quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Trenzinho Caipira - Ferreira Gullar



Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar no ar no ar no ar no ar
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar no ar no ar

Cora Rónai

o globo


Não acredito mais quando me falam em legado disso ou daquilo. Pois o atual velódromo não era ‘legado do Pan’?

Terminei a coluna da semana passada pedindo explicações ao Comitê Olímpico sobre o velódromo e o centro de treinamento de ginástica artística, que foram desativados embora estivessem novinhos; não me entra pela cabeça que equipamentos construídos para o Pan, em 2007, agora sejam considerados inadequados. Pois Claudio Motta, gerente de comunicação do COB, prontamente me mandou um e-mail:


“A desativação do atual Velódromo acontece para atender ao cronograma de obras do Parque Olímpico, com a construção de um novo Velódromo, de nível olímpico, que se constituirá em um grande legado dos Jogos Olímpicos Rio 2016 para o ciclismo da cidade e do país.
Em relação aos atletas de ginástica, o COB já tem um local para instalar o CT de Ginástica Artística, no Rio de Janeiro, que será anunciado em breve. Além disso, o COB e a Confederação Brasileira de Ginástica definiram que, até a construção do novo CT, o local de treinos da Seleção Brasileira feminina será em Três Rios (RJ). Já a masculina se dividirá entre Belo Horizonte (MG) e São Caetano (SP).


No caso do ciclismo, havendo a necessidade de treinamento de ciclistas da Seleção, o COB, em conjunto com a Confederação Brasileira de Ciclismo, enviará os atletas da modalidade para treinos no exterior.
Se persistirem dúvidas, estamos à sua disposição.”


Não posso propriamente dizer que persistem dúvidas; o que persiste é indignação. Não acredito mais quando me falam em “legado” disso ou daquilo. Pois o atual velódromo não era “legado do Pan”? Acho um desrespeito com os contribuintes a facilidade com que se joga dinheiro fora neste país. Isso para não falar no centro de treinamento de ginástica, que funcionava dentro do velódromo: em abril do ano passado, o próprio COB postou no YouTube um vídeo sobre a sua inauguração, com elogios empolgados dos nossos atletas afirmando que nunca viram nada igual (o vídeo pode ser assistido em bit.ly/Y2p4FY).


Recebi também um e-mail de Mariza Louven, que trabalha na Empresa Olímpica Municipal, da prefeitura:


“A Federação Internacional de Ciclismo (UCI), após vistoria do velódromo atual feita a pedido do Comitê Rio 2016, elaborou um parecer de que este não pode ser utilizado para os Jogos Olímpicos. A entidade citou diversos aspectos. Entre eles, o fato de a construção ter dois pilares que atrapalham a visão do público, dos telespectadores e dos árbitros; e a pista não permitir que os atletas atinjam a velocidade necessária para superar recordes olímpicos e mundiais — no velódromo atual, os atletas podem atingir até cerca de 65 km/h, enquanto um velódromo olímpico deve possibilitar o alcance de 85km/h. Além disso, há itens que impactam a segurança dos competidores e seu desempenho, como o fato de a construção atual ser aberta.”


Essa explicação mais detalhada apenas ampliou o espectro da minha indignação. Quer dizer que nos fizeram de trouxas no Pan? Nos deram um “legado” que não prestava? Imagino que um velódromo seja projetado por especialistas no assunto; mas que “especialistas” foram esses que fizeram um equipamento que não permite alcançar recordes e que “impacta a segurança” dos atletas?


Em suma: fomos ou estamos sendo passados para trás. Pagamos por um velódromo aparentemente perfeito em 2007 e vamos pagar por outro velódromo ainda mais perfeito este ano. Só nos resta agora torcer para o Rio não sediar nenhum evento de ciclismo no futuro, ou logo o “legado dos Jogos Olímpicos” será demolido para a construção de um terceiro velódromo.


Ser carioca é conviver com obras de caráter duvidoso. A Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, está sendo completamente destruída pelas obras do metrô. O governo do estado, que prometeu que ia deixar as árvores em paz, mentiu: de qualquer janela das vizinhanças se pode acompanhar a clareira que cresce a cada dia. A verdade é que o governador está pouco se lixando para as árvores, assim como está pouco se lixando para os mais de 30 mil cidadãos que assinaram uma petição em sua defesa.


Enquanto isso, no Leme, moradores estão se mobilizando para salvar o bairro do desastre que seria a implantação de uma nova estação do bondinho do Pão de Açúcar. Eles estão apavorados, e por justa causa: o Leme, que já tem uma população maior do que comporta, e que não tem vagas nem para os automóveis de quem mora lá, quem dirá para ônibus de turismo, vai perder o pouco de sossego que lhe resta se a sinistra ideia da Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar colar. Os moradores foram à rua no domingo, para protestar, e logo num primeiro momento colheram mais de 500 assinaturas.


Tomara que tenham mais sorte do que tivemos em Ipanema. 

Encontros de camundongos

estado de são paulo

Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
É comum sentirmos prazer ao retornarmos a um local onde vivemos uma boa experiência. 

Uma cidade associada a uma paixão ou um restaurante onde começou um romance. Muitas 
vezes a memória desses lugares é tão forte que temos medo de retornar e nos 
decepcionarmos, mas é comum voltarmos buscando o prazer sentido no passado. Agora foi demonstrado que os camundongos fazem o mesmo: memorizam os locais onde sentiram prazer e retornam com frequência, buscando renovar a sensação. Mas, se no caso dos humanos são estímulos visuais que identificam o local, no dos camundongos é o cheiro de algumas gotas de urina.

Existem inúmeros exemplos de animais que utilizam marcas olfativas para demarcar 
território, identificar indivíduos e estabelecer quem manda em quem. Cachorros machos depositam urina em superfícies verticais, demarcando território. Cadelas no cio atraem machos exalando perfumes enlouquecedores. Enquanto os humanos usam estímulos visuais para memorizar a localização espacial de objetos, outros mamíferos utilizam estímulos olfativos para chegar ao local desejado. Cachorros podem usar o olfato para identificar o local por onde passou a raposa e segui-la. 

Até recentemente, acreditava-se que os animais detectavam moléculas voláteis para construir um "mapa olfativo" da região em que viviam. Mas, se esse fosse o único mecanismo, o "mapa" seria constantemente alterado pelo vento e outros fatores que removem moléculas voláteis. Agora, cientistas descobriram que camundongos usam o cheiro de moléculas não voláteis, depositadas em locais determinados, para memorizar locais importantes, como aquele por onde passa seu parceiro sexual preferido.

O experimento é simples. Em um espaço previamente desconhecido, foram colocadas duas placas de petri (parecem pires feitos de vidro). Sem colocar nada nas placas, foi estudado quanto tempo fêmeas de camundongo ficavam em cada uma delas. Como era de se esperar, passaram o mesmo período de tempo em cada uma. Em seguida, foi colocada uma gota de urina de um camundongo macho em uma das placas e as fêmeas foram colocadas no ambiente por 10 minutos. Atraídas pelo cheiro do macho, elas ficaram três vezes mais tempo perto da placa que continha a urina. 

Essas fêmeas foram então recolocadas em suas gaiolas. O local foi limpo, as placas, retiradas e substituídas por outras sem urina. Um dia depois, as fêmeas foram postas novamente no local. Mesmo sem o estímulo do cheiro, elas voltaram ao local onde, no dia anterior, estava a urina do macho, indicando que haviam memorizado o local.

Em um segundo experimento, os cientistas descobriram que, se utilizassem urina de fêmeas, as fêmeas não mostravam preferência pelo local nem o memorizavam. Aumentando o tempo entre a exposição das fêmeas à urina do macho e o momento em que elas eram trazidas de volta ao local, descobriu-se que a memória persiste por até 14 dias.

Quando os cientistas investigaram qual dos componentes da urina dos machos respondia pela memorização espacial nas fêmeas, descobriram que é o feromônio r-darcin, que não é volátil e portanto não se espalha pelo ar. Esses resultados demonstram que, ao visitar inicialmente um ambiente desconhecido, as fêmeas descobrem os locais onde os machos passaram (urinaram no local, depositando o feromônio) e memorizam sua localização. Quando voltam nos próximos 14 dias, mesmo na ausência de qualquer cheiro elas retornam ao local.

Organização social. Os cientistas creem que esse mecanismo de mapeamento espacial é importante para a organização social dos camundongos. Funcionaria assim: um macho passa por um local e deixa seu cheiro. As fêmeas memorizam o local e voltam lá na esperança de encontrar o macho. Se o macho não voltar nos próximos 14 dias, elas abandonam o local, concluindo que ele é pouco propício a encontros amorosos. Esse mecanismo de "marcar encontros" facilita o acasalamento.

Esse mecanismo não é muito diferente do usado por humanos. Membros da nossa espécie voltam frequentemente a locais onde podem encontrar parceiros sexuais, mas nesse caso a placa de petri se chama bar ou balada e memorizamos o local por informações visuais e não olfativas.

