infantil naquela província não é muito diferente do resto do país. É a prova de que proibir não resolve.
                    O que resolve são ações e colaboração. Ações como o projeto Meu Prato e Meu Pratinho, do próprio governo paulista, ou as normas que as empresas impuseram-se ao redor do mundo e no Brasil, que eliminaram a publicidade dirigida a crianças de produtos cujo consumo em excesso possa ser prejudicial.
                    Colaboração como as principais empresas alimentícias do mundo têm com a Organização Mundial da Saúde e os governos europeus e dos EUA para atualizar as práticas de autorregulação e enfrentar esse desafio de saúde pública do século 21.
                    RAFAEL SAMPAIO é vice-presidente-executivo da Associação Brasileira de Anunciantes

                      SIM À RESTRIÇÃO
                      Marketing de junk food para crianças engorda e faz mal
                      ISABELLA HENRIQUESESPECIAL PARA A FOLHAA aprovação dos PLs 193/2008 e 1096/2001 pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo foi um importantíssimo passo para garantir os direitos da infância, e a sua sanção pelo governador Geraldo Alckmin seria decisiva para a saúde de milhões de crianças.
                      No Brasil, a última Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE indica que atingimos o alarmante índice de 30% de crianças com sobrepeso e 15% com obesidade, o que, em números absolutos, representa 5 milhões de crianças.
                      Basta ir a uma praia qualquer do país para notar que as crianças não estão só rechonchudas: elas estão muito acima do peso e consomem guloseimas o tempo todo. Mas a gravidade do problema não diz respeito à estética e sim ao fato de ser a obesidade porta de entrada para pressão alta, diabetes e alguns tipos de câncer.
                      Pelo menos 50% das crianças obesas levarão o problema para a vida adulta, o que acarretará, além de sofrimento pessoal, em saída precoce do mercado, despesas com previdência e gastos públicos com o SUS.
                      É certo que a obesidade é multifatorial, mas é incontestável que a publicidade de alimentos com altos teores de açúcar, sódio ou gorduras é uma das suas maiores causas e, no tocante às crianças, uma influência na formação dos hábitos alimentares para toda a vida.
                      As próprias empresas admitem isso ao restringirem seu marketing em todo o mundo. Há até as que se comprometeram a não mais anunciar para crianças, mas nem todas cumprem isso.
                      Daí a urgência de se ter uma legislação que proíba as práticas de marketing que as chamam a consumir alimentos não saudáveis.
                      ISABELLA HENRIQUES é diretora da ONG Instituto Alana

                        Jairo Marques

                        FOLHA DE SÃO PAULO

                        A bênção de Florisbela
                        Independentemente da fé do visitante, na hora de ele ir embora, a avó se levanta da poltrona e promove o ato
                        O povo lá de casa já está acostumado: é preciso reservar alguns minutinhos antes de ir embora de uma visita à casa da vó Florisbela para receber sua bênção.
                        De uns tempos para cá, porém, a reza tem ficado cada vez maior. Há quem diga que ela tem até inventado alguns santos.
                        Certa feita, escutei uma das primas, que de fato é prima de minha mulher, que por sua vez é também a "dona" da avó, falar assim: "Vai, vó, benze bem rapidinho, que estou atrasada".
                        E toca Florisbela, velozmente à sua maneira, elevar os pensamentos a "São Cosme e São Damião, São Miguel Arcanjo, São Jorge Guerreiro, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro..." para iluminar e proteger.
                        Independentemente da fé do visitante, na hora de ele ir embora, a avó se levanta da poltrona, meio cambaleante, agarra-se a uma bengala e promove o ato.
                        Quem se rebelaria diante de algo tão lisonjeiro vindo de uma velhinha tão formosa?
                        Penso que, no fundo, a bênção de Florisbela já é muito mais do que uma manifestação de crença. Ela alonga a reza para alongar também o tempo ao lado de quem vai a sua casa tomar um cafezinho.
                        Velhos, em geral, criam inteligentes maneiras para encompridar a prosa rala com aqueles filhos estrelas cadentes -que aparecem de vez em quando-, com os netos que não se desgrudam dos joguinhos eletrônicos, com as noras atarefadíssimas em acertar as unhas à francesinha.
                        Forma bem interessante de promover o "fica só mais um pouquinho" é quando se começa uma sessão de cantigas "daquele tempo". Mamãe usa sempre dessa artimanha entoando canções do "rei", de Cartola ou de Vinícius.
                        Como não ficar mais um pouquinho quando Lupicínio Rodrigues é chamado para cantar: "Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora e é por isso que eu gosto lá de fora porque sei que a falsidade não vigora..."?
                        Ao telefone, também há sempre uma maneira de seguir na linha com os mais velhos que, no momento de desligar, lembram-se repentinamente de contar uma novidade que aconteceu no ano passado.
                        Em um mundo cada vez mais apressado, mesmo com tudo conectado, sobram menos horas para se dedicar ao passado.
                        O valor humano do ontem é, muitas vezes, subestimado.
                        No genial e comovente filme francês "Amour", de Michael Haneke, escancara-se de forma dramática, mas um tanto verdadeira, a exposição do octogenário casal protagonista à solidão.
                        Na trama, porém, não se revelam explicitamente tentativas dos idosos de clamar pela família, pelo contrário, parecem querer o isolamento a qualquer custo e a distância de sentimentos de piedade.
                        Decisões que parecem caber ao mundo moderno do "cada um por si", mas que maltratam a alma e o coração.
                        Para mim, certa está a delicada vó Florisbela que tenta, a sua maneira, chamar atenção para sua valiosa sabedoria e para um dos seus importantes papéis na família, no mundo: o de fazer os mais jovens zelarem com atenção do patrimônio vivo de sua geração.
                        Blog "Assim como Você"

