segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Derrapadas - Eduardo Almeida Reis

Contratado pelo Real Madrid, James Rodríguez vinha sendo elogiado até atrasar uma bola de forma bisonha, que proporcionou um gol para o Rayo Valecano


Estado de Minas: 15/12/2014




Não se pode elogiar, mas é chato limitar nossos textos diários às críticas. Há pessoas e instituições que merecem elogios, o que não as livra das derrapagens profissionais. Veja-se o jogador James Rodríguez, colombiano de 23 anos, batizado James David Rodríguez Rubio. Prefere ser chamado de Jâmes em vez do Jêimes inglesado, hipótese em que seria Jêimes Dêivid, incompatível com a cidade de Cúcuta, onde nasceu. Capital e cidade mais populosa de Norte de Santander, 370 metros acima do nível do mar, Cúcuta pede bidês por motivos que minha educação me impede de explicitar.

Contratado pelo Real Madrid para atuar numa linha de atacantes que tem Cristiano Ronaldo, Karim Benzema e Gareth Bale servidos por ninguém menos que Toni Kroos, James Rodríguez vinha sendo elogiado pelos comentaristas esportivos até atrasar uma bola de forma bisonha, que proporcionou um gol para o Rayo Valecano, time de futebol do Bairro de Vallecas, em Madrid.

Locutores da ESPN dão a entender que o nome do bairro não deve ser falado. De repente, significa palavrão como cuca, que na Nicarágua é pênis. Não que o aparelho reprodutor externo masculino seja palavrão, mas dá margem a interpretações maliciosas naquele país se você disser que o fulano tem boa cuca ou cuca fresca. O certo é que a jogada de James foi de uma bisonhice indigna de jogador da Série D do péssimo futebol visto no Brasil em 2014.

Dia desses, caí na besteira de elogiar uma cronista muito badalada neste país grande e bobo. Não é a melhor, que os dois primeiros lugares já têm donas, mas pode disputar o terceiro posto. Eis senão quando, bumba!, a referida senhora publicou seu trabalho numa revista encartada em jornal de circulação nacional, crônica de uma pobreza e de um português de quem está com TPM, carente de boa cuca. Arrependi-me do elogio. Paciência.

Verdade


O jornalista Augusto Nunes dispensa apresentações. É das cabeças mais brilhantes e pensantes da mídia brasileira. Duas vezes, quando dirigiu jornais, ousados amigos comuns recomendaram ao então diretor, sem sucesso, meu modesto nome para cronicar em suas folhas. Não lhe quero mal e continuo admirando sua lucidez.

Vejo agora que às 14h26min do dia 08/11/2014, Augusto publicou o seguinte: “Jornalista cinco estrelas e escritor maior, Moacir Japiassu consegue tempo para brilhar como garimpeiro de imagens. Titular absoluto da seleção brasileira de jornalistas, Moacir Japiassu resolveu disputar uma vaga no time dos mais brilhantes romancistas. Dois ou três livros bastaram para garantir-lhe a posse vitalícia da camisa 10, a mais cobiçada pelo elenco de craques que mereciam apresentar-se para plateias de Fla-Flu em estádios padrão Fifa. Se o Brasil fosse menos parecido com Lula, aquele que acha leitura pior que exercício em esteira, até os índios de tribos isoladas já teriam lido pelo menos uma obra desse admirável domador de palavras que vive inventando enredos capazes de sequestrar a atenção de um bebê de colo. Ainda vou descobrir como esse meu amigo irrevogável arranja tempo para localizar e recolher fotografias que melhoram o fim de semana da coluna. Confira a mais recente remessa de Moacir Japiassu”.

Seguem-se as fotos, realmente da melhor supimpitude, que não tenho como publicar neste espaço, mas posso dizer que assino de cruz as palavras de Augusto, nascido em Taquaritinga (SP), no dia 26 de setembro de 1949, quatro vezes vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo, que tem a suprema honra de fazer parte da “lista negra” elaborada pelo vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice, o maior galardão midiático para homens de bem neste país grande e bobo.

Natalinas


Faltam 10 dias para o Natal. Sei que o clima natalino não congemina com certas verdades como falar mal do irmão de um amigo. Sou amigo do Jaeci Carvalho, que se diz amigo/irmão do locutor Carlos Eduardo dos Santos Galvão Bueno. Por isso, com as desculpas devidas ao Jaeci, constato que o Galvão é muito chato, insuportável como narrador de corridas de Fórmula 1 e de partidas de futebol. Presumo que em sua casa seja encantador, mas narrando é um castigo para o telespectador. Tenho dito.