Mas o ato de memorizar locais propícios ao acasalamento tem a mesma função: permite que parceiros disponíveis sejam facilmente encontrados, mesmo em uma cidade enorme como São Paulo. E, se a memória for agradável, o retorno é garantido. 

* Fernando Reinach é biólogo.

MAIS INFORMAÇÕES: PHEROMONAL INDUCTION OF SPACIAL LEARNING 

IN MICE. SCIENCE,  VOL. 338,  PÁG. 1.462,  2012.

Escândalo da carne de cavalo traz lado sombrio do consumo, diz estudo da ONU


FIONA HARVEY
DO "GUARDIAN

Os habitantes do mundo rico deveriam tornar-se "semitarianos" --ou seja, comerem a metade da quantidade de carne à qual estão acostumados, sem precisarem abrir mão totalmente dela--, para evitar causar danos graves ao meio ambiente. A recomendação é de cientistas que apresentaram o quadro mais claro até agora de como as práticas agropecuaristas estão destruindo o mundo natural.
Os cientistas disseram que o escândalo da carne de cavalo trouxe à tona o lado sombrio de nosso desejo por carne, que alimentou um comércio de animais de corte não documentados e refeições prontas de preço baixo e rótulos enganosos. "Existe risco para a cadeia alimentar", comentou o professor Mark Sutton, que cunhou o termo "semitariano" e é o autor principal de um estudo da Unep (programa das Nações Unidas para o meio ambiente) publicado na segunda-feira (18). "Agora é um bom momento para conversar com as pessoas sobre esse assunto."
Ina Fassbender/Reuters
Açougueiro alemão com carne de cavalo em abatedouro; autoridades do país investigam o uso indevido do produto
Açougueiro alemão com carne de cavalo em abatedouro; autoridades do país investigam o uso indevido do produto
A busca por carne cada vez mais barata nas últimas décadas --a maioria das pessoas, mesmo nos países ricos, consumia significativamente menos carne uma ou duas gerações atrás-- gerou uma expansão maciça da pecuária intensiva. Com isso, quantidades imensas de grãos foram desviadas do consumo animal para o consumo humano, exigindo o uso intensivo de fertilizantes, pesticidas e herbicidas e, de acordo com o relatório da Unep, "provocando uma teia de poluição do ar e da água que está prejudicando a saúde humana".
Os resíduos que escoam desses produtos químicos estão criando zonas mortas nos mares, levando ao crescimento de algas tóxicas e à mortandade de peixes, enquanto outros ameaçam a sobrevivência de abelhas, anfíbios e ecossistemas sensíveis. "A atenção atraída por este escândalo da carne destacou a questão da carne de baixa qualidade. Isto tudo mostra que a sociedade precisa refletir muito mais sobre os animais de corte e as escolhas alimentares, pelo bem do meio ambiente e da saúde", disse Sutton.
A resposta, segundo o cientista, está no consumo de mais vegetais e menos proteína animal. "Coma carne, mas com menos frequência. Faça dela algo especial", ele aconselhou. "O tamanho das porções é crucial. Muitas porções são grandes demais --são maiores do que as pessoas querem consumir. É preciso pensar em mudar hábitos, em dizer 'gosto do sabor, mas não preciso comer tanto'".
Ao encherem seus pratos com legumes e verduras, além de carne, as pessoas ficarão mais bem nutridas. "A maioria das pessoas não percebe a diferença", disse Sutton, citando um evento recente da ONU em que o chef usou um terço da quantidade habitual de carne, incluindo mais vegetais para compensar, e mais de 90% dos convidados ficaram igualmente satisfeitos.
Sutton se referia ao Ocidente rico, em especial os EUA e a Europa. Ele quer que a mudança de dieta seja introduzida na Europa, já que efetuar mudanças nos Estados Unidos será um desafio mais difícil. De acordo com os cientistas da ONU, os moradores dos países pobres devem ser autorizados a aumentar seu consumo de proteína animal, que faz falta a bilhões de pessoas. Mas, para não causar danos ambientais, o aumento do consumo de carne no mundo em desenvolvimento precisa ser contrabalançado por uma redução da quantidade consumida nos países desenvolvidos.
As carnes de frango e porco provavelmente são as que causam menos prejuízos ambientais em termos relativos, embora os padrões de bem-estar dos animais e as condições em que são criados possam fazer uma diferença grande. "A carne de frango é uma das mais eficientes, já que o animal cresce muito rapidamente e é possível colher seu estrume", disse Sutton.
De acordo com o relatório da Unep, intitulado "Nosso mundo nutricional: o desafio de produzir mais alimentos e energia com menos poluição", a produção de carne é responsável por 80% do nitrogênio e fósforo usados na agropecuária. Esses nutrientes são produzidos a um custo global muito alto, mas a maior parte acaba desperdiçada no estrume dos animais. Em algumas regiões do mundo os nutrientes são escassos, resultando em plantações menos produtivas.
A Unep avisou: "A não ser que sejam tomadas medidas, a elevação da poluição e o aumento do consumo per capita de energia e produtos animais vão exacerbar as perdas de nutrientes, os níveis de poluição e a degradação dos solos, ameaçando mais ainda a qualidade de nossa água, nosso ar e nossos solos, afetando o clima e a biodiversidade".
O estudo também propôs uma série de medidas com as quais seria possível tornar a pecuária menos nociva ambientalmente, desde medidas simples como o armazenamento mais seguro e o uso mais econômico dos fertilizantes até a captura das emissões de gases estufa resultantes de sua produção. O consumo de nitrogênio poderia ser reduzido em 20 milhões de toneladas até 2020, poupando 10 bilhões de libras por ano. A reutilização de resíduos, como estrume, e o tratamento de esgotos com métodos modernos também poupariam centenas de bilhões de dólares.
Tradução de CLARA ALLAIN 
folha de são paulo

Uma criança marcada pela ditadura


CARLOS ALEXANDRE AZEVEDO (1972-2013)
ESTÊVÃO BERTONIDE SÃO PAULOCarlos Alexandre Azevedo, o Cacá, era um jovem inteligente, como conta o pai, Dermi. Aficionado por informática, consertava os computadores de familiares e amigos. E sempre levou os trabalhos que teve muito a sério.
Mas o rapaz, colecionador de HQs, às vezes se isolava e só saía do quarto para se alimentar. Sofria de fobia social.
Médicos consultados pela família relacionavam seu quadro a um episódio da infância. Em janeiro de 1974, quando tinha um ano e oito meses, o garoto foi preso com os pais. Dermi, jornalista que trabalhou na Folha de 1984 a 1990, conta que foi levado pela polícia ao deixar o jornal (era funcionário do extinto "Última Hora", editado pelo Grupo Folha).
Em casa, segundo relato do pai, o menino teve um dente quebrado. No Deops, levou choques e, de madrugada, foi levado à casa dos avós e jogado no chão. "A queda provocou lesões cerebrais das quais não mais se recuperou", diz.
Dermi ficou seis meses preso, e sua mulher, Darcy, 45 dias. Era acusado de difamar a imagem do país no exterior por ter escrito um relatório sobre os livros de educação moral e cívica usados no Brasil.
Segundo ele, d. Paulo Evaristo Arns chegou a denunciar o caso a órgãos internacionais.
Cacá era fechado e não escondia uma tristeza permanente. Em 1990, os pais se separaram, e ele ficou morando com a mãe e a irmã. Dermi se casou de novo e vive no Pará.
Para ele, que conta a história do filho no livro "Travessias Torturadas", Cacá foi "levado a se suicidar". Morreu no sábado, aos 40, após ingerir remédios. Em e-mail de despedida a um amigo, dizia-se mal remunerado e isolado.
    folha de são paulo

LETICIA WIERZCHOWSKI - Dois livraços

ZERO HORA - 21/02/2013

A minha biblioteca costuma guardar lugar de honra para os romances, mas, neste verão, picada por algum bichinho, curiosamente eu me pus a ler uma série de livros de memórias, e dois deles me emocionaram muitíssimo – A Lebre com Olhos de Âmbar (ed. Intrínseca) e Só Garotos (Cia. das Letras).

Edmund de Waal é um dos mais importantes ceramistas da atualidade, mas, em A Lebre com Olhos de Âmbar, ele mostra que tem talento – e quanto talento! – para moldar palavras também.

Ao herdar de seu tio-avô Iggie, que vivia em Tóquio, uma coleção de 264 netsuquês (miniaturas japonesas entalhadas em madeira e marfim), Edmund decide refazer o caminho das miniaturas que o tio lhe deixou e se empenha numa inacreditável e fantástica viagem pelo tempo por meio de três gerações da sua família paterna, os Ephrussi, os maiores exportadores de cereal do mundo, que deixaram Odessa no século 17 para espalharem-se pela Europa – Paris, Londres, Viena –, transformando-se num dos mais sólidos pilares financeiros da sua época, até que guerras e desenganos dilapidassem sua sorte e fortuna, seus sonhos e a sua fabulosa herança, da qual sobraria apenas essa coleção de miniaturas que viajaram pelo mundo até voltarem ao seu lugar de origem, o Japão. Uma viagem que, nas mãos de Edmund de Waal, ganha a dimensão de uma fabulosa narrativa, uma verdadeira saga familiar, mais fantástica do que qualquer ficção.