                        Charge - Jean Galvão

                        folha de são paulo

                        Maria Esther Maciel - Falta de assunto


                        Maria Esther Maciel - memaciel.em@gmail.com
                        Estado de Minas: 29/01/2013 
                        Sabia que, mais cedo ou mais tarde, aconteceria. Aconteceu agora: não tenho assunto para a crônica desta semana. É hora de enfrentar o desafio da mente em branco e da página vazia. É hora de arrancar, a fórceps, as palavras que chegam à ponta da língua mas recuam, rebeldes, para lugar nenhum. 

                        Um parágrafo. Será que vou conseguir ir adiante? Machado de Assis dizia que, para começar uma crônica, basta falar do tempo. Vamos lá: é de manhã e a chuva cai, fininha e sem convicção. Ainda bem que, mais cedo, fez sol e pude passear com a cachorra (ou, como diz meu filho, a “cã”), senão ela não me daria sossego hoje. E hoje preciso escrever a coluna. 

                        No sábado, li uma notícia que poderia dar uma crônica: Minas Gerais ganhou, finalmente, sua primeira delegacia de crimes contra animais domésticos e silvestres. Valeu o esforço dos defensores da causa. Agora é torcer para que o órgão funcione bem e cumpra seu papel, punindo crimes como abandono, agressões e maus-tratos, tão comuns nas cidades mineiras. E que outras delegacias surjam também no interior do estado. Mas se o assunto não chegou a render aqui uma crônica completa – mais por falta de inspiração do que por desinteresse –, que fique pelo menos o registro desse fato digno de comemoração.

                        Poderia, por outro lado, escrever mais um texto sobre livros, mas estou com preguiça. Dia desses, mesmo, recebi um amável e-mail de Mariângela Massara, leitora da coluna, solicitando outras sugestões de romances para leitura. Fiquei tentada a acatar a sugestão e escrever sobre a obra de um escritor que muito prezo: o húngaro Sándor Márai. Ele escreveu romances envolventes e interessantes, como O legado de Eszter e As brasas, ambos facilmente encontráveis no Brasil. Mas, repito, hoje estou com preguiça de falar de livros. Então, quem sabe falo de cinema? Há ótimos filmes em cartaz, como Amor, de Michael Haneke, e O som ao redor, de Kléber Mendonça. Mas outras pessoas já escreveram sobre eles neste jornal. E acho que não teria o que acrescentar. 

                        Bem, talvez algo extraído da vida cotidiana possa ser mais estimulante. Por exemplo, o belo almoço de aniversário na casa de dona Lygia, no domingo. Ou a memorável noite com Ana e Marcílio na última quinta-feira, quando pudemos brindar, com excelentes vinhos, aos prêmios literários que ambos acabaram de receber da Fundação da Biblioteca Nacional. 

