segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Uísque II - Eduardo Almeida Reis

 Belo Horizonte, no Bairro do Barro Preto, rivalizou com a Escócia na galonagem de uísques produzidos


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 01/12/2014 



Na conversa de ontem, prometi falar do uísque em BH. Em março de 1910, Tancredo de Almeida Neves nasceu em São João del-Rei. Fez muito bem de nascer numa cidade que teve sua primeira câmara de vereadores funcionando na residência de um tetravô do philosopho, ali por volta de 1712.

Na inauguração da Siderúrgica Mendes Júnior, acho que Tancredo era governador de Minas. Antes do almoço em que foi festejada a inauguração, um garçom enluvado se aproximou de sua excelência com a bandeja, copos, balde de gelo, água de bolinhas e a garrafa de uísque Long John, um blended produzido na Escócia desde 1900 pela Ben Nevis Distillery. Deve seu nome a John MacDonald, mais conhecido como Long John, que teria nascido em Tolgulbin no ano de 1798.

Quando viu a garrafa de Long John, Tancredo fez que não com o indicador da mão direita, obrigando o motorista da diretoria da Siderúrgica, ao volante de um Opalão 6 cornetas, a bater todos os recordes de velocidade até ao supermercado de Juiz de Fora, ida e volta, para comprar dois litros de um uísque decente. Explicação: o Long John só vendia em Belo Horizonte, fato confirmado pelo distribuidor nacional da Seagram’s, no Rio, quando me disse que vendia 55 mil caixas/ano daquele uísque, 50 mil em Belo Horizonte e as restantes no Brasil inteiro.

Não contente com o gosto inexplicável pelo pavoroso Long John, Belo Horizonte, no Bairro do Barro Preto, rivalizou com a Escócia na galonagem de uísques produzidos. Ninguém sabe ao certo qual é o volume de uísque produzido por ano na Escócia, mas uma coisa é certa: no Barro Preto, bairro da Região Centro-Sul de Belo Horizonte, conhecido por abrigar a sede do Cruzeiro Esporte Clube, produzia-se muito mais por ano do que em toda a Escócia. Disso resultou uma geração de apreciadores do “uísque do Barro Preto”, gente que recusava escoceses legítimos de 12, 15, 18 e mais anos, porque uísque bom, mesmo, era o do Barro Preto.

Com o passar dos anos e a liberação das importações regulares, os supermercados belo-horizontinos começaram a vender uísques escoceses a preços ridículos, se comparados com os dos uísques contrabandeados. Felizmente, vosso philosopho tinha bem mais que 18 anos quando começou a comprar por 45 reais, em BH, um litro de White Horse. Tivesse 18, teria feito um quadro de cirrose.

Diabólico
Campeão mundial de paraquedismo, campeão europeu de luta greco-romana, ex-combatente em África, onde teve a cabeça “a prêmio” de 500 libras, exímio cavaleiro e atirador, meu saudoso amigo Manuel, açoriano da Ilha do Pico, sempre que gostava de algo dizia: “É diabólico”. Sem essa de insuportável ou terrível: diabólico no sentido de muito gostoso.

Vizinho de fazenda sul-mineira tocada por duas irmãs bonitas, solteiras, que montavam cavalos em pelo sem calcinhas ou sutiãs, usando vestidinhos baratos, meu amigo dizia: “Eu, pá, são as duas cousas de que mais gosto na vida, pá”. Mais não digo porque sou philosopho de uma pudicícia que encanta e comove. Só posso informar que fui apresentado às irmãs e imagino que, amadas, fossem mesmo da melhor supimpitude.

Gastei 123 palavras para contar ao leitor que venho de almoçar prato diabólico, receita simples que você pode fazer em casa na hipótese de gostar de cebola. São duas cebolas médias cortadas em rodelas finas e mergulhadas em cerveja durante meia hora. Aí, você joga fora a cerveja barata, passa as rodelas na farinha de trigo, frita em óleo de milho, seca, polvilha sal sobre o produto, senta-se à mesa, abre uma cerveja de boa qualidade e vai à luta, que ninguém é de ferro. Bom apetite!

O mundo é uma bola
1º de dezembro de 1577: Francis Walsingham recebe o título de cavaleiro. Claro que ninguém sabe quem foi o agraciado, mas a Wikipédia informa que Sir Francis nasceu em Scadbury Park, Chislehurst, Kent, no ano de 1530 e esticou as canelas em 1590, ocupou vários cargos públicos importantes na Inglaterra do século 16, mas é lembrado principalmente por ter sido o chefe da rede de espionagem da rainha Elizabeth I.