Só Garotos foi escrito por Patti Smith, e a poeta e cantora americana dispensa maiores apresentações. Só Garotos não é, a priori, um livro de memórias.

É a história da relação amorosa entre Patti Smith e Robert Mapplethorpe (polêmico e talentoso fotógrafo que morreu de aids em 1989), a quem Patti prometeu, no leito de morte, escrever esse livro – e aqui, quando falo de relação amorosa, falo de uma coisa maior do que sexo, e houve sexo entre aqueles dois antes que Robert descobrisse seu desejo por outros homens, e Patti deixasse a sua cama sem nunca deixar de ser a sua musa e mais íntima amiga. Recém-chegada a Nova York, sem dinheiro nem endereço certo, Patti deu de cara com Robert, e esse encontro fortuito haveria de marcar o destino de ambos.

Só Garotos é como um sussurro, um relato íntimo e amoroso da história dessas criaturas irmãs, e é também a história da viagem que Patti Smith e Robert Mapplethorpe fizeram, do anonimato e da pobreza em Nova York, até o sucesso e a fama internacional. Um livro lindo e comovente que, sob o pano de fundo da cena cultural nova-iorquina dos anos 1960 e 1970, conta de uma relação de inesquecível cumplicidade.

MARTHA MEDEIROS - Fim de férias

ZERO HORA - 20/02/2013

Passei duas semanas à beira-mar, caminhando, pedalando, rindo com os amigos e mergulhada em boas leituras. Aproveitei o descanso para me extasiar com Os Enamoramentos, de Javier Marias, para conhecer a ironia cativante de David Foster Wallace em seu Ficando Longe do Fato de já Estar meio que Longe de Tudo e voltei a consultar o filósofo Cioran, cuja amargura não deixa de ter um lado divertido.

No último dia de praia, antes de retornar a Porto Alegre, li por coincidência o seguinte trecho em um dos seus livros: “Se um governo decretasse em pleno verão que as férias fossem prolongadas indefinidamente e que, sob pena de morte, ninguém deveria abandonar o paraíso em que se encontra, se produziriam suicídios em massa e massacres sem precedentes”.

Fechei o livro e olhei para o mar azul à minha frente, com veleiros brancos a navegar suavemente, parecendo propaganda de cartão de crédito, e pensei em como eu reagiria se alguém decretasse: agora será esse idílio para sempre, baby. Acho que desataria a chorar. O paraíso não tem a mínima graça se não for confrontado com o inferno.

Às vezes, me pego sonhando com uma casinha num balneário pouco movimentado, onde eu pudesse passar o ano inteiro nadando, escrevendo, lendo, comendo peixe e demais alimentos saudáveis, e tudo me parece encantador, ou então imagino uma casinha na serra, cercada de verde por todos os lados, o clima frio, lareira, vinho tinto, eu igualmente afastada da baderna urbana, fazendo minhas caminhadas contemplativas, e também me parece um espetáculo de bem viver, até que alugo uma dessas casinhas por 15 dias e acho tudo de fato sensacional, mas, lá pelas tantas, percebo um formigamento na alma: até do trânsito da Nilo Peçanha começo a sentir falta.

Onde me sinto verdadeiramente em casa? Não é no meu idealismo, e sim na concretização das minhas atividades profissionais e pessoais. Me sinto em casa em aeroportos, conhecendo gente nova, aceitando trabalhos que produzem um glupt na garganta (misto de medo e excitação), fazendo malabarismo para dar conta das tarefas programadas, acordando a cada manhã sem saber direito o que o dia me trará.

E, apesar de toda a carga adrenalínica, finalizo essa odisseia jogada no sofá ouvindo música, com a satisfação de ter cumprido o que pretendia e de ainda ter sobrado tempo para o nada (sempre reservo um tempo para coisa nenhuma). “Lar” é onde cabem todos os eus que me habitam, não só o eu preguiçoso e indolente, mas também tudo o que precede a ele.

Talvez mais adiante eu invista num segundo endereço em outra cidade e alterne minhas permanências – um pouco lá, um pouco cá –, mas, por ora, não pretendo me acomodar a um calendário composto só de domingos, evitando o confronto com as angústias, as dúvidas, os desafios. Férias só se justificam por serem provisórias, são fantásticas porque terminam, é essa consciência do finito que faz com que valorizemos cada segundo vivido.

Que bom estar de volta à imprevisibilidade dos dias.

'Falando de Amor' - Pasquale Cipro Neto

folha de são paulo

'Falando de Amor'
Cá entre nós, a correlação, em segunda pessoa, entre 'Se soubesses' e 'não negavas um beijinho...' é maravilhosa
O incansável Wagner Homem (responsável pelo site de Chico Buarque, autor dos belos "Chico Buarque - Histórias de Canções" e "Toquinho - Histórias de Canções" e coautor, com Luiz Roberto Oliveira, do não menos belo "Tom Jobim - Histórias de Canções") me convida para o show de lançamento da obra relativa ao monumental Tom Jobim (nesta sexta, no Café Paon, em São Paulo).
Já li um bom pedaço do livro, encantador e repleto de belas histórias e informações a respeito da tecedura das canções de Tom, das que fez sozinho e das que fez em parceira (com Vinicius, Chico, Aloysio de Oliveira, Newton Mendonça, entre outros). Muitas dessas histórias têm relação com o cuidado de Tom e parceiros com a língua.
Pois isso tudo me fez aumentar a já enorme e antiga vontade de escrever sobre alguns dos fatos linguísticos presentes na delicadíssima "Falando de Amor". Vejamos estes versos, que integram a primeira estrofe da letra: "Se eu pudesse por um dia / Esse amor, essa alegria / Eu te juro, te daria / Se pudesse esse amor todo dia / Chega perto, vem sem medo / Chega mais meu coração / Vem ouvir esse segredo / Escondido num choro canção / Se soubesses como eu gosto / Do teu cheiro, teu jeito de flor / Não negavas um beijinho / A quem anda perdido de amor".
O caro leitor notou a correlação que Tom estabeleceu entre "pudesse" e "daria" ("Se eu pudesse.../...te daria...") e entre "soubesses" e "negavas" ("Se soubesses.../...não negavas...")? Enquanto você pensa e avalia, lembro o que me disse o Mestre a respeito de algumas das diferenças entre o nosso português e o de Portugal quando me concedeu a honra de entrevistá-lo, em 1993, para o "Nossa Língua Portuguesa", da TV Cultura: "Os portugueses dizem 'Eu gostava de estar consigo amanhã'; nós dizemos isso de outro jeito...".
É verdade. Embora em alguns dos registros do português brasileiro ocorra a forma "gostava" com o valor de "gostaria" ("Como eu gostava que chovia!", disse-me certa vez um sitiante, desolado com a falta de chuva), é mais comum entre nós a forma "gostaria" nesse e em outros casos análogos ("Como eu gostaria [de] que chovesse!"; "Eu gostaria de estar com você amanhã"), mas... Mas o uso do imperfeito do indicativo com o valor de futuro do pretérito, ou seja, o uso de "negavas" com o valor de "negarias", por exemplo, é mais do que comum, tanto na língua oral como nos registros literários, clássicos ou modernos.
Não foi por acaso que Tom, leitor contumaz de clássicos e modernos, passeou com tranquilidade pelas duas correlações. Primeiro, empregou o que é regra no texto científico, jurídico, filosófico ("Se eu pudesse por um dia / Esse amor, essa alegria / Eu te juro, te daria..." - por sinal, "daria" rima com "alegria"); depois, empregou o que é mais comum na oralidade e em muitos registros literários ("Se soubesses como eu gosto / Do teu cheiro, teu jeito de flor / Não negavas um beijinho..."). E cá entre nós, caro leitor, a correlação, em segunda pessoa, entre "Se soubesses" e "não negavas um beijinho..." é maravilhosa, tão maravilhosa que dói no peito e na alma. Note a importância do diminutivo "beijinho", cujo caráter afetivo praticamente impõe que o fecho da correlação se dê com a forma mais comum na linguagem espontânea, ou seja, com o imperfeito do indicativo ("negavas").
Tenho particular apreço por estes versos da segunda estrofe: "Quando passas, tão bonita / Nessa rua banhada de sol / Minha alma segue aflita / E eu me esqueço até do futebol". O leitor não tem ideia do que significa um par de olhos verdes a sonhar com esse esquecimento, sobretudo quando mal sabe a divina criatura que o futebol já foi mais do que esquecido...
E viva o grande Tom Jobim! É isso.