                        Foi, aliás, na noite desses vinhos que tive um sonho incrível. Um desses sonhos que mais parecem um conto ou um filme. Ao ponto de, no próprio sonho, eu comentar com alguém que o que estava acontecendo daria uma boa crônica. O problema é que ao acordar tinha me esquecido de tudo, menos da frase “daria uma boa crônica”. Por mais que me esforçasse, não consegui recobrar as cenas sonhadas. Por que será que às vezes não nos lembramos de nada do que sonhamos, mesmo que o sonho tenha sido nítido? Só Freud explica. Ou não. De qualquer forma, sonhar que o sonho daria uma boa crônica e, de manhã, esquecer o enredo do sonho não deixa de ser uma boa matéria para uma crônica. Mas agora já estou quase no limite de linhas da coluna e terei que parar depois da próxima frase. E, cá entre nós, acho que nem teria, mesmo, mais o que dizer.   

                        Tereza Cruvinel - Além da dor‏

                        Para além da dor, a das famílias e a coletiva, resta o dever de questionar, investigar, esclarecer, punir responsáveis e corrigir as falhas, legais ou normativas, que possibilitaram o absurdo 

                        Estado de Minas: 29/01/2013 
                        Muita coisa dói, no corpo e na alma. Dor de dente, dor do amor ausente, dores as mais diferentes. Nenhuma dói mais que a dor da morte. Quando ela colhe quem já viveu muito, sofremos, mas aceitamos. Já a morte dos que estavam na flor da idade machuca e revolta. É vida desperdiçada. Mais funda é a ferida quando tantos, todos tão jovens, perdem a vida desnecessariamente. Para além da dor das famílias que perderam seus jovens na tragédia de Santa Maria (RS), há uma dor que é do Brasil. É da nacionalidade ferida pela certeza de que isso poderia ter sido evitado. Dor que a presidente Dilma Rousseff encarnou ao abrir o encontro nacional de prefeitos pedindo um minuto de silêncio pelas vítimas e seus parentes e prometendo que tragédia igual não se repetirá.

                        Para além da dor, a das famílias e a coletiva, resta o dever de questionar, investigar, esclarecer, punir responsáveis e corrigir as falhas, legais ou normativas, que possibilitaram o absurdo. Embora não tenha avançado em detalhes, Dilma certamente referiu-se às providências que precisam ser tomadas, nos três níveis da Federação, em relação aos estabelecimentos de entretenimento e diversão, para que algo tão brutal não se repita. Agora, sob o impacto da tragédia, um mero olhar sobre a planta baixa da Boate Kiss, que circula na internet, nos leva a concluir, estupefatos, que o ocorrido está mais próximo do previsível que do absurdo. O espaço de 650 metros quadrados, com capacidade para receber mil pessoas, dispunha de uma porta única, que era ao mesmo tempo de entrada, de saída e de emergência. O espaço interno era exíguo e opressivo. Na noite de sábado, lá estavam não mil, mas 1,5 mil pessoas, que não tiveram a chance de escapar. Morreram asfixiadas porque os extintores não funcionaram. Numa casa de tal porte, os sprinklers deviam ser obrigatórios. Eles entram em ação automaticamente, dispensando o manuseio dos extintores rudimentares. Morreram pisoteadas porque não havia saída de emergência. Os seguranças, lembrando o pianista do Titanic, que seguiu tocando enquanto o navio afundava, barraram muita gente cobrando o pagamento da conta. Um frio nos perpassa quando pensamos que o horror poderia ter acontecido com o meu filho, com a sua filha. Não é muito diferente nos milhares de boates espalhadas pelo Brasil afora.

                        Sabe-se agora que o Corpo de Bombeiros vistoriou a boate em novembro e exigiu adequações. O Plano de Prevenção e Controle de Incêndios estava vencido, mas a casa continuou funcionando. O material acústico era altamente inflamável, mas não foi pedida a troca. Foi neste cenário que a casa ofereceu um show com uso de material catalogado como fogos de artifício, os tais sputniks no solo do palco e o sinalizador de mão usado pelo vocalista da banda. Uma fagulha no teto inflamável e o que era festa virou inferno: fumaça tóxica, pânico, pisoteio, centenas de mortos e feridos. 