O mundo é uma bola

15 de dezembro de 1640: João IV é coroado rei de Portugal na restauração do trono contra o domínio espanhol. Em 1896, Machado de Assis é proclamado primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Em 1959, criação da Sudene com o objetivo de promover o desenvolvimento dos estados do Nordeste brasileiro, depois estendido às regiões do chamado polígono das secas. O que se roubou em nome da Sudene nunca esteve no gibi. Em 1961, o incêndio no Gran Circus Norte-Americano, em Niterói (RJ), mata mais de 500 pessoas. Destacou-se na ocasião o trabalho do jovem cirurgião plástico Ivo Pitanguy, que foi para Niterói e operou dezenas de feridos. Em 1963, no Maracanã, um Fla-Flu registra o recorde mundial de público num jogo de futebol: 194.603 pessoas. Hoje é o Dia do Esperanto.

Ruminanças

“A canalhice do petista Cantalice explica, sem justificar, a ladroeira do governo que defende” (R. Manso Neto).

Entrevista - Luiza Erundina - 'Apoio ao PSDB foi absurdo e PSB está desfigurado'

Valor Econômico - 15/12/2014

'Apoio ao PSDB foi absurdo e PSB está desfigurado', diz Erundina

Por Fernando Taquari | De São Paulo
Com 177 mil votos, Luiza Erundina (PSB-SP) foi eleita neste ano para o quinto e último mandato à Câmara. Com 80 anos recém completados, a deputada diz que é preciso ter consciência dos limites ao justificar a decisão de abandonar as disputas a partir de 2018. Nos próximos quatro anos estabeleceu como prioridade trabalhar pela reforma política, por mudanças na comunicação social do país e na punição de violadores dos direitos humanos no regime militar.

A decisão de parar, ressalta, não significará um afastamento da política. Nordestina de Uiraúna (PB) e oriunda do movimento sindical, a ex-prefeita de São Paulo foi uma das primeiras mulheres a participar ativamente da política no país. Sem o mandato daqui a quatro anos, promete manter a militância e o engajamento no avanço de reformas estruturais que permitam os mesmos direitos de cidadania a todos os brasileiros.

Isolada no PSB desde a decisão do partido de apoiar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) no segundo turno da eleição presidencial, Erundina diz que não reconhece mais a legenda na qual se filiou em 1997, depois de deixar o PT por divergências internas. Segundo ela, o partido está desfigurado e distante de seus compromissos originais. "Faz um jogo que se confunde com a direita mais reacionária do Congresso ao mesmo tempo que diz que vai apoiar o governo Dilma em certas questões".

Com o mesmo rigor, afirma que a presidente Dilma Rousseff (PT) deixou a desejar em seu primeiro mandato ao governar de forma autoritária, centralizadora e sem diálogo com os movimentos sociais. Mesmo assim, rechaça as manifestações em favor do impeachment da petista e da volta dos militares ao poder. Sugere a Dilma que inclua a sociedade civil organizada como um terceiro interlocutor para não ficar dependente de uma base aliada fisiológica.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor.

Valor: O que motivou sua decisão de não disputar mais eleições?
Luiza Erundina: Já estou com bastante idade. Acho que a gente tem que ter consciência dos limites a partir de um certo momento da vida. Tudo tem começo e fim. Agora, o fato de eu não me candidatar mais não significa que vou me afastar da política.

Valor: Como assim?
Erundina: Posso atuar com como cidadã e assistente social. Essa foi minha origem. A questão da terra, por exemplo, está intocada. Não se avançou na reforma urbana. Vou manter o engajamento e a militância para garantir que reformas estruturais aconteçam. Nesses sentido entendo que não vou sair da política enquanto essas questões não estiverem resolvidas e dificilmente estarão no meu tempo de vida.

Valor: Quais serão suas prioridades nestes próximos quatro anos?
Erundina: Vou retomar questões que lido desde o primeiro mandato, em 1999, como a reforma política e a democratização da comunicações. Se não reformarmos a política de comunicação social do país mais distante estaremos das reformas estruturais. Tem que mudar o marco institucional. Ele está superado. O código brasileiro de telecomunicações é de 1962. Além disso, vou me dedicar ao resgate da verdade e da memória para que os crimes da ditadura militar não permaneçam impunes.