    Clovis Rossi

    folha de são paulo

    Itália, mas pode chamar de Brasil
    Todo dia há um escândalo político, 20 anos depois da operação "Mãos Limpas", que prendeu 4.000
    ROMA - Indignado com os escândalos cotidianos na política brasileira? Venha para a Itália. Vai experimentar sentimentos contraditórios: inveja porque aqui muita gente graúda vira e mexe vai para a cadeia. Mas também orgulho patriótico porque, em pelo menos um ponto, o Brasil está mais avançado.
    Refiro-me especificamente à lei da ficha limpa, em vigor no Brasil. Aqui, Beppe Grillo, cômico que virou um político-antipolíticos e é a sensação da campanha para o pleito de domingo, coletou 350 mil assinaturas para uma lei popular visando um "Parlamento Pulito" (limpo). Nem foi apreciada pelo Parlamento.
    Consequência: não passa dia sem que algum escândalo ocupe na mídia o espaço que deveria ser da campanha eleitoral.
    Prender gente graúda, como pedem tantos brasileiros, não adiantou grande coisa: há 20 anos, a Justiça conduziu a chamada "Operação Mãos Limpas". Dinamitou dois dos grandes partidos da época, a Democracia Cristã e o Socialista (depois, a queda do Muro de Berlim sepultaria também o Partido Comunista, que foi o maior do Ocidente). Levou aos tribunais mais de 4.000 expoentes da política e do empresariado.
    E daí? Nada. Basta dizer que, no vácuo dos antigos partidos, surgiu um certo Silvio Berlusconi, biliardário que ocupou por três vezes a presidência do Conselho de Ministros, apesar de ser uma espécie de Paulo Maluf italiano: campeão de processos, nenhuma condenação.
    Berlusconi é a figura mais destacada na capa do semanário "L'Espresso" de um mês atrás, que apresenta 15 personagens políticos "inapresentáveis", mas que estão presentes nas listas partidárias. Você acha que só há 15 nomes para compor capa semelhante no Brasil?
    O fato é que, 20 anos depois, ressurge na Itália a palavra envenenada que dinamitou o sistema político nos anos 90. "Por desgraça, estamos diante de algo muito similar à Tangentopoli", diz Mario Monti, primeiro-ministro em funções e quarto colocado nas pesquisas.
    "Tangente" é suborno. "Poli" é cidade. Logo estamos diante de uma "Terra dos Subornos", algo que o brasileiro conhece bem. "Tangentopoli" foi o rótulo usado para os escândalos apurados na "Mãos Limpas".
    De novo, ao contrário do Brasil, dá cadeia. Foi preso, por exemplo, Gianlucca Baldassari, gestor do banco mais antigo do mundo, o MPS (Monte dei Paschi di Siena), enrolado em operações com derivativos que o levaram às cordas. Foi salvo por uma injeção de dinheiro público -feita no governo Monti, diga-se- de € 3,9 bilhões (R$ 10,2 bi).
    Foi também preso Giuseppe Orsi, conselheiro-delegado da Finmeccanica, empresa acusada de ter pago comissões, eventualmente repassadas a políticos, para vender helicópteros à Índia, que acaba de desfazer o negócio.
    Para você ficar com inveja: em vez de criticar as "tangenti", Berlusconi diz que os juízes que mandam prender os empresários "atrapalham a economia". A tese do ex-premiê é cínica mas realista: quem não paga comissão não fecha negócio. No Brasil, muito político pensa -e age- assim, mas jamais admite.

    Painel - Vera Magalhães

    folha de são paulo

    Quem quer dinheiro?
    Dois dias depois de Dilma Rousseff ampliar o Bolsa Família e algumas horas após a festa de dez anos do PT no poder, o governador e presidenciável Eduardo Campos (PSB) reúne hoje em Gravatá os 186 prefeitos de Pernambuco para anunciar aporte direto de R$ 220 milhões para investimentos nos municípios. O repasse será rápido: 30% serão liberados no ato, e o restante à medida que as obras avancem. O cálculo do rateio segue as cotas do Fundo de Participação dos Municípios.
    -
    Festa... O Planalto se mobilizou na véspera para reagir ao discurso de Aécio Neves no Senado. Foi combinado que o Executivo não responderia diretamente ao tucano, para não "vitaminar" sua fala, segundo um governista.
    ... surpresa Municiado pela Secretaria de Relações Institucionais, o líder no Senado, Wellington Dias (PI), ficou encarregado de fazer um discurso listando "45 sucessos" do PT. Lindbergh Faria (RJ) foi designado para o ataque mais duro ao mineiro.
    Baile De Aécio, após a fala, sobre os apartes e réplicas dos senadores petistas: "Fico feliz que o PT tenha me tirado para dançar. Mas não quero dançar o bolero do passado, e sim um techno futurista''.
    Olho no olho Dilma recebe hoje Fernando Bezerra para uma conversa. Na semana passada, ministros com acesso à presidente chegaram a defender a saída do titular da Integração, para emparedar Eduardo Campos e tirar seu espaço no governo.
    Diz aí A petista não topou o confronto aberto. Mas espera ouvir de Bezerra que ele é hoje o maior defensor do apoio do PSB à sua reeleição.
    Ninho O PSDB-MG pretende fazer do evento de segunda-feira, em Belo Horizonte, um desagravo a FHC. Tucanos vão rebater a cartilha distribuída na festa petista. A ideia é enfatizar o controle da inflação e seu impacto na economia popular.
    Ribalta 1 Discretos no evento festivo de ontem, petistas condenados no mensalão terão protagonismo em novas atividades alusivas aos dez anos do PT no governo.
    Ribalta 2 José Dirceu deve ser destaque no primeiro seminário da caravana nacional, dia 28, em Fortaleza. O ex-ministro integra o Diretório Nacional, que se reúne na véspera na capital cearense.
    Ponte aérea Guido Mantega (Fazenda) decidiu encurtar sua participação no road-show internacional para vender o pacote de concessões. Depois de Nova York, na próxima terça, ele retorna ao Brasil. Só Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Luciano Coutinho (BNDES) vão a Londres.
    In loco Mantega avalia que emendou muitas viagens internacionais e quer acompanhar de Brasília a divulgação de dados importantes da economia nos próximos dias.
    Boca de urna Dilma vai aproveitar a reunião de amanhã na Guiné Equatorial, com quatro presidentes sul-americanos e 13 africanos, para pedir votos para o candidato brasileiro para a OMC (Organização Mundial de Comércio), Roberto Azevedo.
    Excel 1 Embora vá evitar embate direto com o sucessor, Gilberto Kassab responderá a cada crítica de Fernando Haddad à sua gestão. Auxiliares estão mobilizados para fornecer dados em tempo real sobre investimentos.
    Excel 2 Kassab diz ter gasto R$ 50 milhões em manutenção de semáforos, alvo de crítica recente de Haddad.
    Visita à Folha Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social, visitou ontem aFolha. Estava acompanhada de Isabel Costa e Rafael Elly, assessores.
    com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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    TIROTEIO
    " PT e PSDB estão tão parecidos que, se pegássemos discurso do Genoino falando de corrupção no passado, pareceria o Aécio hoje."
    DO SENADOR RANDOLFE RODRIGUES (PSOL-AP), criticando a polarização da disputa política entre petistas e tucanos, após fala do mineiro no Senado.
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    CONTRAPONTO
    Tônico capilar
    No retorno das atividades da Câmara após o recesso informal de Carnaval, muitos deputados exibiam novo visual, o que acabou virando assunto na área do cafezinho. O mais assediado era Tiririca (PR-SP), que apareceu no plenário repaginado, com cabelo tingido de loiro.
    Ao encontrar o colega, Chico Alencar (PSOL-RJ) brincou, usando o lema da campanha do humorista em 2010:
    -Você é prova de que pior do que está pode ficar, sim!
    O deputado respondeu:
    -Olha, pelo menos ainda tenho cabelo para pintar. Não é o caso de muitos que estão zombando de mim.

      Janio de Freitas

      folha de são paulo

      Livres e proibidos
      Código Penal, bem entendido, é nome fantasia. O verdadeiro é Código de Incentivo à Criminalidade
      DE REPENTE, há tanto o que celebrar entre os fatos marginalizados pela renúncia do papa, que só mesmo a conveniente bajulação ao Judiciário sugere por onde começar. É pela original proteção criada, para quem tenha ou venha a ter questões na Justiça, contra a influência de empresas e pessoas endinheiradas sobre as decisões de juízes.
      Parte do Conselho Nacional de Justiça pretendeu proibir as comuns doações de dinheiro, passagens, hospedagens e brindes para congressos, outros eventos e turismo de magistrados. Não conseguiu. Mas os satisfeitos com a liberalidade fizeram uma concessão parcial e permitiram a adoção da proposta feita pelo presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa: os magistrados e seus eventos podem receber 30% do custo total.
      Ou seja, empresas e endinheirados agora só podem influir 30% nas decisões dos magistrados influenciáveis. Ou também: 70% da ética dos magistrados estará protegida pela proibição, e 30% liberados para o quer e vier. Sobretudo o que der.
      Por falar em Judiciário, os irmãos Cristian e Daniel Cravinhos, matadores do casal Richthofen, tiveram a esperteza de não encarar a bandidagem nem os agentes penitenciários onde estiveram presos. Assim cumpriram um sexto da pena de 38 anos. E em razão daquele "bom comportamento" estão livres, com a obrigação apenas de dormir em abrigo judiciário. É a Justiça que se faz mais uma vez, como um ato de celebração da igualdade de valores. Se as vidas de Marísia e Manfred von Richthofen valiam só três anos cada, conforme o estabelecido pelo Código Penal, celebremos nós outros o fato de estarmos vivos ainda, sendo nossas vidas brasileiras tão democraticamente baratas, sem distinção.
      Código Penal, bem entendido, é nome fantasia. O nome verdadeiro, inusual como é próprio dos apelidos, é Código de Incentivo à Criminalidade. Elaborado pelo sentido de responsabilidade do Legislativo e praticado pelo sentido de justiça do Judiciário.
      E quem no PT, PSOL, PSTU & cia. tiver um mínimo de lucidez, deixará de ser útil ao projeto que traz a também militante Yoani Sánchez, com as cenas estúpidas que a notabilizam. E a celebrará, recepcionando-a com faixas, por exemplo, de "Viva Yoani, símbolo da liberdade cubana de viajar", ou "símbolo da liberdade de criticar seu país no exterior". É, sem ser, o que é. Mas não pode parecer.

        Tendências/Debates

        folha de são paulo

        CAMILA ASANO
        Dilma: esperava-se mais na política externa
        Decepciona a postura com o Irã ou a Síria. Nas visitas a outros países, Dilma não deveria falar só de ciência ou comércio, mas também de direitos humanos
        Há pouco mais de dois anos, Dilma Rousseff assumia a presidência prometendo uma política externa diferente.
        Passada a primeira metade do mandato, parte dessa expectativa se confirmou. Mas se, por um lado, a gestão Dilma trouxe mudanças, por outro reforçou antigos problemas, trouxe outros novos.
        Uma preocupante fragilidade da política externa atual está na delicada área dos direitos humanos -começando na Síria, a mais sangrenta guerra civil em andamento hoje no mundo, com cerca de 70 mil mortos.
        Desde o início, Dilma foi inflexivelmente contra qualquer operação que envolvesse a intervenção militar, mas foi incapaz também de apontar qualquer outra saída alternativa concreta, em uma política majoritariamente dubitativa diante de um dos regimes mais cruéis e sangrentos do mundo.
        Recentemente, o Brasil se ausentou da lista de 57 países de diferentes regiões do mundo que solicitaram ao Conselho de Segurança da ONU que enviasse o caso ao Tribunal Penal Internacional.
        Essa mesma posição relutante, falsamente confortável, também é vista no Irã -país que mais executa prisioneiros no mundo, em números per capita, e também um dos que mais prende jornalistas.
        Em novembro do ano passado, Dilma instruiu a missão brasileira na ONU a se abster na votação de uma resolução que condenava violações de direitos humanos cometidas pelo regime iraniano, embora o Itamaraty tivesse apoiado, assim que Dilma assumiu a presidência, a criação de um relator das Nações Unidas ao país para documentar os recorrentes abusos.
        Questionado pela Conectas -a organização envia regularmente cartas cobrando o governo, inclusive com uso da Lei de Acesso à Informação-, o Itamaraty diz que as questões de direitos humanos devem ser tratadas nos foros adequados, para evitar o risco de politização. Assim vem sendo justificada a recusa da presidente ou mesmo do chanceler de tratar de violações patentes nos países que são visitados por eles.
        Contraditório é que, quando confrontada pelo "foro adequado" da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, como no caso Belo Monte, Dilma não apenas retirou o embaixador brasileiro ante o organismo como suspendeu temporariamente as contribuições financeiras. O governo também não levantou o tom de voz diante de ataques frontais desferidos pelo Equador e a Venezuela contra uma das instâncias que mais lutou pelo respeito aos direitos humanos na América Latina durante os sombrios anos de ditadura militar.
        Não há dúvidas que a política externa precisa ser mais e melhor discutida. Mas, para isso, é necessário que haja informação sobre as posições internacionais do país e canais regulares abertos. Passos tímidos foram dados, apesar da Lei de Acesso a Informação já vigorar há nove meses, por exemplo.
        Em espaços multilaterais como o Conselho de Direitos Humanos da ONU -que contará com a presença do ministro Patriota na sessão que se inicia segunda e marca a volta do Brasil ao órgão como membro-, espera-se uma liderança responsável do Brasil. Em Cuba ou nos EUA, no Haiti ou no Paraguai, a presidente deve falar não apenas de comércio e ciência quando realiza uma visita oficial, mas também da importância de que todos os países do globo defendam de maneira intransigente os direitos humanos em seus próprios territórios e fora deles.
        Não por se tratar de uma opção pessoal da presidente, mas porque ela está a serviço de uma Constituição -que, em seu artigo 4, inciso II, determina a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais.
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        Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

          JOSÉ PIMENTEL
          Competitividade federativa
          O Congresso, em 2013, deve dar bons passos na distribuição justa de recursos entre os entes federativos. É preciso que todos sejam solidários neste caminho
          As questões relacionadas ao pacto federativo são naturalmente sensíveis e potencialmente indutoras de grandes disputas. Mas é dado o momento em que a unidade nacional deve prevalecer sobre os demais interesses.
          É legítimo que nenhum Estado ou município aceite qualquer perda de receita. Mas é preciso desarmar os espíritos para que possamos construir o novo -algo que traga benefícios para todos, tornando mais justa a distribuição de recursos públicos e a atração de investimento privado.
          Refiro-me à definição dos critérios para distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE), ao ICMS com alíquota única de 4% nas operações interestaduais e às decisões sobre a distribuição e aplicação de recursos provenientes dos royalties do petróleo.
          Há mais de 15 anos se ouve falar da necessidade de realizar uma ampla reforma tributária, envolvendo União, Estados e municípios. Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou proposta ao Congresso, mas, devido à resistência dos Estados, a emenda constitucional 42 reformou apenas os aspectos tributários federais. E essa mudança foi essencial para o país! O maior exemplo é o Simples Nacional, que já congrega mais de 7 milhões de micro e pequenas empresas, além de 2,7 milhões de empreendedores individuais.
          Agora, vivemos uma efervescência. A presidenta Dilma Rousseff resolveu enfrentar os problemas federativos, um a um, mas sempre com o olhar voltado para a justiça tributária, o equilíbrio fiscal e as novas oportunidades que se abrem para o desenvolvimento local, regional e de todo o país.
          No ano passado, resolvemos a disputa dos Estados pela importação de mercadorias em seus portos -uma prática danosa ao conjunto da federação. Também aprovamos no Senado a proposta de emenda constitucional que modifica a forma de tributação do comércio eletrônico para permitir que parte do ICMS seja devido ao Estado de destino da mercadoria.
          É inegável que estamos avançando, mas 2013 nos reserva passos maiores. De imediato, o Senado debate a proposta de alíquota única de 4% de ICMS nas operações comerciais e prestações entre estados, numa transição prevista até 2025. Estamos criando dois fundos importantes: um deles para compensar as unidades da federação que registrarem perda de recursos, com previsão de repasse de até R$ 8 bilhões anuais. O outro é o fundo de desenvolvimento regional, com investimentos estimados em R$ 294 bilhões, em 20 anos, por meio de créditos bancários e transferências aos Estados e ao Distrito Federal.
          Com isso, pretende-se estabelecer uma nova fórmula de desenvolvimento para as cinco regiões. É importante lembrar que os estados permanecem com sua autonomia para definir a alíquota interna de ICMS.
          Também estão na ordem do dia os novos critérios de distribuição dos recursos do FPE, cuja aprovação deve ocorrer até junho. Quanto aos royalties do petróleo, precisamos votar a vinculação de recursos para a educação e equacionar o problema que envolve estados confrontantes e não confrontantes.
          Somos uma federação onde todos os Estados e municípios devem compartilhar os frutos do desenvolvimento econômico e social. Mas para serem competitivos, é preciso retirar os obstáculos e caminhar de forma harmônica, solidária e empreendedora.
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          Kenneth Maxwell

          folha de são paulo

          'Black sites'
          O Open Society Institute, estabelecido pelo investidor e filantropo George Soros para "promover os direitos humanos e o governo democrático", agora tem alcance mundial e acaba de publicar um relatório assustador sobre as atividades secretas de detenção e extradição não judicial da Agência Central de Inteligência (CIA), desde os ataques terroristas aos EUA em 11 de setembro de 2001.
          O relatório "Globalizing Torture" é um estudo detalhado e bem documentado sobre aquilo que o ex-vice-presidente americano, Dick Cheney, descreveu como "o lado escuro", no qual, como ele disse, "temos de viver nas sombras do mundo da inteligência".
          Depois do 11 de Setembro, a CIA realizou detenções secretas, e terroristas foram encarcerados em prisões da agência, conhecidas como "black sites", fora dos EUA. Nelas, eram usadas as chamadas "técnicas amplificadas de interrogatório", que envolviam tortura e outros abusos. A CIA também recorria a extradições não judiciais a fim de transferir prisioneiros, sem processo judicial, para prisão e interrogatório em outros países, bem como para a penitenciária administrada pelo Departamento de Defesa americano em Guantánamo. O presidente Teddy Roosevelt, em 1903, adquiriu a base naval de Guantánamo, em Cuba, para os EUA, em caráter perpétuo.
          O relatório do Open Society identifica o envolvimento de 54 outros países, alguns dos quais abrigaram prisões da CIA nas quais detentos foram interrogados e torturados. O estudo oferece detalhes sobre 136 casos individuais.
          Portugal é um dos países mencionados, por ter permitido o uso de seu espaço aéreo e de aeroportos para voos associados à CIA. Em 2007, um relatório do Parlamento Europeu mencionava 91 escalas em Portugal, em viagens de e para Guantánamo.
          Mas Portugal não estava sozinho. E nem foi o pior caso. O "Washington Post" publicou um mapa no qual todos os países envolvidos estão delineados em vermelho.
          Excetuada a baía de Guantánamo, a América Latina é notável pela ausência. Greg Grandin, professor de história na Universidade de Nova York, atribui o fato à amarga experiência da América Latina depois do apoio da CIA ao golpe na Guatemala em 1952 e ao consórcio terrorista transnacional da Operação Condor, nos anos 70 e 80, que fez da América Latina o protótipo para a guerra ao terrorismo que Washington empreendeu no século 21.
          Mas também agiu como antídoto. Grandin diz que o governo Lula rejeitou "múltiplas" solicitações de Washington para que o Brasil recebesse prisioneiros libertados de Guantánamo. E aponta que Dilma Rousseff foi vítima de tortura pelo regime militar do Brasil, nos anos 70.
          KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
          Tradução de PAULO MIGLIACCI

            Paula Cesarino Costa

            folha de são paulo

            Vigiar é preciso
            RIO DE JANEIRO - Quando, em 2010, foi questionado sobre o excesso de viagens nos primeiros anos de governo (tinha viajado mais do que o presidente Lula!), Sérgio Cabral disse que suas idas ao exterior eram positivas para o Estado e que não deixaria de fazê-las. "Viajo muito e vou continuar a viajar. Cada viagem é uma Copa [do Mundo], uma Olimpíada, é um projeto que a gente traz. A gente trabalha muito quando viaja", argumentou o governador.
            Em Paris, assessores foram fotografados ao lado de empresários com guardanapos na cabeça. A assessoria só admitiu que a viagem havia durado cinco dias, e não dois, como informara anteriormente, após ser questionada pela Folha. "Essa viagem serviu para melhorar a imagem do Rio lá fora. Internacionalmente, a cidade tinha uma imagem de decadência, e nós revertemos isso", justificou.
            Revelada a mentira, Cabral foi evasivo: "Nosso governo é de transparência e eficiência. Está tudo claramente divulgado na transparência fiscal".
            Onde fica a transparência de um governo que omite 35 dias no exterior ao prestar esclarecimentos sobre as viagens internacionais? Compromissos internacionais, por si sós, não são bons nem ruins. O saldo que produzem é que deve ser analisado.
            Folha revelou que, em seu primeiro mandato, Cabral ficou pelo menos 134 dias no exterior, apesar de, em maio de 2012, sua assessoria ter informado que passara 99 dias ausente do país. No segundo, trocou as diárias que podiam ser fiscalizadas pelo uso de cartões de crédito corporativos. Seguindo padrão do governo federal, o Rio classificou os documentos que detalham as despesas com cartões como "reservados" e poderá mantê-los em sigilo por cinco anos. Não vai divulgar nem o quanto foi gasto, como faz a Presidência.
            Em tempos de WikiLeaks, Cabral deveria refletir o que significa omitir ou dificultar o acesso a informações.
            Vigiar é preciso. Viajar, nem tanto.

              Eliane Cantanhêde

              folha de são paulo

              'Apenas um começo'
              BRASÍLIA - Cercada pelo PMDB (Temer, Renan e Henrique Alves), e isso certamente não foi por acaso, Dilma Rousseff lançou o slogan de sua campanha à reeleição ao anunciar, na terça, mais uma ampliação do Bolsa Família: "O fim da miséria é apenas um começo".
              Com essa única frase, brilhante síntese de política e marketing, ela definiu o eixo da sua estratégia para manter a cadeira no Planalto.
              Desde o fim da ditadura militar, em 1985, o Brasil vem construindo coletivamente -apesar dos sucessivos protagonistas- os seus principais pilares: democracia, estabilidade econômica e inclusão social.
              Dilma (ou seria João Santana?) sabe que a inclusão, marca da campanha de 2010, pode já não dar para o gasto em 2014. Por isso, avisa que acabar com a miséria é "apenas um começo" e deixa implícito o recado: falta muito e é importante que ela continue o trabalho "do povo, para o povo, pelo povo", como firmou a cartilha lançada pelo PT ontem.
              O discurso de Dilma está pronto. O resto, Lula, o PT e o mesmo Santana fazem. E eles sabem fazer, como se viu pela organização da festança em São Paulo pelos 33 anos do partido e os dez de poder, com o mito Lula, a candidata Dilma e comparações convenientes com o adversário que eles, talvez equivocada ou precipitadamente, sempre veem pela frente: o PSDB.
              O tucano Aécio Neves foi obrigado a sair da toca e ler um discurso incisivo no plenário do Senado, alfinetando as contradições do PT, recriminando comparações de "conjunturas diversas" e apontando 13 "fracassos" do governo Dilma.
              É assim que as campanhas presidenciais começam cada vez mais cedo, agora com mais de ano e meio de antecedência e com uma diferença monumental -de recursos, de exércitos, de tropas e de repercussão.
              A fala de Dilma foi em São Paulo, com Lula, o PT, os aliados e, repetindo, um marketing impecável. A de Aécio foi em Brasília e isolada.

                Rogério Gentile

                folha de são paulo

                Chave de braço
                SÃO PAULO - Fernando Haddad mal assumiu a Prefeitura de São Paulo e já enfrenta um delicado problema na Câmara Municipal que pode tumultuar o início do seu mandato. O problema tem mais de 100 kg, é forte como um touro e não gosta de perder. Seu nome é Aurélio Fernandez Miguel.
                Aurélio Miguel tornou-se conhecido em 1988, quando ganhou a única medalha de ouro do Brasil na Olimpíada de Seul. Com os braços erguidos, joelhos no tatame e sorriso contagiante, o judoca virou herói nacional. Retornou ao país um dia antes de Ulysses Guimarães promulgar a Constituição e fez questão de relacionar as coisas, quem sabe já pensando no futuro. Discurso ensaiado, afirmou que a medalha de ouro era a sua "contribuição à soberania do povo brasileiro".
                Nos anos seguintes, acusou um dirigente de surrupiar dólares de atletas, reclamou da seriedade dos políticos e correu ao lado de Collor no famoso dia do verde e amarelo, quando o então presidente convocou a população a apoiá-lo nas ruas vestindo as cores da bandeira, mas os manifestantes pelo país preferiram o preto do impeachment.
                O judoca acabou na política, elegendo-se vereador em São Paulo pelas mãos de Valdemar Costa Neto, aquele mesmo condenado no julgamento do mensalão.
                Em seu terceiro mandato na Câmara, Miguel teve seu sigilo bancário quebrado pela Justiça. É suspeito de ter recebido mais de R$ 1,1 milhão para não revelar irregularidades encontradas em shoppings por uma CPI que ele presidiu. O vereador nega.
                Miguel pode tumultuar a vida do prefeito na Câmara justamente porque quer a sua ajuda para evitar a abertura de um processo de cassação contra ele. Seu argumento, em tom de ameaça, é um só: diz que não comandou sozinho a CPI. O relator da investigação foi o vereador Antonio Donato (PT), hoje secretário de Governo de Haddad. O prefeito vai sucumbir à chave de braço do judoca?

                Editoriais FolhaSP

                folha de são paulo

                A ciranda da Caixa
                CEF consegue expandir lucro e crédito sem enfrentar um aumento da inadimplência, como era temido, mas ainda se vale de aportes do Tesouro
                A Caixa Econômica Federal teve em 2012 lucro de R$ 6,1 bilhões, 17,1% acima do registrado no ano anterior. Esse resultado deriva em boa parte do crescimento de 42% em seus empréstimos, que somaram R$ 353,7 bilhões.
                Com isso, a CEF se destacou num ano caracterizado pelo baixo crescimento dos bancos privados: Bradesco, Itaú e Santander tiveram aumento inferior a 10%, em média, nas suas carteiras de crédito.
                A expansão da Caixa reflete a decisão do governo de usar a instituição e o Banco do Brasil para aumentar a concorrência no sistema financeiro. O BB já era forte em crédito agrícola, pessoal e empresarial, e a CEF se concentrava no segmento imobiliário, mas cresce agora em todas as modalidades.
                Por enquanto, a inadimplência permanece baixa, na casa de 2% (nos bancos privados, a média passa de 5%). É normal que os calotes sejam mais raros enquanto o volume de financiamentos cresce aceleradamente. Os tomadores de novos empréstimos, desde que estes sejam concedidos com o mínimo de critério, são os que têm menor probabilidade de enfrentar dificuldades para manter os pagamentos em dia.
                Outra vantagem da CEF decorre do peso do crédito imobiliário em sua carteira, que avançou 34% em 2012 e chegou a R$ 205,8 bilhões em dezembro.
                Esses financiamentos costumam ser realizados com recursos da poupança e do FGTS, ambos com taxas subsidiadas, suportáveis pelo consumidor. Um surto de inadimplência ocorreria apenas em um cenário de recessão, que resultasse em aumento do desemprego -o oposto do que se observa hoje no mercado de trabalho.
                Mesmo assim, recomenda-se cautela. A fixação no crescimento acelerado convida a afrouxar padrões na oferta de crédito e a decisões de investimento mais arriscadas -a perda de R$ 170 milhões com a compra do Banco PanAmericano em 2012 é um caso notório.
                Não se deve esquecer que o ritmo de crescimento da Caixa só foi possível porque ela recebeu aportes de capital do Tesouro, com juros subsidiados, que chegaram a R$ 22 bilhões. Aí se incluem R$ 5,4 bilhões em ações de empresas -algumas de qualidade duvidosa- antes detidas pelo BNDES.
                Tais reforços ajudam a impulsionar o lucro, pois o aumento de capital permite conceder mais empréstimos. Desde 2008, o Tesouro já injetou cerca de R$ 350 bilhões no BNDES, no BB e na CEF.
                É como uma pirâmide: o Tesouro emite dívida e repassa os papéis aos bancos públicos, que podem com isso emprestar mais. Mas, se houver inadimplência, o contribuinte é quem bancará o prejuízo.


                  EDITORIAIS
                  editoriais@uol.com.br
                  O ouro do campeão
                  Quem acompanha ocasionalmente campeonatos olímpicos de judô sem dúvida já terá experimentado a sensação de não conseguir acompanhar, devido à rapidez dos golpes e à proximidade física entre os contendores, como se deu exatamente o lance que determinou o desfecho do combate.
                  Devendo sua eleição para a Câmara Municipal de São Paulo, em boa parte, à popularidade conquistada como campeão olímpico, o vereador Aurélio Miguel (PR) parece dever o ouro que acumulou em sua conta bancária a movimentos ainda mais difíceis de entender.
                  Uma lancha e 17 automóveis são a parte menos notável do seu patrimônio. Há também 25 imóveis, no valor estimado de R$ 25 milhões, em seu nome ou nos de suas duas empresas -a Aurélio Miguel Administração de Bens e a Inter Sports.
                  Apesar de vultosa, a fortuna do vereador ainda poderia passar sem grandes reparos, não fosse o fato de sua súbita multiplicação. Como revelou esta Folha, Aurélio Miguel possuía apenas R$ 1,4 milhão em bens (nos valores de hoje) quando foi eleito pela primeira vez à Câmara Municipal, em 2004.
                  Sua riqueza é mais de 15 vezes maior agora. O crescimento se tornou especialmente expressivo a partir dos anos 2008 e 2009, quando Aurélio Miguel foi presidente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal.
                  Ele é acusado de ter omitido irregularidades em shopping centers no documento final dessa CPI (que teve como relator o petista Antonio Donato, atual secretário de Governo do prefeito Fernando Haddad). Segundo testemunhas ouvidas pelo Ministério Público, Aurélio Miguel recebeu propinas em dinheiro vivo em troca dessa omissão.
                  As denúncias coincidem com o fato de que pelo menos oito dos imóveis acrescentados ao portfólio do vereador após 2008 foram pagos em espécie. Em uma nota, Aurélio Miguel nega essa informação e diz que as aquisições foram feitas por meio de transações bancárias, com recursos provenientes de seu patrimônio.
                  Segundo o Ministério Público, seriam compatíveis com os rendimentos de Aurélio Miguel apenas os imóveis que declarou em seu próprio nome à Receita -metade dos quais, entretanto, omitiu em relatório à Justiça Eleitoral. Outros 13 imóveis, além disso, estão em nome de suas empresas -e atraem as suspeitas das autoridades.
                  Com os sigilos bancário e fiscal agora quebrados pela Justiça e sob ameaça de cassação, o ex-judoca terá de fornecer explicações mais detalhadas sobre as manobras em que se envolveu longe do tatame.

                    Parceiros de Chico Buarque, Francis Hime e Guinga lançam CD juntos

                    folha de são paulo

                    CAROS AMIGOS
                    LUCAS NOBILEENVIADO ESPECIAL AO RIOUma parceria pode levar tempo para sair do papel. Às vezes, quase 40 anos, como é o caso da de Francis Hime, 73, com Guinga, 62, que lançam na próxima segunda-feira o disco "Francis e Guinga" em show no Theatro Net Rio.
                    O álbum, que reúne temas já gravados e inéditas, será apresentado em São Paulo ainda no primeiro semestre.
                    Foi no fim de 1975 que os dois se conheceram.
                    Guinga foi convidado de última hora por seu parceiro Paulo César Pinheiro para gravar violão na valsa "Ai Quem Me Dera", composta por Vinicius de Moraes para o disco "O Canto das Três Raças", de Clara Nunes.
                    "Eu nunca li cifra. O Francis, que cuidava dos arranjos, me chamou num canto e me passou os acordes. Nós nos encontramos ali, mas eu já conhecia a obra dele de antes", lembra Guinga.
                    "De antes", entenda-se 1964, quando Hime lançou seu primeiro disco, "Os Seis em Ponto". O álbum traz parceria com Vinicius de Moraes em "Sem Mais Adeus". Foi o atestado de que deveria largar a carreira de engenheiro.
                    O tempo passou e ambos se estabeleceram como dois dos principais compositores da música popular brasileira.
                    Hime lançou mais de 20 discos, fez arranjos para nomes consagrados e compôs com Chico Buarque, Ruy Guerra, Paulo César Pinheiro e Edu Lobo, entre outros.
                    Já Guinga teve como principais parceiros Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc. Seus temas foram gravados por gente como Elis Regina, Cauby Peixoto, MPB4, Leila Pinheiro. Compôs, ainda, uma canção com Chico Buarque: "Você, Você".
                    "Essa música entraria no disco, mas ficou de fora. Precisaríamos de um álbum duplo", conta Hime. "O Chico podia ficar com inveja, achar que eu estava roubando o parceiro dele", brinca Guinga.
                    EMENDAS
                    O repertório de "Francis e Guinga" traz interpretações apenas dos dois, sem banda.
                    Na lista, "Mar de Maracanã" (Guinga e Edu Kneip), "Saudade de Amar" (Francis e Vinicius) e as inéditas "A Ver Navios" (Guinga, Francis e Olivia Hime) e "Doentia" (dos dois com Thiago Amud).
                    "No 'Bem Amigos', Francis e Olivia tocaram 'Saudade de Amar', que eu não conhecia. Passei a madrugada ouvindo a música", diz Guinga. "'Mar de Maracanã' não ficou atrás. Não tirei a faixa da vitrola", conta Hime.
                    No restante do álbum é que aparece o diferencial: músicas em dupla, uma de cada compositor, emendadas.
                    Nessa linha estão os pares "Cambono" (inédita de Guinga com Amud) e "Anoiteceu" (Francis e Vinicius), "Nem Mais um Pio" (Guinga e Sérgio Natureza) e "Passaredo" (Francis e Chico), "A Noiva da Cidade" (Francis e Chico) e "Senhorinha" (Guinga e Paulo César Pinheiro).
                    Ainda há espaço para "Saci" (Guinga e Pinheiro) e "Parintintim" (Francis e Olivia), "Porto de Araújo" (Guinga e Pinheiro) e "Desacalanto" (Francis e Olivia) e "Noturna" (Guinga e Pinheiro) e "Minha" (Francis e Ruy Guerra).
                    "As emendas foram feitas pelo Francis. Ele é o rei das introduções. Para mim, a introdução de 'Passaredo' é a mais bonita da música brasileira", diz Guinga.

                      Hime faz concertos e ópera; Guinga terá inéditas lançadas
                      DO ENVIADO AO RIOSe o projeto de gravar um disco em dupla surgiu sem muito planejamento -Guinga e Francis Hime acertaram os ponteiros dentro de um ônibus no aeroporto-, os trabalhos individuais dos compositores são mais programados.
                      Depois do show da próxima segunda, Hime segue com sua mulher, Olivia, para a Europa, onde farão 12 apresentações de "Almamúsica", seu álbum mais recente.
                      Além deste espetáculo, não faltam projetos para o pianista. Hime ainda aguarda patrocínio para lançar uma ópera que fez tendo o futebol como enredo, e planeja um show e um disco em homenagem ao centenário de Vinicius de Moraes.
                      Nas incursões pela música erudita, ele terá seu "Concerto para Violino e Orquestra" interpretado pela Osesp no fim do ano, com Cláudio Cruz como solista e regência de Isaac Karabtchevsky.
                      Finalizou um "Concerto para Harpa e Orquestra", ainda sem prazo de estreia, com Cristina Braga como solista.
                      "Também vou escrever um concerto para clarinete e orquestra, para o Cristiano Alves tocar", diz Hime.
                      Já Guinga, que em 2012 lançou disco com o Quinteto Villa-Lobos interpretando sua obra, seguirá fazendo shows no Brasil e no exterior, além de ter como principal projeto gravar um álbum só de voz e violão.
                      "Preciso gravar um disco sozinho, para a música ir do jeito que foi feita, a palo seco, nua a crua."
                      Ele ainda terá um disco com temas inéditos seus em parceria com Paulo César Pinheiro gravados por Mônica Salmaso, com previsão de lançamento para o segundo semestre deste ano.


                        RAIO-X - FRANCIS HIME
                        VIDA
                        Nasceu em 31.ago.1939, no Rio. Estudou piano desde os seis anos. Formou-se em engenharia, mas abandonou a carreira ao compor com Vinicius de Moraes
                        CARREIRA
                        Além de parceiro de Vinicius, Chico e Edu Lobo, entre outros, é arranjador e autor de trilhas para filmes, como "A Estrela Sobe" (1974) e "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976)


                        RAIO-X - GUINGA
                        VIDA
                        Carlos Althier de Souza Lemos Escobar nasceu em 10.jun.1950, no Rio. Autodidata do violão, formou-se em odontologia e trabalhou como dentista até os anos 1990
                        CARREIRA
                        Parceiro de Chico Buarque, Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc, teve músicas gravadas por Elis Regina, Cauby Peixoto, MPB4, Leila Pinheiro e Lenine.


                        CRÍTICA / MPB
                        Disco dá vontade de garimpar suas músicas na voz de outros cantores
                        THALES DE MENEZESEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"A primeira coisa que pode ser dita sobre o encontro musical de Francis Hime e Guinga é que demorou. Dois compositores com tantas afinidades poderiam ter encarado projeto conjunto há tempos.
                        Gravado em atitude despojada, só os dois com suas vozes, o piano de um e o violão do outro, "Francis e Guinga" acaba expondo qualidades e escancarando deslizes.
                        Nada a dizer do repertório. Talvez alguns torçam o nariz à ideia de gravar, na maioria das faixas, as canções em pares. Uma de Hime e outra de Guinga, unidas por trechos instrumentais. Às vezes funciona; às vezes, nem tanto.
                        Das três inéditas, a que mais instiga é "A Ver Navios", parceria dos dois com letra de Olivia Hime. "Cambono" e "Doentia", as outras novas, são bonitas, mas sem chance de figurar em antologias.
                        Há passagens lindas de letra e harmonia aqui e ali. Afinal, as parcerias são superlativas: Chico Buarque, Vinicius, Paulo César Pinheiro...
                        Mas tudo fica comprometido pelos vocais. Este mesmo disco, com bons cantores convidados, seria mais agradável. A audição do álbum, a partir da quarta ou quinta música, passa a exigir bastante do ouvinte.
                        São compositores que não têm voz para as canções nada simplórias que criam. "Francis e Guinga" dá vontade de garimpar suas belas músicas em CDs de outros intérpretes.

                          José Simão

                          folha de são paulo

                          Uau! Naddad lança Bilhete Úmido!
                          Jogo de xadrez para crianças devia vir com um aviso: "Cuidado com o Bispo!"
                          BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pensamento do dia: eleição no Vaticano é conclave, eleição no congresso é conchavo! E na Venezuela, conchávez! E no condomínio, confusão! E prometo ficar um ano sem fazer trocadilho! Rarará!
                          E socuerro! Todos Para o Abrigo! Ontem rolou um datena de novo. Temporal! Em São Paulo não tá mais chovendo granizo, tá chovendo granito! E aquela oficina que aproveitou a oportunidade e estendeu a faixa: "Chuva de granizo? Disk Martelinho". Rarará!
                          E os dois "não pode" das enchentes: 1) Não pode sair de carro, senão a capota aparece boiando no Datena. 2) Não pode chapinha. Isso! Devido a temporada das chuvas, as chapinhas estão suspensas! Uma amiga saiu de chapinha e voltou com o cabelo macarrão parafuso!
                          E o Haddad? Ops, o Naddad. O Naddad vai lançar o Bilhete Úmido! E rodízio de alagamentos! Não é justo castigar uma região só! E o Alckmin vai lançar Vela Para Todos! Para todos ficarem queimando vela subindo escada de edifício!
                          E em vez do Rodoanel, um Fluvioanel. Pra DESAFOGAR o trânsito literalmente! E capacete pra queda de árvores! E essas enchentes já estão enchendo!
                          E os papáveis? O papável africano conseguiu uma façanha: ser mais homofóbico que todos os papas juntos! E eu já disse que padre que transa com menor de idade não é pedofilia, é padrefolia!
                          Jogo de xadrez para crianças devia vir com um aviso: "Cuidado com o Bispo!". E sabe o que o padre
                          falou? "Coroinha não quero, prefiro os mais novinhos!" Rarará! Sacranagem!
                          E se o papa for brasileiro, o motorista do papamóvel vai ser o Rubinho! E se o papa for brasileiro, eu quero as baianas lavando as escadas da basílica de São Pedro! Lavagem de São Pedro! Com Carlinhos Brown e Olodum!
                          O papa tem que ser brasileiro! E eu não posso ser papa porque não tenho papas na língua! É mole? É mole, mas sobe!
                          O Brasil é Lúdico! Cartaz num banheiro em Curitiba: "WC de funcionários! OCULPADO!". Rarará! E cartaz na academia do Círculo Militar: "Quem não guardar os pesos é corno". Oba! Vou colocar uma dessas na academia do prédio! E adorei esta na porta duma casa em Minas: "FRANGRO ASSADO!". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
                          Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

                            Keila Jimenez

                            folha de são paulo

                            BBC planeja produzir no Brasil e investir em estúdios
                            A rede britânica BBC pretende aumentar sua estrutura no Brasil e deve, em breve, investir em produções nacionais e na construção de estúdios no país.
                            Segundo fontes ligadas ao canal, a rede chegou a negociar no ano passado uma parceria com a brasileira Globosat na concepção da programação de seu novo canal em alta definição, o BBC HD.
                            Incompatibilidades com relação ao rumo que o conteúdo do canal deveria tomar inviabilizaram o negócio.
                            A BBC, no entanto, estreou a BBC HD na metade do ano passado, e ainda mantém planos de expandir os seus negócios no Brasil.
                            Folha apurou com dirigentes de TV paga que a BBC, que já tem um pequeno escritório no país, pretende aumentar essa estrutura, construir estúdios e até produzir programas por aqui.
                            O grupo busca também coproduções para atender à lei que determina cotas de conteúdo nacional na TV paga.
                            Ainda em fase inicial de desenvolvimento, os projetos estão, por enquanto, restritos a documentários, que deverão estrear por volta de 2014.
                            A coprodução será feita através da BBC Worldwide, braço comercial do canal BBC britânico, que mantém a BBC HD, disponível apenas na operadora Net.
                            Procurada, a BBC não comentou o assunto.
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                            MORTO-VIVO Miguel Falabella e Mart'nália tiram a maior onda nos bastidores das gravações da série "Pé na Cova" (Globo), em cena que irá ao ar hoje
                            Ritmo O SBT inicia no dia 25 de março as primeiras gravações do remake da novela "Chiquititas". Já há quatro cenários montados para o folhetim, que já tem o seu elenco infantil completo.
                            Reunião A Record realizará em março uma convenção reunindo todas as suas afiliadas regionais e os dirigentes do canal. Na pauta está o planejamento para 2013.
                            Firme Sai Ana Hickmann do domingo, estica e puxa o "Programa do Gugu". Ainda assim a Record sofre para recuperar a audiência na faixa do programa de Eliana, do SBT.
                            Firme 2 Desde maio, a atração de Eliana está em segundo lugar em audiência na média mensal no horário. Em alguns meses, Eliana venceu. Em outros, empatou com a Record.
                            Infantil A produtora Mixer já começou sua nova série de animação nacional "Vivi Vira Vento". O desenho irá ao ar na TV Cultura e na Discovery Kids em 2014.
                            Retorno Em processo de renovação de contrato com a Band, Adriane Galisteu é nome que volta a circular no SBT. A loira andou conversando com Jassa, o cabelereiro e grande conselheiro de Silvio Santos, dono da emissora.
                            Retorno 2 De férias nos EUA, Silvio Santos não está só passeando. Foi visto conversando com artistas que gostaria de levar para o SBT brevemente e estaria ainda comprando formatos novos.
                            Eterno Ainda no SBT, a saída de "Chaves" da programação vespertina já está fazendo falta para a audiência.