                        Para que algo assim jamais se repita, como prometeu Dilma, a primeira providência será uma fiscalização intensiva Brasil afora. Depois, a aprovação de uma legislação nacional anti-incêndio, que hoje não existe. Cada prefeitura faz suas regras. No Distrito Federal, as brigadas anti-incêndio são obrigatórias em todos os estabelecimentos com mais de 750m² . Em alguns estados elas são exigidas, em outros não. A grande maioria deixa a normatização a cargo das prefeituras. Tramita na Câmara, desde 2007, projeto da deputada Elcione Barbalho tratando especificamente da segurança em boates e casas de espetáculos. Agora, deve ganhar urgência. É tarde para os que morreram em Santa Maria, para os feridos que ainda podem morrer, mas, diante da negligência nacional, devemos dizer “antes tarde do que nunca”. Para além da dor, o Brasil precisará  provar que tomou providências, com vistas à Copa do Mundo e às Olimpíadas. O mundo se comoveu, mas cobranças externas já começaram. 

                        Lula no mundo

                        Ontem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarcou para Havana, onde visitará o presidente venezuelano Hugo Chávez, que ali trava sua luta contra o câncer, devendo se encontrar também com o presidente Raúl Castro e com o próprio Fidel Castro. Depois, visitará a República Dominicana, onde se encontra com o presidente Danilo Medina Sánchez e o ex-presidente Leonel Fernádez. No dia 3, em Washington, faz o discurso de abertura da conferência da central sindical da indústria automotiva e aeroespacial, a UAW.

                        Em março, Lula volta aos Estados Unidos para receber, em Nova York, prêmio especial conferido pelo International Crisis Groug (ICG), organização presidida pela ex-comissária da ONU Louise Arbour, que recebeu com Lula, em 2011, o Prêmio Norte-Sul, conferido pelo Conselho Europeu. O prêmio do ICG é oferecido aos que se destacaram na promoção da paz, a segurança e o desenvolvimento dos povos. Lula o dividirá com o atual presidente de Myanmar.
                         
                        Dilma no alvo

                        Os tucanos vão mesmo entrar com representação contra a presidente Dilma por conta do pronunciamento em cadeia de rádio e televisão para anunciar a redução da tarifa elétrica, na semana passada. Se o pedido cair na mão da procuradora eleitoral Sandra Cureau, deve ser acolhido. Na campanha de 2010, quando Dilma se elegeu, ela foi tenaz.

                        Trilhas Sonoras de Tarantino - Mariana Peixoto‏

                        Em Django livre, o diretor Quentin Tarantino mantém as surpresas e homenagens na eletrizante trilha sonora, que mais uma vez se torna elemento de destaque do filme 

                        Mariana Peixoto
                        Estado de Minas: 29/01/2013 
                        Independentemente de se gostar mais ou menos de um filme de Quentin Tarantino, há algumas verdades que vêm à tona sempre que um novo longa do diretor norte-americano chega aos cinemas: haverá muito sangue na narrativa, extensos e surreais diálogos, referências-homenagens a produções dos anos 1960 e 1960 e uma trilha sonora impecável, que ficará na cabeça de muitos espectadores mesmo depois que eles tiverem saído da sala. Com Django livre, sua versão para western spaghetti com um caubói negro como protagonista em plenos Estados Unidos sulista e escravocrata, essa experiência volta a ocorrer. Com direito ao sempre presente Ennio Morricone e a “dueto” de James Brown e 2Pac.

                        Como quase tudo na obra de Tarantino, há uma referência no passado. A sequência inicial é um bom exemplo disso. É do compositor argentino naturalizado italiano Luis Bacalov (vencedor do Oscar pela trilha de O carteiro e o poeta, 2005) Django, canção título do faroeste de 1966 que o cineasta tomou emprestado para seu herói. Grandiloquente e emocional (graças à interpretação de Rocky Roberts, cantor conhecido unicamente por essa música), serve como pano de fundo para a apresentação dos dois grandes personagens masculinos: os heróis tortos Django (Jamie Foxx) e dr. King Schultz (Christoph Waltz).

                        Bacalov, que inclusive é creditado na apresentação, tem outras músicas no filme, como His name was King (também faixa tema de outro faroeste, de 1971) e La corsa. Tarantino vem tomando emprestado as músicas de Bacalov desde os dois Kill Bill. Morricone, outra fonte de inspiração, é mais um nome forte. Desta vez, compôs uma faixa original para o filme, Ancora qui. A exemplo dos outros discos das trilhas de seus filmes, o de Django também é entremeado por diálogos da narrativa. 

                        No entanto, são três canções originais com base na black music o ponto forte da trilha. 100 black coffins é um rap de Rick Ross que coloca como pano de fundo aquele assobio que remete aos velhos faroestes. John Legend bebe nos antigos souls para interpretar Who did that to you?. Freedom, de Anthony Hamilton e Elayna Boynton, outra nova canção que busca inspiração na onda retrô da soul music, tem forte vocação para hit. Contrariando as expectativas, nenhuma delas recebeu indicação ao Oscar. 