Valor: Como ex-perseguida política o que a senhora achou do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV)?
Erundina: O governo brasileiro continua em dívida com as vítimas da ditadura militar. Países como Argentina, Uruguai e Chile já tiveram suas comissões e hoje ex-presidentes e generais estão presos. Saímos com um relatório bastante mitigado, que sequer absorveu a proposta de revisão da Lei de Anistia. Não se descobriu um único desaparecido político. Quase não se avançou em nada do que já se sabia e tinha sido levantado por ONGs e familiares das vítimas. Além disso, a comissão funcionou de maneira fechada, o que gerou divergências entre os integrantes. Suas audiências não foram públicas de verdade. Os encontros com os acusados pelos crimes foram feitos em sua maioria de forma reservada, sem a presença das vítimas ou de familiares. Em resumo, a Comissão da Verdade não fez jus ao nome e ainda traiu os movimentos sociais.

Valor: Desde que foi eleita pela primeira vez à Câmara, em 1998, a senhora participou de diversas comissões sobre reforma política. Ela pode ser aprovada finalmente?
Erundina: No âmbito do Congresso não tenho expectativa. Em geral, os parlamentares fatiam a proposta, o que gera divergências sobre os mais variados temas, e não enfrentam o problema como um todo. Discutem remendos. O sistema, porém, continua carcomido. Os parlamentares não entendem ou não querem entender que a política faz parte de um sistema esgotado e obsoleto no que diz respeito às regras eleitorais, ao funcionamento dos partidos e do Estado e na relação entre poderes. Os desvios nas estatais por meio de financiamentos de campanha estão aí para provar que eles se dão por uma prática corrupta, viciada e nada republicana em que os partidos e as forças políticas são lenientes.

Valor: Qual seria a solução?
Erundina: Uma constituinte exclusiva seria o meio mais eficaz para fazer a reforma, com os constituintes eleitos só para essa finalidade. Isso daria uma legitimidade ao processo e uma condição que jamais se teve. Antes é preciso fazer plebiscito para ver se as pessoas concordam com a ideia. O projeto que apresentei com esse objetivo está engavetado.

Valor: Onde há resistência?
Erundina: Vem de cada parlamentar e de cada partido, inclusive, das legendas pequenas e de esquerda, que resistem ao fim das coligações proporcionais porque correm o risco de não terem uma cadeira, já que sozinhos muitas vezes não conseguem eleger um parlamentar.

"O PSB faz um jogo que se confunde com a direita mais reacionária e ao mesmo tempo diz que vai apoiar o governo"

Valor: O PSB foi aliado do governo petista, depois virou oposição e lançou candidatura própria e por fim a maior parte do partido se uniu ao PSDB no segundo da eleição presidencial. Qual deve ser o caminho daqui para frente?
Erundina: O PSB, primeiro, tem que voltar a ser socialista. Hoje, não é nada. Está completamente desfigurado e sem identidade pelos erros todos que cometeu. Não é aquele partido para o qual eu fui em 1997. Nas eleições fez concessões a segmentos conservadores. Agora, faz um jogo que se confunde com a direita mais reacionária do Congresso ao mesmo tempo que diz que vai apoiar o governo Dilma em certas questões. Essa dubiedade mostra que o PSB não tem um projeto para o país e, pior, está distante de se seus compromissos originais. Um partido não deve existir para disputar o poder a cada quatro anos, mas para propor soluções aos problemas estruturais do país.

Valor: Foi um erro ter candidato próprio?
Erundina: Fazia todo sentido ter candidatura própria, não necessariamente com o cálculo de vitória eleitoral. Eduardo Campos era uma liderança política carismática, reconhecida e preparada. Não fazia sentido também que Marina Silva não fosse candidata com o acidente, já que ela era a vice. Só que ela não é do PSB. Entrou no partido para se viabilizar como candidata. Mas não tinha os mesmos compromissos do PSB. Tinha em comum um programa que foi construído junto com o Eduardo Campos e com o partido de certa forma, mas na defesa desse programa ela não deu conta.

Valor: Como enxergou o apoio ao PSDB no segundo turno?
Erundina: Um absurdo. Por isso fiquei sem posição. Era melhor. O Campos dizia que deveríamos quebrar a polarização para ser a terceira força. Ao optar por um dos polos, você não só preserva a polarização, como fortalece um dos lados. O ideal era ter liberado os companheiros até pelas alianças regionais que foram feitas com PT e PSDB. Discordei da posição de Marina no segundo turno, especialmente da forma como se deu. Ela até colocou o emblema do outro candidato no peito.

Valor: A liderança de Campos faz falta neste momento?
Erundina: Sim, mas um partido, sobretudo com pretensões socialistas, não pode depender de uma única figura. Isso reforça o personalismo e o caciquismo. Um partido deve ser um espaço de discussão política que suscite o surgimento de outras lideranças, que dê oportunidades para que outros pessoas possam aparecer e disputar de forma legítima os espaços de poder. Estamos na contramão disso.