Em 1640, João, duque de Bragança, torna-se rei de Portugal depois de 60 anos de domínio espanhol. Em 1822, Pedro I é coroado imperador do Brasil. Em 1825, o czar Nicolau I sobe ao trono da Rússia após a morte de seu irmão, o czar Alexandre I. Em 1878, instalado na Casa Branca o primeiro telefone. Em 1887, Arthur Conan Doyle publica o primeiro romance em que aparece o detetive Sherlock Holmes. Em 1902, lançamento de Os Sertões, de Euclides da Cunha. Em 1913 é inaugurado em Pittsburgh, Estados Unidos, o primeiro posto de gasolina. Peço ao leitor que atente no seguinte fato: são decorridos somente 101 aninhos. Em 1929, para desgraça de Carlinhos Cachoeira, Edwin Lowe inventou o jogo do bingo. Tem gente que adora aquela chatura de jogo. Hoje é o Dia do Numismata.

Ruminanças
“Os pintores e os poetas sempre gozaram da mesma forma do poder de ousarem o que quisessem” (Horácio, 65-8 a.C.). 

Frutas inibem bactérias

Frutas inibem bactérias Pesquisa em andamento pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) mostra que é possível impedir a comunicação bacteriana com alimentos nativos brasileiras


Daniel Camargos
Estado de Minas: 01/12/2014




Mirtilo (Reprodução da internet)
Mirtilo


Comprar uma bandeja de morangos vistosos e vermelhos na feira, guardar na geladeira e dois dias depois, quando você pretendia comê-los, todos já estão moles e quase apodrecendo. Um estudo em andamento na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) busca evitar situações assim. A aluna de mestrado em saúde e nutrição da universidade Adeline Conceição Rodrigues desenvolve uma pesquisa chamada “Quorum quenching activity of native brazilian fruits”, que, em português, é “Atividade de inibição da comunicação bacteriana por frutas nativas brasileiras”.


Equipe de mestrado da Ufop com o professor Uelinton Pinto, que coordena os trabalhos
 (Ufop/divulgação)
Equipe de mestrado da Ufop com o professor Uelinton Pinto, que coordena os trabalhos

O professor do Departamento de Alimentos da Ufop Uelinton Pinto, que orienta a pesquisa, explica que as bactérias se comunicam por sinais químicos, em um processo denominado quorum sensing. Esse processo pode ser entendido como um senso de consciência coletiva. As bactérias esperam o momento certo para montar um ataque ao hospedeiro e causar uma doença, por exemplo. Essa comunicação ocorre quando elas estão em alta densidade celular e os fenótipos regulados são diversos e importantes, definindo a atividade bacteriana em diferentes hábitats, incluindo alimentos e o corpo humano.

Porém, vários alimentos têm moléculas com potencial de inibição da comunicação bacteriana e é esse o foco da pesquisa de Adeline. A mestranda, de 26 anos, é formada em nutrição pela Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFJVM) e explica que a ideia central de seu trabalho parte do conhecimento de que as bactérias se comunicam umas com as outras. “Quando é feita a comunicação, elas sabem o número de bactérias que há ali e se baseiam nisso para ligar os mecanismos que ativam o que elas causam”, detalha a mestranda.

PITANGA A comunicação entre as bactérias, segundo Adeline, é feita por sinais químicos e as substâncias encontradas em algumas frutas podem inibir essa comunicação. Com isso, são capazes de impedir os efeitos danosos das bactérias às frutas e até aos seres humanos.

A aplicabilidade mais plausível da pesquisa é controlar a deterioração das frutas, mas não é descartada a possibilidade de as substâncias poderem impedir doenças humanas. Por enquanto, os estudos já foram feitos com pitanga, acerola, morango vermelho e grumixama, fruta típica da região de Ouro Preto. Os resultados, segundo Adeline, são significantes. “A ideia é que a substância possa aderir nos biofilmes que envolvem os alimentos”, explica Adeline. Outra opção, segundo a mestranda, é ser usada em uma solução sanitizante, que possa matar as bactérias, e até ser usada em embalagens de iogurtes e frutas.

CONHEÇA

Alguns alimentos que apresentam moléculas com potencial de inibição da comunicação bacteriana

» Mirtilo
» Manjericão
» Extrato de alho
» Broto de feijão
» Flavonoides de frutas cítricas
» Extrato de brócolis
» Óleo de orégano
» Extrato de Romã
» Resveratrol (uva)
» Alho
» Fenólicos de gengibre
» Mel
» Camomila  

Os principais ministérios: Cultura - Renato Janine Ribeiro

VALOR ECONÔMICO - 01/12/2014



Os principais ministérios não são os econômicos, mas três com muito futuro: Cultura, Meio Ambiente e Atividade Física



Qualquer um sabe responder quais são os principais ministérios do governo federal - aliás, de qualquer governo no mundo atual. São os da área econômica.

Só que não.

Os ministérios que definem o futuro de um país, que deverão ser decisivos nos próximos anos, e em poucas décadas serão reconhecidos como os principais, são três: Cultura, Atividade Física (como eu chamaria a atual pasta dos Esportes) e Meio Ambiente.


A cultura é a educação livre e bagunçada


Essa tese parece tão insensata que precisa ser justificada. Começo pela Cultura; nas próximas colunas falarei das outras duas áreas. Mas um artigo de Antonio Callado pode ilustrar esta questão inteira: em abril de 1994, quando Rubens Ricupero deixou o Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal para assumir a Fazenda, Callado lamentou o que ele, só ele, chamou de rebaixamento: Ricupero deixava uma pasta que portava o futuro do mundo, para cuidar de algo sem a mesma relevância estratégica. É nesta linha que vamos argumentar.

É claro que a economia é decisiva para um país, um governo. Mas ela geralmente trata de meios, mais que de fins. O próprio nome de "infraestrutura", usado para agrupar algumas de suas pastas, já indica isso: infra, não super. O solo que pisamos, não o espaço entre zero e dois metros de altura em que nos movemos. Temos também ministérios para lidar com nossos déficits sociais, como saúde, direitos humanos, igualdade das mulheres e dos negros. Um dia que não deve demorar muito, a igualdade de direitos estará alcançada. Mas, desde já, há setores da administração que devem apontar fins - não de forma autoritária, vertical, mas fazendo a riqueza criativa da sociedade impactar a administração.

A cultura tem a ver com a educação. As duas pressupõem que o ser humano não nasce pronto, mas é continuamente construído pela descoberta dos segredos do mundo e pela invenção do novo. Na educação como na cultura, não há limite: sempre se pode descobrir ou inventar mais. Nada é tão crucial quanto elas para uma sociedade em mudança rápida, como a nossa.
A educação e a cultura, nas suas várias formas, fazem crescer a liberdade das pessoas. A cultura, já afirmei aqui, é a educação fora de ordem, livre e bagunçada. Para cursos, há currículos. Para a cultura, não. Um curso sobre a abolição da escravatura é educação, o filme "Lincoln" é cultura. Cada vez mais, a educação deverá se culturalizar: um, deixando de seguir currículos rígidos; dois, tornando-se prazerosa; três, criativa.

A Cultura deixará de ser o sobrinho menor da Educação. O próprio caráter imprevisível da ação cultural e a dificuldade de planejá-la fazem dela um dos modelos para o que deve ser a educação numa sociedade criativa. Deve-se conservar na educação um currículo norteador, que leve da infância à idade adulta. Mas para entender o mundo que hoje desponta é bom ter claro o seguinte: a educação não termina no último dia do ensino profissional ou do curso superior - nem nunca.
Alguns diplomas, como o de médico, até poderão ser concedidos com exigência de atualização, a cada tantos anos. Essa atualização será dada por cursos avaliados e fará parte da área da Educação. Mas além das atualizações obrigatórias, previstas em lei, será necessário - e demandado - um crescente leque de cursos abertos, sem definição profissional, que aumentarão incrivelmente a qualidade da vida dos alunos. Já temos iniciativas neste sentido, inclusive uma empresarial (a Casa do Saber), que têm dado certo. Enfatizo: esses cursos serão mais culturais, não estritamente educacionais. Para cada curso de atualização em genoma para profissionais de saúde, haverá dezenas sobre filmes de conflitos entre pais e filhos, de aprendizado com religiões distantes, de arte em videogames, destinados a cidadãos em geral, de qualquer profissão - e a lista não acaba.
A cultura é indutora de liberdade. Romances, filmes e mesmo novelas nos abrem para experiências com as quais, no mundinho em que cada um nasceu e cresce, nunca pudemos sonhar. (É inquietante como estamos voltando a viver em guetos; a própria dificuldade de tantos aceitarem que houve gente que votou diferente deles, na recente eleição, é sinal desse fechamento de cada grupo sobre si - o que pode limitar a capacidade de cada um se enriquecer com a compreensão do outro, do diferente).

Quem cresceu num meio limitado pode descobrir que o sentido de sua vida é a fotografia (como o jovem favelado que é o narrador do filme "Cidade de Deus"): um artista se revela. Ou um menino sensível, alvo de "bullying" na escola, descobre que é homossexual e que não está sozinho no mundo: um ser humano se liberta da ignorância que o prendia. Assim, a cultura aumenta seu próprio contingente - com a descoberta de novos artistas - mas, acima de tudo, amplia a liberdade humana.

Hoje, pela primeira vez na história mundial, cada um de nós pode efetuar a sintonia mais fina possível de sua vocação. Antigamente, cada pessoa vivia num pacote identitário: por exemplo, homem branco abonado, casado, filhos, advogado ou médico ou engenheiro. Tudo isso vinha junto. Hoje, as possibilidades se ampliaram muitíssimo. Há milhares de profissões. No limite, cada um cria a sua. Profissão, emprego, orientação sexual, estado civil, crenças políticas e religiosas, tudo isso se combina como um arco-íris felizmente enlouquecido. Ninguém é mais obrigado a se moldar a um pacote. Mas isso não é fácil, exige uma interminável descoberta de si e, por que não dizer, coragem pessoal. A cultura ajuda aqui, porque nenhum setor da aventura humana nos capacita tanto para, cada um de nós, descobrir sua diversidade única.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br