                        Desde sua estreia na direção, com Cães de aluguel, Tarantino escolhe pessoalmente as músicas que acompanham as sequências mais importantes de seus filmes. Com uma alardeada coleção de vinis, ele costuma tirar poeira de muita faixa esquecida do universo pop. Em Django, dá uma nova chance ao single I got a name, de Jim Croce, música que se tornou um hit logo depois da morte de seu autor, em 1973. Na onda da homenagem póstuma, o mashup Unchained coloca os grandes James Brown e 2Pac juntos, com as canções The payback e Untouchable. Só mesmo Tarantino para unir o soulman e o rapper mortos num filme ambientado no Velho Oeste americano. E funciona.
                        COLETÂNEAS 

                        As trilhas dos filmes de Tarantino renderam boas coletâneas. As mais conhecidas são The Tarantino connection, que inclui faixas de Cães de aluguel, Pulp fiction, Assassinos por natureza e Amor à queima-roupa (os dois últimos têm roteiro dele); The Tarantino experience (álbum duplo), tributo com músicas que entraram nos longas e outras que foram inspiradas por suas histórias, e Ennio Morricone: Quentin Tarantino movies, com título autoexplicativo, que inclui temas do compositor italiano que estiveram em à Prova de morte, Kill Bill vol. 2 e Bastardos inglórios.

                        ESCOLHIDA A DEDO 

                        >> CÃES DE ALUGUEL (1992)

                        Stuck in the middle (1973), sucesso da one hit wonder escocesa Stealers Wheel, rola no som. Um homem, sem o menor pudor, 
                        canta e dança. O personagem de Michael Madsen só interrompe os passos para pegar a navalha e arrancar a orelha daquele que ele considera um traidor. 

                        >> PULP FICTION (1994)
                        O mundo pop nunca mais foi o mesmo depois da dança de Vincent Vega (John Travolta) e Mia Wallace (Uma Thurman) 
                        ao som de You never can tell, de Chuck Berry. Mas é Mirsilou, de Dick Dale, a música que sintetiza o filme mais popular de Tarantino. 
                        O sucesso ainda tirou o velho roqueiro do limbo. 

                        >> JACKIE BROWN (1997)
                        Ainda que seja um filme menor, começa bem. Numa esteira de aeroporto, a aeromoça Jackie Brown (Pam Grier) caminha até o portão de embarque. No som, Across 110th Street, do veterano soulman Bobby Womack. Dez anos mais tarde, a mesma canção setentista marcaria O gângster, 
                        de Ridley Scott.

                        >> KILL BILL – VOLUME 1 (2003)
                        Don’t let me be misunderstood, com o Santa Esmeralda, é uma das canções mais insuportavelmente batidas de sessões de flashback. Mas no embate final entre a Noiva (Uma Thurman) e O-Ren Ishii (Lucy Liu), a versão só com a parte instrumental (ênfase nas palmas) arrebata a plateia.

                        >> KILL BILL – VOLUME 2 (2004) 
                        Assim como a sequência anterior, apresentou nomes que marcaram a trilha de Django livre (Ennio Morricone, Luis Bacalov). Mas é mais lembrado pela canção mexicana Malagueña salerosa,  na versão gravada por Chingon, banda de rock que traz na guitarra o cineasta Robert Rodriguez, um dos responsáveis pela trilha.

                        >> À PROVA DE MORTE (2007)
                        Uma das metades de Grindhouse, projeto/homenagem ao gênero exploitation – o outro longa é Planeta terror, de Robert Rodriguez –, esse filme menos conhecidos de Tarantino traz boa parte de sua trilha saída diretamente de uma jukebox. Soul, rock, psicodélico em boa medida. Destaque para a versão de Baby, it’s you (Burt Bacharach/Hal David), da obscura banda sessentista Smith. 

                        >> BASTARDOS INGLÓRIOS (2009)

                        Para muitos o grande filme adulto de Tarantino, sua trilha sonora não trouxe, pela primeira vez, os famosos diálogos entremeando as faixas. Apropriação mais do que perfeita de David Bowie. A heroína Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) se prepara para iniciar sua vingança contra os nazistas ao som de Cat people (Putting out fire).