Valor: Como avalia o primeiro mandato da presidente Dilma?
Erundina: A impressão é que ela não tem gosto pelo jogo político democrático. A política é um jogo no bom sentido. É uma luta de interesses. O diálogo é importante não só com aliado, mas com a oposição. O que existe hoje é só barganha através de cargos, ministérios e emendas. Isso não ajuda a construir a cidadania política ao lado do povo. Dilma deixou a desejar, sobretudo em relação ao método de gestão. Ela governou de forma centralizada e autoritária. Com isso, comprometeu o avanço da organização da sociedade civil no exercício da política. Mas isso é um processo que já vem desde o governo Lula, que contribui para o esvaziamento do movimento sindical.

Valor: Como isso se deu?
Erundina: Lula, com seu carisma, tem trânsito e uma relação pessoal com os dirigentes sindicais. Quando presidente, eles sentavam na mesa e discutiam uma pauta, mas deixavam de lado aquilo que era fator de polêmica. A prova disso é programação do 1º de maio nos últimos anos. Virou uma grande festa, com shows caríssimos, sorteio de apartamentos e carros. Não se discutiu mais a sério questões como o fim do fator previdenciário para os aposentados. Mas onde estão as contradições da relação capital-trabalho? Não existem mais? Eu acho que existem. As grandes centrais estão nas mãos de uma elite sindical que não vai mais para porta de fábrica distribuir panfleto para ajudar o trabalhador a tomar consciência de sua força. Os sindicatos de base estão completamente esvaziados e sem respaldo para sua militância nas comissões de fábricas. Não contam com o mesmo ativismo do passado.

Valor: Para o ministro Gilberto Carvalho, o governo Lula teve mais diálogo com os movimento sociais na comparação com a gestão de Dilma. Concorda?
Erundina: Tinha mais abertura, mas não digo que os movimentos se fortaleceram. A forma como se dá esse relação não foi e não é autônoma e independente. Me lembro que quando a gente militava no PT, a preocupação era exatamente não confundir o movimento sindical com o governo e o partido. Dizíamos que o sindicato não podia ser correia de transmissão de nada. Sofri com isso quando fui prefeita. O movimento sindical, sobretudo da área de transporte, levou a ferro e fogo essa autonomia ao ponto de pressionar o governo a dar uma política salarial absolutamente inviável quando a gente já tinha garantido o diálogo com eles e melhorias salariais. Lula fez essa correia de transmissão no governo quando deveria mediar o debate entre o representante dos trabalhadores e os representantes dos patrões numa mesa de negociação. Cabe ao Estado mediar essa relação e não ser parte disso.

Valor: Como a senhora vê protestos que defendem o impeachment de Dilma ou volta dos militares?

Erundina: É um absurdo, fora de época. Não existe mais ambiente para isso, por mais que tenhamos crítica ao governo Dilma. A nossa incipiente democracia foi conquistada com perdas humanas. Além disso, a ditadura não acabou para muitos brasileiros. Ainda há resquícios, como torturas nas prisões e assassinatos de jovens nas periferias das grandes cidades. Essas manifestações mostram o atraso da nossa sociedade e o vazio dos partidos.

Principais ministérios (3): Meio Ambiente - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 15/12/2014


Compreender a importância do meio ambiente levará a mudanças para o melhor, na vida social e na economia

 
          Concluo a série de artigos sobre os ministérios do futuro. Hoje, seus titulares se sentam no fundão, durante as reuniões do governo. Mas em poucos anos essas pastas deverão, no Brasil e no mundo, se tornar as mais relevantes, pois que tratam de fins e metas da vida. Ainda vivemos num período tão marcado pela carência que ora salientamos as pastas econômicas coma as que melhor enfrentarão os gargalos na produção, ora os ministérios sociais como os melhores para resolver as falhas de nossa vida social: aqui, Fazenda, Planejamento, Indústria, Agricultura; ali, Justiça, Direitos Humanos, Igualdades. Mas se torna viável, pela primeira vez na história, extinguir a miséria e até a pobreza, bem como atingir a justiça. Podemos chegar aí em uma ou duas gerações. E depois?

Este futuro foi percebido pelo escritor Antonio Callado quando criticou a nomeação de Rubens Ricupero como ministro da Fazenda, em 1994. Ele foi o único a considerar a suposta promoção de Ricupero como um rebaixamento:

"Para mim, a notícia é melancólica. Volto com ela, a uma orfandade crônica, incurável, a floresta amazônica. Na opinião geral, Ricupero é uma espécie de homem público capaz de assumir com competência e trabalho sério qualquer função. O fato de um "cadre" dessa qualidade ter sido colocado num ministério feito para ele, sob medida, e intitulado da Amazônia e Meio-Ambiente era extremamente promissor. Nesta nossa trêfega República a existência da maior floresta do mundo não passa de um aborrecido problema: que se há de fazer de um matagal infindável, todo cortado de rios exagerados, pululante de índios, seringueiros, garimpeiros que lutam pela mesma terra, a qual, no fundo, já pertence à Supergasbrás, Bradesco, Matsubara, Lunardelli? O embaixador Ricupero dava a impressão de já haver mergulhado na tarefa difícil mas fascinante de tornar a Amazônia um problema compreensível. Talvez até solúvel. Em princípio me parece mais fácil, muito mais fácil, encontrar no Brasil um bom ministro da Fazenda -isto é, um bom administrador da inflação nacional- do que alguém capaz de afinal franquear aos brasileiros a verdadeira posse e fruição do esplêndido patrimônio que comoveu Humboldt e Euclides da Cunha e que temos tratado até agora como se fosse uma praga, uma enxaqueca." (Folha de S. Paulo, 2/4/1994).

Meio ambiente é um trunfo, não um ônus

Nesse artigo, só envelheceu a referência à inflação. Porque Callado constitui a Amazônia como mais do que um patrimônio estático, ou uma grande reserva a ser deixada intocada. Ela simboliza uma nova civilização. Pois há duas maneiras de considerar o meio-ambiente, uma defensiva, outra prospectiva. Uma coisa é defendê-lo, preservá-lo, protegê-lo - uma série de verbos que colocam a natureza como frágil, vulnerável, e nós, como seus tutores, seus guardiões. Outra é inverter os sinais: frágeis somos nós. Não sobreviveremos, seguindo o caminho atual. Jamais conseguiremos destruir a natureza. Mesmo que a temperatura do planeta suba vários graus, os prejudicados seremos nós, com cidades destruídas, com insumos essenciais à vida humana perturbados. Mas a natureza seguirá, mesmo modificada. Então, lembrando John Donne, os sinos não dobram por ela, mas por nós. Depois de destruirmos tantas espécies, é a nossa que está em risco.

Ainda melhor: a natureza é pródiga em recursos que ainda mal conhecemos. Precisa ser objeto de intensa pesquisa científica. O homem pode continuar a enriquecer, mas desde que saia da predação e entre num aprendizado que começa pela ciência. Daí, etapa seguinte, deveremos rever extração de minerais, agricultura, criação de animais, indústria, para não dizer comércio e serviços. Todo o modo como, em cinco milênios ou mais, a humanidade construiu a si mesma, num desrespeito crescente ao mundo natural, precisa ser revisto. O princípio de sustentabilidade é só uma parcela desta necessária autocrítica. Não é só respeitar a natureza: há também que conhecer suas riquezas. Isso significa mudar as matrizes de produção.

Estes anos, uma série de informações, algumas novas, outras já conhecidas dos cientistas, vieram a público, que estão mudando tudo. Uma nova concepção de ciência se fortalece, anti-predatória, avessa à separação radical de sujeito e objeto que data de Descartes e marcada por uma proximidade inédita entre ciências biológicas e humanas. E, com isso, uma revisão dos custos de produtos. O exemplo óbvio, que já lembrei aqui, é incluir a agressão à natureza no preço das mercadorias, o que há de encarecer o que gasta carbono (como carne e viagens aéreas) e baratear o que ofende menos a natureza. Tal mudança afetará nossos valores, modo de vida e economia.

A questão não é se estas mudanças acontecerão ou não. Vão acontecer. Causarão choro e ranger de dentes, mas a questão não é sim ou não: é como. Atrasos neste rumo só encarecerão o resultado final - que será positivo. O meio ambiente não é uma "liability", mas um "asset". Imaginemos uma nova civilização, talvez o "novo Renascimento" de que falava FHC (mas, no caso dele, pensando sobretudo na Internet) - quando a matriz produtiva for mais "nature-friendly", o lazer se tornar criativo com a ampliação do papel da cultura e nossa saúde melhorar com uma alimentação saudável e mais atividade física. Esta é a síntese de nossas três últimas colunas. É o que explica que a pasta do Meio Ambiente deva se tornar mais importante que as econômicas- porque a economia também dependerá deste projeto anti-Koyanisqattsi de um mundo em maior equilíbrio. Repito: o caminho é este. Recusá-lo é só retardá-lo.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras