domingo, 15 de setembro de 2013

Conclave e Papa novo no Olimpo - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 15/09/2013

O historiador francês Patrick Clastres, pesquisador do movimento olímpico e da história cultural e política do esporte, costuma ser bastante crítico em relação ao Comitê Olímpico Internacional. Ele reconhece, contudo, que o posto de presidente da entidade é de uma complexidade sem paralelo em outra esfera mundial. "O cargo exige se equilibrar entre mais de 200 comitês olímpicos nacionais (dos quais dois terços funcionam em países pouco democráticos) e as poderosas federações internacionais de cada esporte", explica. E em recente entrevista ao diário "Libération", comparou: "Ser presidente do COI é praticar uma diplomacia de alta voltagem.
É um pouco como ser o Papa." Mesmo que se mantenha nosso doce Papa Francisco longe dessa temática, não deixa de ser verdade que o COI funciona um pouco como um conclave do Vaticano. Por razões diferentes, ambos preferem espaçar eleições.

Se nos últimos 120 anos o Colégio de Cardeais nomeou onze Papas, o Comitê Olímpico Internacional, no mesmo período, trocou de comando apenas nove vezes - a última delas, na terça-feira, com a eleição do alemão Thomas.

Bach, presidente do Comitê Olímpico Alemão e no seu terceiro mandato de vice-presidente do COI, conhece todos os bastidores e holofotes da entidade. É o primeiro atleta medalhista de ouro (florete por equipes, Montreal, 1976) a ocupar o posto.

Franco favorito entre os seis candidatos, não teve a vitória afetada sequer pela exibição de um documentário pouco amigável, na televisão alemã, poucos dias antes.

No documentário, Bach é acusado por um competidor de ter fraudado o sistema elétrico de pontuação numa prova de florete, quatro décadas atrás, usando uma luva molhada. Também é citado numa ficha da Stasi, a polícia política da antiga Alemanha Oriental, como lobista de material esportivo junto a atletas - o que não quer dizer rigorosamente nada - e outros pecadilhos menores. Tudo "bobagens" requentadas, desdenha o retratado.

Uma única estocada do documentário poderia ter ameaçado a candidatura de Bach, embora de aparência inofensiva - exceto para os membros do COI. Em determinado momento do filme uma das figuras mais influentes do olimpismo atual, o sheik Ahmad al-Fahad al-Sabah, da família real do Kuwait, proclama alto e bom som: "Faço o que for preciso para eleger o dr. Bach." Pecado mortal. Pelo regulamento da entidade, que há décadas conseguiu higienizar o tráfico de influências e a compra de votos, os membros estão proibidos de manifestar apoio público ou fornecer ajuda externa a qualquer candidatura.

Não que a intensa maratona de campanha por votos não exista. Ela é feroz, inclemente e exaustiva, sobretudo nas campanhas das cidades candidatas a sediarem os Jogos - só não pode deixar rastro. Daí a tensão de Thomas Bach.

"O COI é a única organização na qual você se encrenca por dizer a verdade", resumiu o italiano Gianni Merlo, presidente da Associação Internacional de Imprensa Esportiva.

Na verdade o membro falastrão da dinastia al-Sabah emplacou não apenas o dr. Bach. Foi, também, defensor ardoroso da volta da luta livre ao cardápio olímpico e cabo eleitoral ativíssimo da candidatura vencedora de Tóquio para os Jogos de 2020, contra Madri e Istambul.

Começa então agora um novo ciclo para a entidade com sede em Lausanne.

O cirurgião-ortopedista belga Jacques- Rogge, de 71 anos, deixa as contas da casa em ordem. Entrega um fundo de reserva de US$ 901 milhões - bem mais do que os US$ 105 milhões que encontrou em caixa ao assumir a presidência em 2001.

Também entrega para Bach algo que, segundo o historiador Clastres, autor de "Jogos Olímpicos, um século de paixões", pode vir a servir de laboratório para Jogos Olímpicos do futuro.

Atento às mudanças do gosto pelo esporte nos tempos atuais, Rogge vinha procurando integrar disciplinas praticadas pelas novas gerações em detrimento de outras. O que é sempre um baita problema pois mexe com os brios de determinados países com fortes tradições em determinadas modalidades.

O pentatlo, a esgrima e o halterofilismo, todas práticas herdadas do século XIX que correspondem à imagem viril do homem ocidental, por exemplo, interessam pouco hoje.

Segundo Clastres, foi pensando nisso que Rogge criou os populares Jogos Olímpicos da Juventude, três anos atrás. Thomas Bach, que assume a presidência com 60 anos, tem mandato de oito anos, renovável por mais quatro, se reeleito. Tem, portanto, doze anos para impulsionar esse experimento e abrir nova marca pessoal à frente do colosso olímpico.

Ele começou tão sensato que soou revolucionário. Na primeira coletiva à imprensa, afirmou ter constatado que, no fundo, todos os dossiês das cidades candidatas se parecem. "Provavelmente foram elaborados pelas mesmas pessoas", disse, referindo-se aos profissionais do ramo. "Podemos inverter o processo de escolha e começar fazendo perguntas [a cada candidatura]: 'Como vocês imaginam que os Jogos podem se integrar ao plano de desenvolvimento urbano de sua cidade - ao transporte, à infraestrutura, às questões sociais? Desta forma você tem maiores chances de obter um conceito realmente adequado para determinada sociedade e cultura." Eureca.

Não foi por acaso que uma parte dos moradores de Istambul festejou a derrota para Tóquio como uma vitória para as prioridades reais da cidade.

Nem foi por acaso que Roma retirara sua candidatura no ano passado por considerar irresponsável comprometer US$ 12,5 bilhões na empreitada em plena crise econômica.

Pouco a pouco a voz da rua também alcança o Olimpo. 

Nosso tempo - LUIS FERNANDO VERISSIMO

 ESTADÃO - 15/09/2013

O Alfredo contou para o Binho que estava escrevendo um livro sobre o nosso tempo. O Binho entendeu que o Alfredo estava escrevendo sobre o nosso tempo no sentido, assim, de O Nosso Tempo. O século 20. A era moderna. Mas o Alfredo esclareceu:

– Não, não. O nosso tempo. Nosso, da turma. A nossa juventude.

Depois disse: – Nós aprontamos algumas, hein Binho?

O Binho fez uma cara de “sei não”.

O Régis ficou sabendo do livro pelo Binho e telefonou para o Alfredo. Era verdade que o Alfredo estava escrevendo um livro sobre a turma, sobre “aquele nosso tempo”? Era, confirmou, o Alfredo.

– Romanceado? – perguntou o Régis.

– Como, romanceado?

– Você vai usar os nomes verdadeiros?

– Claro. – Você acha? – Por que não? Tem histórias fantásticas. Aquela vez em que nós fomos com a Maria Estela pra...

– Alfredo, usa pseudônimo!

Quem procurou o Alfredo não foi a Maria Estela. Foi o Argeu, que, apesar de tudo, tinha casado com a Maria Estela. Queria saber sobre o livro.

– Não tem nada demais – começou a dizer o Alfredo.

Argeu o interrompeu. – A Maria Estela faz muito trabalho na igreja.

– Sim, mas...– Não põe a Maria Estela no livro, Alfredo.

O próximo foi o Pinto, que não fez rodeios. – Que história é essa de livro?

– Pois é. Estou pensando em escrever sobre aquele nosso tempo. Acho que tem algumas histórias...

– A da galinha no velório, por exemplo?

– É. Essa é uma delas. – Não bota o meu nome.

– Mas você foi um dos que...– Não bota o meu nome. Ou bota um pseudônimo.

– Mas foi uma coisa de adolescente, perfeitamente...

– Você sabe o que eu sou hoje, Alfredo? E você se lembra de quem era o velório?

– Mas...– Quer um conselho? Esquece esse livro.

O Alcides disse que era uma boa ideia escrever o livro, que o livro resgataria uma época, que seria divertido e ao mesmo tempo importante, que muitas gente ia se lembrar do seu próprio passado lendo o livro, e meditaria sobre as loucuras e os sonhos perdidos de uma geração, e que o Alfredo devia, sim, escrever o livro – desde que não o citasse. Explicou que sua terceira mulher tinha uma carreira e que o livro poderia prejudicá-la. E, além do mais, ele já era avô.

– Pô, Capitão – disse Alfredo. – Capitão?

– Você não se lembra? Seu apelido na turma era Capitão Fumaça.

– Sabe que eu não me lembrava?

Alfredo decidiu reunir a turma para falar na sua ideia para o livro. Explicou que ele mesmo financiaria a edição. O que significava que seria uma edição pequena, que sua circulação seria restrita, que poucas pessoas leriam.

Explicou que sua intenção era capturar um momento na vida deles, da turma. Para que todos pudessem lembrar “aquele nosso tempo”. O tempo em que todos eram jovens, e o que eles sentiam, e pensavam, e tinha aprontado. Ninguém seria prejudicado, só se divertiriam. Tudo tinha acontecido há muito tempo. Como se fosse em outro país. E com o tempo, disse Alfredo, tudo vira literatura. Mesmo com os nomes verdadeiros.

Aí o Pinto disse: – Tá doido.

E o Régis disse que se o livro saísse com o nome dele, ele processava. E o Argeu anunciou que e Maria Estela fosse mencionada, embargaria a edição. E a Suzaninha disse que queria mais era esquecer o seu passado, mas se o Alfredo insistisse em escrever o livro de qualquer maneira, queria que seu pseudônimo fosse Tatiana. 

Estacionados na arrogância - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 15/09/2013

Um dos problemas das grandes cidades, e até das pequenas, é encontrar lugar para estacionar. Uma vaga livre, hoje, é um bilhete premiado. Imagino que você, que dirige, concorde com isso. E deve ficar, como eu, indignado com motoristas que não dão a mínima para as linhas amarelas que delimitam o espaço para os automóveis nos estacionamentos de shoppings e demais áreas comerciais.

Sei que o assunto não é relevante, mas você entenderia se fosse colunista de jornal há quase 20 anos e tivesse a impressão de já ter escrito sobre tudo. Aliás, creio que até já mencionei o desrespeito às linhas sinalizadoras amarelas, mas voltarei ao assunto: escrever é se repetir.

Então lá vem o piloto, com pressa. O estacionamento está quase vazio, há várias vagas ainda disponíveis. Ele nem titubeia: imbica o carro de qualquer jeito, sem reparar que avançou em cima da faixa amarela, impossibilitando que outro motorista estacione a seu lado. Ele está ocupando duas vagas e não se importa, pois não enxerga além do próprio umbigo e não é da sua conta se daqui a pouco aquele estacionamento estará lotado de pessoas procurando vaga – ele não foi programado para pensar nos outros.

O que ele deveria fazer, sem gastar mais do que 10 segundos do seu precioso tempo, era manobrar (para frente e para trás, isso) até deixar o carro reto entre as duas faixas, com espaço suficiente para ter vizinhos que, além de estacionarem, conseguirão abrir as portas de seus veículos. Eu costumo manobrar até deixar o carro retinho e, juro, não perco os braços, o consumo de combustível não se altera e a gentileza dura mesmo 10 segundos, ou até menos, se você for um às do volante.

Aí você me diz: “Pois é, penso como você, mas às vezes encontro uma vaga em que o cara do lado estacionou mal, invadindo o espaço alheio, e aí não me resta alternativa a não ser fazer o mesmo. Depois o engraçadinho sai com o carro e fica o meu ali atravessado, parecendo que eu é que estacionei errado desde o início”.

Conheço a situação. Não é fácil. Mas aí a sociedade conta com sua beatitude: não estacione errado só porque seu irmão o fez. Procure outra vaga. Dê voltas. Esmurre a direção, pragueje contra o infeliz, mas não repita o que ele fez, pois se o fizer criará uma corrente em que todos, durante todo o dia, estacionarão em cima das faixas amarelas e o resultado será menos vagas disponíveis.

Eu poderia estar roubando, matando, mas estou apenas esmolando sua compreensão. Se você estacionar seu carro direitinho no espaço destinado a ele, sem deixar torto, sem avançar na vaga alheia, sem abandoná-lo com displicência, sua contribuição será reconhecida e há grande chance de nós, daqui a algum tempo, não termos que pagar multa por causa disso também, já que a única didática eficaz do país é mexer no nosso bolso.

Vamos tentar ser educados de graça. 

Tv Paga

Estado de Minas: 15/09/2013 


 (Torsten Blackwood/AFP-1/8/11%u2018)

Aventura Estreia hoje, às 18h30, no Nat Geo, o documentário Travessia no Polo Sul. A produção registra a expedição realizada pelos australianos Justin Jones e James Castrission (foto), na tentativa de serem os primeiros a chegar ao Polo Sul e voltar sem a assistência de aviões ou trenós, numa jornada de mais de 2.200 quilômetros, enfrentando nevascas, queimaduras e fome.

História Dois outros documentários merecem destaque hoje. Às 17h30, o canal History exibe, na série Humanidade: a história de todos nós, o episódio “Novas fronteiras”, que mostra o poder do homem de alimentar milhões de pessoas, remodelar a paisagem e mudar a engenharia de seu próprio corpo. Já às 23h30, na Cultura, vai ao ar o documentário A queda da dinastia Romanov, que centra o foco no período de 1913 a 1917 da história russa. 




Enlatados
Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br
Publicação: 15/09/2013 04:00

Antes de Breaking bad

E o assunto continua sendo Breaking bad. A emissora americana AMC confirmou na última semana o spinoff da série mais badalada dos últimos anos. Com o título de Better call Saul, a produção vai girar em torno de Saul Goodman (Bob Odenkirk), advogado de Walter White (Bryan Cranston). A história será antes dos eventos ocorridos na série principal.

Atrasado –A quinta temporada de The good wife estreia nos Estados Unidos dia 29. Pois o canal Universal estreia no dia 26 a… quarta temporada! Vá entender porque tanta demora, ainda mais porque a série, ao longo dos anos, vem mantendo o prestígio. Nesse ano, Alicia Florrick (Juliana Margulies) fica num volta não volta com o marido Peter (Chris Noth), que concorre ao governo de Illinois. A protagonista também define seu futuro profissional.

Serial killer
–Psicopata americano, livro de Bret Easton Ellis que se tornou um marco dos anos 1980, ganhou adaptação para o cinema em 2000 em grande momento de Christian Bale. A história gira em torno de um yuppie de Nova York que trabalha no mercado financeiro obcecado por bens materiais. Só sente alguma emoção quando mata uma pessoa, o que faz com uma compulsão que vai num crescendo. Na versão televisiva, que está sendo produzida pelo canal FX, o personagem Patrick Bateman terá 50 anos e a missão de ensinar um jovem a se tornar o novo psicopata da área.

Microfone – Sob o comando de Simon Cowell e com Demi Lovato, Kelly Rowland (Destiny’s Child) e Paulina Rubio no júri, o Sony começa a exibir terça-feira, às 23h, a terceira temporada do reality sow musical The X-Factor.

Vezes cinco –De amanhã a sexta-feira, o Universal exibe, às 21h, os últimos cinco episódios da segunda temporada de Grimm. 

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Desmascarar os mascarados‏

Estado de Minas: 15/09/2013 



Os mascarados foram, enfim, desmascarados. A imprensa cansou deles, até porque foi alvo irracional da estupidez estampada na mídia. As pessoas crédulas e de bons sentimentos que saíram em protestos pelas ruas não querem mais saber desses desatinados. Efetivou-se a operação isolamento.

Por que uma pessoa usa máscara?

Hipóteses conhecidas:

1) Para brincar no carnaval

2) Nos bailes à fantasia

3) para cometer um assalto ou crime

Vejamos os itens detalhadamente:

1.1 – No carnaval a máscara, a rigor, não esconde, ao contrário, revela um sonho, uma duplicidade. Por isto se diz que a pessoa está “fantasiada”. Mas quando chega a “hora da verdade” a pessoa tira a máscara, se entrega. Quarta-feira de cinzas é para isso.

2.1 – Os bailes à fantasia são uma brincadeira, porque é fácil reconhecer os mascarados. As pessoas estão mais interessadas no luxo e na exibição, na sedução do outro. E as batalhas de confete eram brincadeiras ingênuas.

3.1 – Nos filmes (ou na realidade), o mascarado que assalta não quer ser reconhecido. Ele não está brincando. Assalta e pode matar ou morrer.

Os movimentos de rua que começaram em junho embaralharam as coisas. É conveniente esclarecer estes termos: revolta, rebelião, revolução e, claro, carnaval.

Exemplo: todos temos razões de estarmos revoltados. Não é exclusividade brasileira. Há até revolta social e metafísica. Albert Camus escreveu o ensaio O homem revoltado. Os hippies eram revoltados. Diria que grande parte dos que foram às ruas eram pessoas revoltadas. Queixavam-se do transporte, da saúde pública, da corrupcão. Eram reclamações, como se dizia no tempo da ditadura, amplas, gerais e irrestritas.

O segundo degrau depois da revolta é a rebelião. A rebelião faz barulho. É um grito de desacordo, pode ocorrer num quartel, num câmpus, numa fábrica. Mas a rebelião surge e desaparece dando o seu recado.

Já a revolução é a soma da revolta e da rebelião. A revolução quer pôr as coisas de cabeça para baixo, por isto rolam cabeças, troncos e membros. Quem estava na margem vem pro centro, quem estava por baixo fica por cima. Revoluções são utópicas e sangrentas.

As manifestações de rua que estouraram em junho contra o aumento das tarifas foram uma revolta e uma rebelião. A multidão desgarrou-se dos partidos e das lideranças costumeiras.

Aí, surpreendentemente, surgiram os baderneiros, os vândalos, os black blocs e, de certa maneira, os ninjas. Não adiantava um revoltoso dizer a um baderneiro: “Para de quebrar a coisa pública! Essa é uma manfestação pacífica!”. Uma conhecida que foi à manifestação ficou horrorizada, aturdida quando começaram a quebrar a loja de um parente.

O mascarado tem uma característica própria além da máscara. São homens. Jovens, parecem saídos de academias de ginástica. É a testosterona desgovernada. Se dessem o governo para eles, seria o caos, porque são o caos em movimento. Aliás, não querem o governo, repito: são testosterona desgovernada. Reparem que não há mulher nesse conjunto.

O pessoal da revolta e da rebelião custou a sacar quem eram os baderneiros. A imprensa levou dois meses para ser mais enfática. Custaram a entender a diferença entre permissividade e democracia. E os velhos revoltados e revolucionários dos anos 1960, enfim, constataram que esses grupos de baderneiros lembravam os fascistas e não tinham projeto algum.

Ah, sim, alguns heróis usam máscaras: Batman, Capitão América, Fantasma. Mas não há heroísmo algum em quebrar vitrines e roubar lojas.


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Tereza Cruvinel - Pressão e desinformação‏

A independência do ministro Celso de Mello dispensa pressões e considerações sobre as consequências de seu voto no caso dos embargos infringentes



Tereza Cruvinel

Estado de Minas: 15/09/2013 


Reclamam um mínimo de comedimento as pressões, de toda ordem e origem, para que o ministro Celso de Mello, com seu voto de desempate, rejeite a adoção dos embargos infringentes no julgamento do mensalão, contrariamente às indicações já dadas por ele mesmo. Antes de tudo, porque sua independência e autoridade moral dispensam o festival de considerações sobre as consequências de seu voto. Depois, são falsas duas generalizações correntes sobre o assunto: a de que haveria “novo julgamento” e a de que as condenações poderiam ser revistas.

Falar em novo julgamento, quando não se trata disso, é um tipo de incitação, de estímulo ao ceticismo com a Justiça, a partir da falsa ideia de que o julgamento anterior seria arquivado, e o novo abriria espaço para a impunidade só possível por meio de um inconcebível cambalacho entre os membros da Corte. Os embargos são recursos contra uma ou outra decisão, permitindo que sejam reconsideradas a partir de argumentos que serão apresentados ou enfatizados pela defesa.

Condenados, todos já foram, a penas maiores ou menores, em sessões abertas e transmitidas ao vivo. De boa-fé, ninguém pode temer que o Supremo, ao julgar tais recursos, chegue a conclusões substancialmente divergentes daquelas que já adotou. O próprio ministro Celso de Mello, se votar pelo acolhimento dos embargos, coerentemente com declarações anteriores, ao apreciá-los talvez não mudará uma vírgula nos duros votos que proferiu na primeira fase, com a conhecida independência jurídica e intelectual. Isso vale também para os outros três ministros que votaram pelo acolhimento dos embargos, tendo participado da fase anterior do julgamento. Os novos, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, não participaram, e será positivo que o resultado expresse a composição atual do tribunal, que ainda se debruçará outras vezes sobre o processo, como na futura revisão criminal.

Os embargos propiciarão, no máximo, reduções de pena que alterem o regime em que serão cumpridas, mudanças que serão importantes na vida dos réus e de suas famílias, embora não suprimam o peso moral do castigo já sofrido não só com as condenações, mas com a execração que já dura oito anos. Nada ficará para as calendas gregas, garantem os criminalistas. Em poucos meses mais, o STF poderá decidir sobre tais recursos, não perdendo com isso o grande crédito adquirido perante a sociedade, ao fundar a ideia de uma Justiça não seletiva, que só alcança os fracos. Pelo contrário, sairá mais fortalecido, neutralizando o argumento de que negou aos réus a segunda oportunidade de defesa, equivalente ao duplo grau de jurisdição, base para eventuais recursos a cortes internacionais. Há mais cálculo político do que desinformação no estridente temor dos infringentes.


Sudeste: os votos de Minas

Pela relevância política, econômica e eleitoral, os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro foram chamados por Ulysses Guimarães de “Triângulo das Bermudas”: derrotas nessa área podem ser tão fatais como a navegação na misteriosa região do Atlântico. A batalha por votos e apoios nesses estados já mobiliza fortemente os esquemas da presidente Dilma Rousseff e os prováveis competidores em 2014: Aécio Neves e Eduardo Campos. Marina Silva segue na luta para viabilizar seu partido.

Na sexta-feira, Dilma estava mais uma vez em Minas, reunindo, em Uberlândia, prefeitos de todo o Triângulo. Sempre com ela, o candidato a governador pelo PT, ministro Fernando Pimentel. Amanhã, em Belo Horizonte, Aécio se reúne com os quatro postulantes de sua coalizão para definir o cronograma de escolha do candidato a governador. São eles o deputado Marcus Pestana, o ex-ministro Pimenta da Veiga, o presidente da Assembleia Legislativa, Dinis Pinheiro, e o vice-governador Alberto Pinto Coelho, do aliado PP. Os mais ansiosos querem uma definição logo. Tanto o momento como o nome, Aécio arbitrará considerando os fatores regionais e as conveniências nacionais para sua candidatura.

Eduardo Campos, depois de seu jantar com Aécio há duas semanas, persegue outro jogo em Minas. Diante da recusa do prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), em concorrer ao governo, ele discute com os tucanos a construção de um palanque duplo. Firmariam uma coligação em Minas, entrando o PSB com o candidato ao Senado. Ninguém menos que o presidente do Clube Atlético Mineiro, Alexandre Kalil. As pesquisas, hoje, dão vantagem ao candidato de Dilma, sempre com mais de 35%. Os postulantes tucanos alcançam, no máximo, 3,5%, mas isso nada significa. Quando o candidato for escolhido, atrairá os votos de Aécio, hoje abrigados num bolsão de quase 40% de indefinidos.


Pontas soltas
Ontem, o PT voltou a tocar bumbo para a candidatura do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, a governador de São Paulo. Pensa repetir com ele o experimento bem-sucedido de Lula com a candidatura de Fernando Haddad, estreante nas urnas, mas testado no ministério. No caso de Padilha, o teste ainda está em curso, com a implantação do Mais Médicos. Candidato à reeleição, o governador Geraldo Alckmin também discute o palanque duplo com Eduardo Campos: ali, o PSB indicaria o deputado Márcio França como vice em sua chapa.

Singular
Luiz Gushiken, que morreu anteontem, fará falta a Lula e ao PT. Era dele o olhar mais arguto do partido sobre o futuro que ainda não chegou. A visão de estrategista foi que o fez tão importante para o ex-presidente.

João Camilo Penna - Rússia e Brasil‏

Comparação revela a urgência de reduzirmos a carga tributária, que paga ineficaz despesa pública e desestimula investimentos

João Camilo Penna
Engenheiro, ex-ministro de Indústria e Comércio, ex-presidente de Furnas, da Eletrobrás e da Cemig


Estado de Minas: 15/09/2013



A presidente Dilma esteve na semana passada em São Petersburgo, na Rússia, para reuniões do G - 20 e encontros com governantes dos países do grupo chamado Brics. É uma boa oportunidade para uma reflexão sobre a trajetória e a situação da Rússia e de nosso país. A Rússia tem o maior território do mundo, 17 milhões de km²; vai do Báltico ao Pacifico. Passou por guerra e paz, crime e castigo. Revolução comunista em 1917, fim do comunismo em 1985, fim da URSS em 1991, quando nasceu a Rússia atual, que, no fim do século 20, saiu de uma economia dirigida para o mercado. O comunismo lá durou 70 anos; na China, 30.

No Conselho de Segurança da ONU, cresce sua importância ,“embrulhada em mistério dentro de um enigma.” Sua excelência militar e o inverno bateram Napoleão e Hitler. Cá e lá, “la nave va.” Forças novas agem sobre forças antigas, formas novas nascem e renasce a Rússia, que adora auroras. Possui grandes reservas minerais, é potência energética que produz 10milhões de barris de petrólio por dia, tem jazidas de carvão e gás e florestas. Gasta com aquecimento o dobro per capita que os EUA. Grande fornecedora de óleo e gás para a Europa, sua moeda se aprecia numa quase “doença holandesa” que reduz outras exportações. (Agora é ameaçada pelo gás de xisto).

Um tratado EUA-Rússia limitou mísseis nucleares a 1.550 em cada um. Em improvável caso de guerra, como o vencedor ocuparia o enorme território do vencido? O equilíbrio militar onera mais a Rússia, que tem 1/8 do PIB americano e o 2º ou 3º arsenal do mundo. Na 2ª Guerra, os alemães cercaram São Petersburgo, os russos “choraram oceanos de lágrimas”.

Com o Brasil, os russos assinaram acordos sobre tecnologia da informação (TI), energia e fármacos, quando o primeiro-ministro Medveve visitou Brasília.

A Russia tem 140 milhões de habitantes, ou seja, 8 habitantes por km² (no Brasil, 25 h/km²), com um detalhe: são 85 homens (milhões foram mortos em guerras) para cada 100 mulheres (no Brasil, 95 homens para 100 mulheres). A população russa caiu de 150 milhões em 1991 para 140 milhões em 2012. Há fragilidade demográfica em seu vasto território próximo à China, país com enorme população. Lá, famílias, redes e o Estado enfrentam vodca, fumo, violência e abortos. O PIB somou US$ 1,8 trilhaõ em 2012 e é o 8º do mundo.

Poupança, investimento e crescimento da Rússia são maiores que aqui. A carga tributária e juros são menores, a inflação é idêntica. No Brasil, em 2013, 39 ministros de Estado, protestos e vandalismo. O governo perde o monopólio da violência. A despesa pública é das maiores do mundo em relação ao PIB, juros entre os mais altos do mundo, crescimento dos menores da América Latina, inflação só menor que a do Egito, Índia, Argentina e Venezuela, e há déficit na conta-corrente. Com alta carga tributaria, investimento baixo, 22 mil cargos de confiança para não concursados, ineficiência e salários privilegiados – quando o governo criará juízo, trará confiança, medidas que aumentem a competitividade para que capitais parem de sair e voltem a entrar e os empresários a investir?

O Brasil cobra 27,5% de Imposto de Renda, a Rússia cobra só 13%, atrai capitais, exporta óleo e gás, grãos, manufaturas. Importa do Brasil agropecuários, bens de consumo e commodities; o Brasil importa da Rússia fertilizantes, helicópteros etc. O comércio entre os dois foi de US$ 7 bilhões em 2012. Mais uma prova de que é imprescindível a redução da carga tributaria brasileira, que paga ineficaz despesa pública, retira recursos da livre iniciativa e desestimula a entrada de capitais.

Lá tem grandes cientistas e poucos tecnólogos, inova pouco fora da área militar e espacial, mostra espanto e encanto em Brasília, é fraca em bens duráveis e em serviços. Exportemos para lá, em que pese a guerra de moedas, facilitados pelo retorno da China ao mercado interno. Seminário em São Petersburgo em junho de 2013 debateu a atração de empreendedores para infraestrutura. Vamos concorrer? A Rússia estuda competir para fornecer-nos equipamentos nucleares.

Vamos lá: Moscou, Kremlin, ferrovia transiberiana; acordos e negócios. Caviar, museus, espetáculos, canto de barqueiros no Volga, noites brancas; balés Bolshoi e Kirov. Na linda São Petersburg, o museu Hermitage e o cemitério em que, ao som de réquiens, mortos repousam da batalha contra alemães.

Venham cá: Amazonas, praias do Nordeste; pássaros do Pantanal; Rio, lindo; São Paulo vibrante; acordos e negócios. Brasília e Niemeyer; em BH, Inhotim, o Corpo e o Galpão; Serra da Piedade, Ouro Preto e Congonhas, profetas e santos do Aleijadinho; Bolshoi em Santa Catarina; Iguaçu e Itaipu no Paraná. No mundo, é imperativo categórico que reduzamos o crescimento populacional, consumismo e poluição.O clima inclemente traz tempestades e inundações, secas e fome. A cada um, sua parte.

Histórias de vida Cíntia Moscovich - Carlos Herculano Lopes

Histórias de vida 

Cíntia Moscovich lança livro de contos e conversa com o público amanhã, na Juvenal Dias 

Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 15/09/2013


A escritora gaúcha defende uma literatura feita sempre com bom humor e leveza       (Cléber Passus/Divulgação )
A escritora gaúcha defende uma literatura feita sempre com bom humor e leveza


De uma geração de escritores gaúchos que se firmou no cenário da literatura brasileira, com ecos em alguns países sul-americanos e da Europa, nos quais suas obras começam a ficar conhecidas, Cíntia Moscovich estará amanhã em Belo Horizonte para lançar o livro de contos Essa coisa brilhante que é a chuva.

Publicado pela Editora Record no ano passado, o livro conquistou a indicação para o prestigiado Prêmio Portugal Telecom, no gênero contos, ao lado de trabalhos de Noemi Jaffe, Tércia Montenegro e Sérgio Sant’Anna. O resultado será conhecido em novembro. “Além do dinheiro, que não faz mal para ninguém, é uma espécie de passaporte carimbado. Uma bênção, pois ajuda a divulgar a obra e a tornar o escritor mais conhecido.”

Honrarias literárias à parte, Cíntia Moscovich, que é autora do romance Por que sou gorda, mamãe?, de 2006, conta que o processo de criação dos contos de Essa coisa brilhante que é a chuva se deu numa fase complicada da sua vida, devido a um câncer de garganta. “Em setembro de 2008, quando vinha escrevendo algumas histórias do livro, no maior entusiasmo, descobri que estava com a doença e tive de parar com tudo para poder enfrentá-la. O tratamento é muito penoso.”

Três anos depois, superada essa fase, ela voltou à ativa, soltou a imaginação e, com menos de seis meses, o livro estava pronto. Cíntia Moscovich conta ainda que muitas pessoas sugeriram a ela escrever sobre a experiência com a doença, mas ela recusou. “Não queria fazer do livro um chororô, uma catarse, mas contar histórias bem-humoradas, já que o humor, no meu entender, é muito maltratado na nossa literatura. Com exceções óbvias, como Luis Fernando Verissimo”, diz.

Ex-editora da seção de livros do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no qual continua assinando crônica mensal, atualmente a escritora também ministra oficina de literatura na sua casa, no Bairro Bom Retiro, na capital gaúcha, onde nasceu em 1958. “A casa é grande, tem um jardim muito bonito e a convivência com a turma jovem, que está começando a escrever, é muito interessante. Aprendo muito com eles”, reconhece.

Três perguntas para...

Cíntia Moscovich, escritora

Você acha que o conto brasileiro está vivendo uma boa fase?

O grande momento do conto, a meu ver, aconteceu na década de 1970, quando se deu o grande boom do conto brasileiro, no qual os mineiros tiveram uma participação muito importante. A partir daí, começou o declínio, com uma recuperação nos anos 1990, quando Nelson Oliveira e Luíz Ruffato, por exemplo, lançaram boas antologias do gênero. Depois disso, o conto caiu muito e não vejo sinais de recuperação.

A que se deve essa situação?

Acho que nós, os contistas, escrevemos de uma forma muito sofisticada, como o próprio gênero exige, e isso acaba dificultando para os leitores, sobretudo os jovens, que estão com pouca paciência. Mas não acho que, por causa disso, precisamos fazer concessões. Não é este o caso.

E qual gênero está atualmente em alta?

Já há muito tempo que é o romance e as histórias infantojuvenis. Todos os editores estão pedindo, porque além de venderem bem, existe a possibilidade de compras por parte do governo.


Essa coisa brilhante que é a chuva
De Cíntia Moscovich, Editora Record, 140 páginas. Lançamento e bate-papo com a autora, amanhã, às 19h30, na Sala Juvenal Dias, do Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, Projeto Sempre um papo. Informações: (31) 3261-1501 e www.sempreumpapo.com.br

O cara da invenção - Eduardo Tristão Girão

O cara da invenção 

Aos 70 anos, o cantor e compositor Jards Macalé roda o Brasil acompanhado da jovem banda Let's Play That. Cheio de projetos, o "anarquista construtivist" avisa que seu destino é criar

Eduardo Tristão Girão

Estado de Minas: 15/09/2013

Macalé diz que o violão é seu companheiro na
Macalé diz que o violão é seu companheiro na "mania de querer descobrir"



Olinda – Quem viu a última apresentação de Jards Macalé em Belo Horizonte, em agosto, não o reconheceria no palco do festival Mimo, em Olinda (PE), na semana passada. Se na capital mineira ele se mostrou contido ao lado dos colegas Capinam e Roberto Mendes, na cidade histórica pernambucana o cantor e compositor carioca esbanjou vigor ao comandar, do alto de seus 70 anos, os jovens de sua nova banda, a Let’s Play That. Essa rapaziada o ajuda a repaginar precioso repertório construído desde os anos 1960.

Diante da multidão aglomerada na Praça do Carmo, o veterano passou à vontade por rock, blues, reggae, baião e balada, relendo algumas de suas canções mais marcantes, como Farinha do desprezo e Negra melodia. Nada mal para quem levou vaia no 4º Festival Internacional da Canção, em 1969, ao apresentar Gotham City no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Pelo entrosamento com os jovens, tanto no palco quanto na plateia, isso parece muito distante.

“É um pessoal de 20, 30 anos. Sempre tive proximidade com jovens e toco com músicos de todas as idades. Às vezes, são velhos totalmente jovens em seus sons. Fiz essa banda para poder trocar, quero ouvir o que eles ouvem. E eles me ouvem e querem saber quem sou”, explica o compositor. O contato foi iniciado com o trompetista Leandro Joaquim, que o apresentou a Pedro Dantas (baixo), Ricardo Rito (teclado), Thiago Queiroz (sax barítono e flauta), Thomas Harres (bateria) e Victor Gottardi (guitarra).

A maré é tão boa que o entusiasmo vai além da nova banda, formada no ano passado. Em junho, foi lançado o disco E volto pra curtir, coletânea-tributo idealizada por Márcio Bulk, do site de entrevistas Banda Desenhada, dedicado à música brasileira. Contribuíram com releituras do cancioneiro de Macalé nomes como Letuce, Garotas Suecas, Márcia Castro, Apanhador Só, Arícia Mess, Bruno Cosentino, Marcos Campello, Metá Metá, Felipe Catto, Rafael Castro, Ava Rocha e Leo Cavalcanti.

“Eles começaram a inventar em cima da minha invenção. Achei um barato. Não tenho cover até hoje. Quando comecei, quis ser uma porção de gente, o que é natural, mas nessa soma que fui buscando e achei a minha identidade. Meu violão é intransferível, minhas composições são minhas com os parceiros, minha voz é minha. Waly Salomão sempre me encheu o saco para fazer assim, foi me apertando os parafusos até eu entrar numa de ser eu mesmo”, observa.

No forno Não por acaso, Macalé anuncia a gravação de um disco em parceria com talentos da nova geração, prometido para 2014. “Vou retribuir a gentileza, por terem reconhecido aquilo que sempre esteve e está”, resume. Para auxiliá-lo chamou Omar Salomão, filho de Waly (“poeta sensibilíssimo, ligado a todo esse pessoal”), para encontrar os melhores jovens poetas em atividade no país. O compositor quer musicar versos de cada um deles.

Macalé se diz “um cara da invenção” e acredita ser esse o motivo de tamanha conexão com colegas que poderiam ser seus filhos. “Gosto de vozes estranhas, de concepções estranhas. Meu destino é criar. Por isso, meu disco de 1972, com Lanny Gordin e Tutti Moreno, é considerado o must até hoje. Aquilo foi um divertimento nosso. Na época, o grande mercado o rejeitou violentamente. Precisou de 40 anos para a moçada, que não conhecia o trabalho, ver o frescor daquilo. Tenho de responder a eles assim, com frescor”, analisa.

Macalé, aliás, tem outro projeto na agulha: um álbum totalmente instrumental. “Serão várias formações, dependendo da necessidade de cada faixa”, adianta. O pianista, compositor e arranjador carioca Cristóvão Bastos, parceiro em outros trabalhos, vai colaborar. “Gosto de tocar violão. Estudei violão técnico na ProArte, quando comecei, mas amava o Baden Powell com aquele violão louco, sujo, poderoso. Sujei o violão propositalmente para poder me alimentar de coisas novas. É a mania de querer descobrir.”

Dicionário Rótulos, esclarece Macalé, não lhe caem bem. “‘Maldito’ é a mãe de quem inventou essa brincadeira. Na minha época, o maldito não se inseria no sistema formal. Eu me sentia Baudelaire, um Rimbaud. A partir de 1985, época careta, gerações vieram e não entenderam aquilo. Vá ao dicionário: maldito é barra-pesada. Comecei a rejeitar isso. Já me chamaram até de tropicalista, e não sou. Querem definir uma pessoa indefinível, e assim virei maldito, ex-maldito, ex-ex-maldito, maldito entre aspas. Outro dia, disseram: maldito bendito”, desabafa.

Mas, se for para se enquadrar, Macalé prefere que seja assim: “Ideologicamente, sou anarquista construtivista e, inclusive, pacifista”.

O repórter viajou a convite do festival Mimo.

•  FALA, JARDS

» BRASIL
“O Brasil é uma desordem, mas desordem que pode gerar frutos maravilhosos, com a psiquê do índio misturada à do negro e do europeu, mais a colonização americana. Cara, o nosso futuro pode ser brilhante juntando essas inteligências todas. O brasileiro é inteligente, é ligado. Podemos ser um país do caramba, o melhor país do mundo.”

» DIREITOS AUTORAIS
“Num determinado momento, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) virou uma caixa-preta. Entre arrecadar e distribuir, esse espaço é um mistério para muita gente. O sistema é muito precário. Isso é caso para os ministérios da Justiça e da Fazenda, não para o da Cultura. São milhões, milhões e milhões de reais, dólares, euros. Quando começou essa coisa do Procure Saber (movimento de artistas para mudar o Ecad), ninguém me procurou. Ainda bem, pois jogaria areia nos dois lados.”

» BALANÇO
“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Como a minha é grande para caramba, tudo valeu e valerá pelo que vem por aí. Acertos e desacertos, dores de amores, tudo faz parte. A experiência vivida está vivida, boa ou má, e isso só me engrandece. Quer dizer, se você tiver uma alma melhorzinha, que não seja pequenininha como a desses políticos do Brasil.”

PERFIL/ ROBERTO MENESCAL/COMPOSITOR E VIOLONISTA‏

PERFIL/ ROBERTO MENESCAL/COMPOSITOR E VIOLONISTA » Nas águas da bossa 

Autor de O barquinho, músico vai receber Prêmio de Excelência Musical nos EUA em novembro

Ailton Magioli

Estado de Minas: 15/09/2013


Roberto Menescal e sua guitarra em meio às bromélias que cultiva em sua casa no Rio de Janeiro (Cadu Dias/Divulgação)
Roberto Menescal e sua guitarra em meio às bromélias que cultiva em sua casa no Rio de Janeiro


Em momentos de transição, não se deve falar em crise da indústria fonográfica, mas em mudanças. “Afinal, o CD não vai ficar aí mais um século”, justifica Roberto Menescal, o compositor, instrumentista e produtor capixaba que fez história na MPB, a ponto de ser carinhosamente chamado de “a Ivete Sangalo da bossa nova”, tamanha é a popularidade dele no gênero.

“Agora começa a fase da venda de música pela internet. Nos Estados Unidos, a venda digital já passou a do disco físico. No Brasil, talvez isso já aconteça no fim do ano que vem”, prevê. Aos 75 anos, em plena atividade, Menesca, como é conhecido entre os mais íntimos, tem compromisso agendado para 20 de novembro, no Four Seasons Hotel Las Vegas, dos Estados Unidos, onde será um dos sete distinguidos com o Prêmio à Excelência Musical (Life Achievement), da Academia Latina de Gravação.

Entregue na véspera do 14º Grammy Latino, o prêmio é realizado em cerimônia da qual participam membros da academia, além de convidados, jornalistas, executivos da indústria musical e premiados, entre os quais Menescal é o único brasileiro. “Na verdade, estou um pouco surpreso. E a surpresa se torna ainda maior porque não sei exatamente o que vai acontecer no dia”, reage Roberto Menescal, lembrando que, como a programação prevê cinco dias em Los Angeles, é provável que ele tenha algo para fazer, além de participar da entrega da premiação.

"Recebo esse prêmio como mais um presente importante e com muita surpresa", reforça. De acordo com o artista, tudo o que ele faz na música e pela música é de forma natural, sem pensar em recompensas. “Mas, quando chega um reconhecimento como este, fico muito feliz", acrescenta Menescal. O produtor que acompanha a revolução por que passa a indústria musical há pelo menos meio século – do disco de 78 rotações ao CD de hoje, passando pelo LP e K7 – lembra que tecnologias do tipo iPod, por meio das quais se ouve música com qualidade inferior, são passageiras e serão substituídas em breve.

“Sempre foi assim”, constata o compositor, instrumentista e produtor, que se profissionalizou na área aos 18 anos, quando tocava violão havia apenas um. “A Silvinha Telles foi de uma coragem incrível”, recorda do convite da cantora, que, grávida de três meses, o convocou para excursionar pelo Brasil, de Manaus ao Rio. “Já cheguei ao Rio profissional”, revela, surpreso, ainda hoje.

Cria de família na qual não havia um músico sequer – hoje o filho Márcio é contrabaixista do grupo Bossacucanova –, Menescal não se esquece de outra lição do início da trajetória. “Ia prestar vestibular para arquitetura e conheci Tom Jobim: ‘Mas você não quer ser músico?’, perguntou-me o maestro, para a seguir me aconselhar: ‘Larga esta bobagem e vai ser músico’.”

No dia seguinte, obedecendo à ordem do mestre, deixou de lado a ideia de fazer faculdade, assumindo-se músico. Daí para a composição foi questão de tempo. Só ao lado do parceiro mais constante, Ronaldo Bôscoli (1928-1994), Menescal contabiliza 350 composições, entre as quais estão alguns clássicos da bossa. “Todas basicamente gravadas.”

Na produção, apesar do recorde da série Aquarela brasileira, de Emílio Santiago, que rendeu sete discos, com mais de 6 milhões de cópias vendidas, o sucesso veio mesmo com as mulheres. Além de vários discos de Elis Regina, que, mesmo não sendo uma campeã de vendas (a média de cada lançamento dela era de 200 mil cópias), fazia sucesso retumbante nos palcos, Menescal produziu os dois discos de maior vendagem de Gal Costa: Gal tropical e Aquarela do Brasil – Gal Costa canta Ary Barroso, ambos com cerca de 1 milhão de cópias vendidas.
Menescal com Oscar Castro Neves, Luiz Eça, Alaíde Costa e Olívia Hime, em 1960 (Arquivo pessoal/Roberto Menescal)
Menescal com Oscar Castro Neves, Luiz Eça, Alaíde Costa e Olívia Hime, em 1960


Sempre perto das estrelas

Verdade que Roberto Menescal também fez sucesso na seara masculina. Que o diga Chico Buarque, para o qual produziu Construção. Além, é claro, de Emílio Santiago com o estrondoso sucesso da série Aquarela brasileira. Com Ivan Lins (Jobiniano) e Bossacucanova (Brasilidade), foi indicado ao Grammy Latino.

Mas a consagração veio mesmo com as mulheres. “Bôscoli gostava de dizer que sou um tremendo rabo de cometa, por estar sempre atrás de uma estrela”, diverte-se o próprio Menescal, admitindo tratar-se apenas de coincidência. “Nunca saí atrás das cantoras”, reconhece o músico e produtor, que ainda teve sob sua responsabilidade musas como Nara Leão, Leila Pinheiro, Wanda Sá, Maria Bethânia e Cris Delanno, entre outras.

A mais recente descoberta de Roberto Menescal é a jovem pernambucana Andrea Amorim (Bossa de alma nova), que, antes de se tornar sua parceira, cantar e gravar bossa nova, era conhecida como a Nina Hagen do Nordeste.

Além de um disco de Leny Andrade cantando Roberto Carlos, em espanhol, e outro de Wanda Sá cantando Tom Jobim, em inglês, ele produziu recentemente a norte-americana Stacey Kent, cantando jazz, incluindo Agarradinhos, de sua autoria. Duas cantoras japonesas e uma italiana também estão na lista do produtor.

Só ao Japão, vale lembrar, Menescal já foi 30 vezes, desde a primeira viagem, em 1985, com Nara Leão. “É o melhor público do mundo. Eles nos tratam com um respeito”, diz o produtor, que há 15 anos criou selo próprio (Albatroz Discos), por meio do qual já lançou 250 discos.

Bromélias

Casado há 50 anos, pai de três filhos e avô de cinco netos, nas horas de lazer Menescal cuida dos cerca de 1,5 mil espécimes de bromélias que cultiva em sua casa, na Barra da Tijuca. Nascido em Vitória (ES), aos 3 anos ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde morou no Jardim Botânico e Copacabana, antes da mudança para a Barra. O artista, que sempre curtiu orquídeas, em 1985 passou a se dedicar às bromélias, diante da desproteção e da importância da espécie para a natureza.

ROBERTO MENESCAL
EM DISCOS


A galeria do Menescal (2012)
United Kingdom of Ipanema, com Andy Summers (2011)
Declaração, com Wanda Sá (2010)
Os Bossa Nova, com Carlos Lyra, Marcos Valle e João Donato (2008)
Bossa jam (2007)
Swingueira, com Wanda Sá (2006)
Agarradinhos, com Leila Pinheiro (2006)
Balansamba (2005)
Eu e Cris, com Cris Delanno (2003)
Brasilidade, com Bossacucanova (2001)
Bossa entre amigos, com Wanda Sá e Marcos Valle (2001)
40 anos cheio de bossa (2001)
A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes (2000)
Bossa evergreen (2000)
Estrada Tokyo-Rio, com Wanda Sá (1998)
Uma mistura fina, com Wanda Sá e Miele (1997)
Eu e a música, com Wanda Sá (1995)
Ditos & feitos (1992)
Roberto Menescal (1991)
Um cantinho, um violão, com Nara Leão (1985)
O conjunto de Roberto Menescal (1969)
A nova bossa de Roberto Menescal (1968)
Surf board – Roberto Menescal e seu Conjunto (1966)
Bossa nova – Roberto Menescal e seu Conjunto (1966)
Bossa session, com Silvinha Telles, Lúcio Alves e Roberto Menescal e seu Conjunto (1964)
A bossa nova de Roberto Menescal e seu Conjunto (1963) – Elenco – LP
Bossa é bossa (1959) – Compacto simples

LIVROS

O barquinho vai... Roberto Menescal e suas histórias, de Bruna Fonte, Irmãos Vitale
Essa tal de bossa nova, de Bruna Fonte, Editora Prumo
Roberto Menescal Songbook, Souza Lima

E CINEMA

Com dois convites para cinebiografia, Roberto Menescal fica receoso de ver a sua vida e obra romanceadas. O primeiro vem de um diretor de São Paulo, cujo nome e projeto, inspirado em livro de Bruna Fonte, ele prefere manter sob sigilo. Já o segundo convite é de um produtor do Canal Brasil, onde o artista fez três anos de Letras brasileiras, com Oswaldo Montenegro, que resultou em 39 programas e três CDs. O projeto resultaria em documentário biográfico dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, o mesmo de Loki – Arnaldo Baptista.

Tabu masculino‏ - Márcia Maria Cruz

Pesquisa indica que quase metade dos homens nunca fez o exame de toque retal, essencial para identificar o câncer de próstata, que deve acometer 50 mil pessoas em 2013


Márcia Maria Cruz


Estado de Minas: 15/09/2013 

 
Por desconhecimento ou por tabu, os homens temem ir ao urologista, segundo demonstra pesquisa da Sociedade Brasileira de Urologia de 2012. Dos cinco mil homens entrevistados, quase a metade deles (47%) revelou nunca ter realizado exames para detectar o câncer de próstata, 44% jamais se consultaram com um urologista e 51% nunca fizeram exames para aferir os níveis de testosterona (hormônio masculino) no sangue. É o caso do agrimensor Ênnio Alberto, de 86 anos, que somente depois dos primeiros desconfortos ao urinar procurou um especialista. 


Embora o ideal seja que os homens façam anualmente o exame depois dos 40 anos, Ênnio fez o primeiro exame de toque depois dos 70. “Não fiz antes, porque não fui instruído. Tenho médico cuidando de minha pressão desde os 50 anos.” Com dificuldade de urinar, procurou um urologista e foi surpreendido com 12 tumores na próstata. Diante do diagnóstico, a solução foi a cirurgia realizada em 2002. “Fizemos a operação e os tumores estavam tão desenvolvidos que tiveram que cortar a bexiga. Os médicos disseram ao meu sobrinho, que também é médico, que eu havia escapado por um milagre”. Onze anos depois da cirurgia, Ênnio está completamente recuperado, faz mensalmente o controle e alerta a outros homens quanto à necessidade do exame de toque. “Tem que ter coragem. Não dá para deixar para depois”, alerta.


No entanto, o medo faz com que o câncer de próstata avance e seja o segundo tipo de câncer que mais acomete os homens. Em 2012, foram diagnosticados 60.180 novos casos dessa neoplasia, segundo o último levantamento realizado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). Para 2013, a estimativa é de que sejam diagnosticados 52 mil casos. “Muitos portadores de câncer de próstata não chegam a tomar conhecimento da doença, convivem com ela sem que haja prejuízos perceptíveis, chegando à morte por outros motivos”, conta o oncologista Amândio Soares, diretor da clínica Oncomed BH.

Na avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Urologia – Regional Minas Gerais, José Eduardo Fernandes Távora, embora ainda seja alto o número de homens que nunca fizeram o exame de toque esse percentual tem se reduzido devido à influência das mulheres sobre os maridos. “Esse número tem diminuído, porque a mulher cobra do homem que ele vá ao médico. Por conta própria, o homem só procura um médico quando tem algum problema”, diz.

SINTOMAS
O exame de toque possibilita o diagnóstico precoce da doença, que na fase inicial não apresenta sintomas. Os tumores na próstata podem levar até 15 anos para atingir um centímetro. Para apresentar os primeiros sintomas, levam entre oito e 10 anos. “A história natural do câncer é muito longa”, pontua Amândio. Os sinais aparecem quando a doença está em um estágio mais avançado, o que dificulta o tratamento. Os homens podem ter dificuldade para urinar, o jato pode ficar fraco e também pode ocorrer um aumento no número de micções. Glândula do aparelho reprodutor masculino, a próstata fica localizada na parte baixa do abdômen – abaixo da bexiga e na frente do reto. Envolve também a porção inicial da uretra, tubo pelo qual a urina armazenada na bexiga é eliminada. Nesse órgão bem pequeno, em formato de maçã, é produzida parte do sêmen, líquido espesso que contém os espermatozoides, liberado durante o ato sexual.


O tratamento do câncer de próstata é multidisciplinar, podendo envolver cirurgia, radioterapia, uso de hormônios ou quimioterapia. A escolha do tratamento ideal é feita dependendo do estágio da doença e das características de cada paciente. Se a neoplasia de próstata é diagnosticada em estágios iniciais, a cirurgia é uma das opções terapêuticas, assim como a radioterapia. Nos Estados Unidos, os tumores são classificados como de risco baixo, intermediário e alto. De acordo com José Eduardo, a classificação é importante, pois em alguns casos de baixo risco o tratamento pode trazer mais complicações do que o acompanhamento. No Brasil, essa gradação não vigora.

HISTÓRICO FAMILIAR
Todos os homens a partir dos 40 anos de idade devem fazer o exame de toque retal e o PSA (antígeno específico da próstata). “Se o pai ou avô tiveram câncer de próstata, o ideal é que o homem faça o primeiro exame depois dos 40. Para quem não tem histórico familiar pode ser depois dos 45”, diz José Eduardo Távora. Os homens devem ficar atentos ao histórico familiar. Pai ou irmão com câncer de próstata antes dos 60 anos pode aumentar de três a 10 vezes o risco de o indivíduo ter a doença, em comparação com quem não tem casos na família. 


Durante o exame clínico, o urologista avalia o formato e consistência da próstata. Já o exame laboratorial determina o nível de PSA no sangue. Trata-se de um marcador de doenças da próstata. Em caso de câncer, aumenta a quantidade de PSA. “Isoladamente, o exame de PSA não é capaz de determinar se o indivíduo é portador da neoplasia. O nível dessa proteína cresce também em caso de algumas infecções ou crescimento benigno da próstata. Daí a importância de fazer os dois exames”, explica Amândio Soares. 


De acordo com José Eduardo, cerca de 80% dos casos podem ser descobertos a partir do exame de toque retal devido à localização dos tumores em zonas periféricas da glândula. Em cerca de 20% dos casos, o problema só pode ser detectado com o exame do PSA com biopsia. 

Eduardo Almeida Reis-Alfabeto rúnico‏

Estado de Minas: 15/09/2013 



Como sabe o leitor e já desisti de aprender, os alfabetos rúnicos são baseados em letras conhecidas como runas e foram usados para escrever línguas germânicas do século II ao século XV. A exemplo dos alfabetos latino e cirílico, o rúnico tem certo número de variantes. As escandinavas são conhecidas como futhark, derivado das seis letras F, U, p, A, R e K, em que o pê minúsculo na verdade é um I com a barriguinha do p no meio. As variantes frísia e anglo-saxônica são conhecidas como futhorc ou fuporc (em que o p é o tal I com a barriga no meio), pelas alterações fonéticas das mesmas seis letras do inglês antigo.

Em mil oitocentos e um tiquinho, Ane Sorensdatter Lund era empregada doméstica – sem as garantias das leis brasileiras que acabaram com a “escravidão” – numa casa de classe média alta em Copenhague, Dinamarca. Discreta, humilde, de poucas letras, acabou despertando a libido de Michel Pedersen, rapaz inteligente, mas muito religioso e ansioso, melancólico filho dos donos da casa.

Sabe como é: no princípio do verão, Ane Sorensdatter Lund devia tomar o seu banho anual com o sabão feito por ela. Michel Pedersen, animado pelo calor que deve fazer na Dinamarca cinco ou seis dias por ano, atropelou a copeirinha. Tem toda aquela explicação do macho-alfa e das fêmeas do território, que justifica o atropelo. Casaram-se e nasceu Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855), filósofo e teólogo danês, o que significa dizer dinamarquês, salvo em cinologia, estudo sobre cães, em que o cachorro daquela raça continua sendo dinamarquês.

Todo esse belíssimo nariz de cera, caro e preclaro leitor, foi para dizer que o rádio do carro que você comprou com IPI reduzido e o seu celular, mesmo um Nokia modesto de 200 pratas, têm um negócio chamado Bluetooth inspirado no rei Harold Bluetooth (Haroldo Dente-Azul), que unificou a Dinamarca ali por volta do ano 980. Na verdade, o rei se chamava Harald Blatand.

Bluetooth é padrão global de comunicação sem fio e de baixo consumo de energia, que permite a transmissão de dados entre dispositivos desde que um esteja próximo do outro. O rei dinamarquês viveu séculos antes da invenção do dentifrício Crest, motivo pelo qual tinha dentes azulados e o apelido Bluetooth.

Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855) herdou 31 mil rigsdaler, moeda dinamarquesa da época, que custearam o seu Magister Artium em 1841 e a publicação dos seus primeiros livros. Creio desnecessário dizer que o Magister Artium equivalia ao atual Philosophiae Doctor (Ph.D.). Tchau e bênção procês todos.

Palavras
Vicário é adjetivo que entrou em nosso idioma no ano de 1328, puro latim vicarìus,ìi “o que faz as vezes de outro, substituto”, significando por aqui “que substitui outra coisa ou pessoa”, “outorgado por outrem” (diz-se de poder) e “que substitui outro” (diz-se de palavra). São vicários por excelência os pronomes, as formas de tratamento, alguns advérbios e os verbos vicários. Como substantivo, vicário é o mesmo que vigário.

Estou lendo livro imenso, que abandonei depois das primeiras 20 ou 30 páginas assustado com a miséria e a violência na Califórnia no último quartel do século 19. Em matéria de miséria a violência basta-me o telejornalismo diário. Quando a tevê a cabo enguiçou, a pequena parabólica enguiça quase toda semana, peguei o livro abandonado e vou adiantado na leitura. É uma biografia de Jack London (1876-1916), jornalista, escritor e ativista social norte-americano. O tradutor vira e mexe sapeca “vicária” no texto em português.

Não é palavra comum. Aprendi o adjetivo vicariante, que em medicina significa “órgão que assume a função de outro”, com o neurologista Carlos Bacelar, que em 1970 participava dos Debates Populares do Haroldo de Andrade na Rádio Globo. Programa utilíssimo para quem vivia na roça sem jornais e tevê: discutia as notícias do dia e tinha debatedores de alto nível, além de um fracote, que foi meu colega de faculdade.

Quantas vezes o leitor terá visto vicário ou vicária nos jornais e nas revistas nos últimos anos? Na biografia, o autor diz que London escrevia mil palavras/dia. Se, porventura, não inteirasse a cota, compensava no dia seguinte. Para que se faça ideia, este suelto até aqui tem exatas 271 palavras. Tchau e bênção procês todos.

O mundo é uma bola
15 de setembro de 1928: o cientista Alexander Fleming anuncia a descoberta da penicilina. Vinte anos depois, quando dei um tiro no pé, fui socorrido no hospital de uma hidrelétrica do Estado do Rio, médicos muito amáveis, que prometeram tratamento com o que havia de “mais moderno” na Guerra da Coreia. Não era penicilina, mas um pó branco (seria sulfa?) que botavam aos montinhos em cima do buraco da bala, empurrando com o cabo do bisturi. Quando o pó misturado com sangue começou a sair pela extremidade oposta do buraco, enfaixaram o pé do menino e disseram que o caçador ficaria curado. Fiquei.

Em 1765 nasceu Manuel Maria de Barbosa L’Hedois du Bocage, imenso poeta português que teve seu nome associado injustamente aos versos de sacanagem. Morou no Rio e adorou a cidade. Andou preso pela Inquisição. Morreu em 1805.

Hoje é feriado em Boa Esperança, MG, terra dos Décios Freires pai e filho.

Ruminanças
“Os poetas ajudam-nos a amar: só servem para isso” (Anatole France, 1844-1922). 

BRASIL S/A » Tarô da economia‏

Antônio Machado



O aumento de 1,9% no mês e de 6% na base interanual das vendas do varejo em julho, batendo com folga a expectativa média do mercado, que esperava avanços de 0,2% e 3,1%, surpreendeu os economistas, e decerto o próprio governo, mas por razões não bem de má pontaria.
Desacertos entre o resultado projetado e o realizado são comuns, e não vem ao caso. A economia não é ciência exata, embora o pessoal que emprestou seu prestígio à desregulamentação financeira nos EUA, semeando a crise que ainda varre o mundo, acreditasse ter chegado a um conhecimento superior com a tal das expectativas racionais. Não é disso que falamos, mas de desencontros entre fatos e versões.
A análise econômica parece contagiada pela disputa política, ainda mais pela precipitação da campanha eleitoral, gerando reações, em geral, sem meio termo, de descrédito da política econômica, de um lado, e de desconfiança generalizada, de outro. Certos ou errados, governo e setor privado estão como que com a razão prejudicada, o que leva a juízos que se opõem à própria situação que vislumbram.

Considere-se o caso das projeções acanhadas sobre o movimento das vendas do comércio: estavam equivocadas quanto ao resultado para o mês de julho, mas isso por consequência de um cenário consensual. O que o fundamenta? Para simplificar: de um lado, o endividamento do consumidor; de outro, a resistência da inflação, levando ao aumento dos juros pelo Banco Central. Pensando racionalmente, tais fatores tendem a conter o consumo, que, de fato, cresce menos do que antes.
Mas qual a intensidade da desaceleração? Não muita, tanto que em 12 meses até julho as vendas reais do varejo restrito subiram 5,4%, ajustadas em relação ao aumento de 8,4% em 2012 tanto pelo ímpeto da inflação como pelas sequelas do que se faz para enfrenta-la (e de quebra reduzir o déficit das contas externas produzidas pelas importações) – da alta de juro pelo Banco Central à seletividade do crédito, devido ao risco de inadimplência. Isso está em processo.
Só que se trata de um ajuste com o contrapeso da política fiscal. Ela injeta na economia parte da demanda que o BC tira com o aperto monetário. E é assim até à revelia do governo, embora não o seja, já que os gastos fiscais obrigatórios pela Constituição e por leis ordinárias absorvem cerca de 90% do orçamento federal.

Consenso aplicado a dedo

O desalinhamento entre a política monetária apertada e a execução fiscal frouxa, constatado pelo descumprimento recorrente da meta do superávit primário pelo governo, é uma crítica costumeira entre os economistas de várias escolas, tanto quanto o engessamento fiscal – outro consenso, exceto entre os lobistas de verbas públicas.
Tanta concordância, porém, não é transferida para análises sobre o consumo, expresso pelo movimento do varejo, apesar do gasto do setor público ser um dos principais itens da demanda, agindo como compensação ao aperto das finanças das famílias e empresas pelo BC.

Insatisfação empresarial

Preferências políticas obnubilam a razão. O governo, por exemplo, interpretou a reticência empresarial ao investimento como sequela de problemas de competitividade (devido ao câmbio valorizado) e de produtividade (pelos altos custos de produção). E saiu distribuindo subsídios, incentivos e subvenções a setores selecionados, já que a restrição fiscal impede, sem reformas amplas, ações horizontais.
O diagnóstico está correto, só que não explica o que começou meio fingido e foi escancarado: a insatisfação empresarial. Ela decorre de problemas de produção, mas eles já existiam no governo FHC e até eram mais graves que agora. O que incomoda, de verdade, é o estilo centralizador da presidente e o seu gosto pelo dirigismo.

Mais ouro que cascalho

As medidas são apresentadas como prato feito, sem discussão (e há várias assim). As sugestões são mal recebidas, criando impasses só desfeitos parcialmente, com revisões extraídas a fórceps, o caso da rentabilidade das concessões. O que fica encruado, como as questões regulatórias, leva o empresariado a investir em outra freguesia.
Chega-se, enfim, à grande dúvida: a economia está mesmo tão ruim, como diz certo pessimismo militante, com base na inflação alta, no crescimento lento, no investimento baixo, coisas assim, ou, apesar das mazelas, há mais ouro que cascalho no veio das discussões?
Essa é a questão, rebatida há mais tempo: a economia é mais forte, sim, do que supõem os encarregados de geri-la e os cronistas. E se enfraquece pela inabilidade em gerir não bem os males sabidos, mas as oportunidades subestimadas – a causa de tantas projeções que não se confirmam, sejam do governo e do mercado. Não se desata esse nó politizando cenários, mas o debate. E não se desfaz a desconfiança distribuindo indulgências, mas removendo o que a provoca.

Autismo e psicanálise - Leitores debatem tratamento psicanalítico do autismo

Nilde Jacob Parada Franch: Autismo e psicanálise

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Tendências / DebatesO autismo vem se tornando um dos mais graves problemas de saúde pública no Brasil.
Hoje, estima-se que uma em cada cem crianças apresenta o transtorno. Há 15 anos, os dados indicavam um caso em cada 2.000 crianças. Ainda que os critérios de diagnóstico tenham mudado, os especialistas reconhecem que houve aumento do número absoluto de casos.
Políticas em saúde mental infantil são uma preocupação relativamente recente, mesmo com índices crescentes de transtornos em crianças e adolescentes. Neste ano, importantes conquistas foram obtidas em termos legais, e a perspectiva de que o tratamento oferecido pelo Estado contemple abordagens psicológicas distintas é cada vez maior, o que configura enorme progresso.
Alguns desses avanços resultaram também da iniciativa de psicanalistas que se mobilizaram para tornar o autismo pauta do dia e para impedir que o seu método deixasse de ser utilizado nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), sob o argumento da "falta de cientificidade".
Em São Paulo, o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP) é um dos mais importantes no comando dessa iniciativa, dirigindo-se aos profissionais e aos gestores públicos da saúde a fim de incentivar a pluralidade de abordagens científicas e a oferta de um tratamento interdisciplinar das pessoas com autismo e suas famílias.
Apesar disso, chama a atenção como as grandes mídias ignoram a psicanálise, que tem, sim, muito a contribuir em termos de diagnóstico e tratamento. Programas televisivos recentes não disponibilizaram à população um rol completo de informações sobre o tema, enfocando apenas uma das formas de compreender o transtorno.
A perspectiva psicanalítica é uma valiosa abordagem para uma gama enorme de transtornos psíquicos e com o autismo não é diferente. Seu instrumental clínico possui reconhecimento em diversos centros de cuidado e deve ser integrado em nossas políticas públicas de saúde.
Sobre os métodos de tratamento, o que mais se vê em reportagens sobre o tema é o comportamental, com abordagens em torno de "dar independência" à criança, ensinar tarefas simples e "controlar a agressividade". Raramente se fala sobre o tratamento ter como foco a criança e seu bem-estar, simples assim.
A ênfase na necessidade de a criança autista se enquadrar em um modelo de comportamento tido como normal prevalece, deixando de lado a busca pelos sentidos que os sintomas expressam e que ajudam a compreender o papel da doença não apenas para a criança, mas também para a sua família.
A psicanálise compreende que o autismo está ligado a uma dificuldade de a criança se relacionar com a outra pessoa como um outro. E daí surgem consequências como os rituais autísticos, cuja função é manter o seu isolamento e impedir as trocas sociais.
Um aspecto central é a importância do diagnóstico precoce. Quanto mais cedo o transtorno é identificado, melhores os resultados do tratamento, já que é possível evitar que modos desviantes de funcionamento se cristalizem.
Em relação ao tratamento, o método psicanalítico se ocupa da estrutura mental e é pensado para trazer a criança para o contato, reduzir seu isolamento. Ainda que ela pareça muitas vezes estranha e inacessível, o que se busca é encontrá-la onde ela estiver e trazê-la ao convívio.
A Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, que conta com dois grupos de estudos integrantes do MPASP, reconhece a complexidade do assunto, estimula o diálogo com outras abordagens e contribui na articulação de novas propostas para a saúde pública infantil.
Ignorar a psicanálise como método para detecção e tratamento do autismo é privar as famílias de um instrumental científico que pode, em muito, abreviar o caminho para um diagnóstico definitivo e proporcionar um tratamento de qualidade.
NILDE JACOB PARADA FRANCH, 77, é presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo


Leitores debatem tratamento psicanalítico do autismo

Considero de extrema relevância que um veículo como esse possa abrir espaço para o debate de ideias no campo científico em torno da questão do Autismo, e, sobretudo que isso se dê no tempo em que se discute a implementação de uma rede de atenção a pessoa com autismo como política nacional.
A longa experiência da psicanálise nesta clínica demonstra a cada dia que neste campo só temos podido avançar por via da interdisciplinaridade.
As formulações da ciência médica acerca da plasticidade neuronal e da epigenética, por exemplo, situam de modo vigoroso a importância --também confirmada pela clínica psicanalítica-- de que as intervenções clínicas sejam realizadas desde que os primeiros indícios de vulnerabilidade e risco de sofrimento psíquico são descobertos. Para tanto, o amplo debate deve ser sustentado no campo científico e a população deve ser legitimamente informada de maneira a garantir o direito de escolha sobre o modo de tratar seus filhos.
ILANA KATZ, PSICANALISTA (São Paulo, SP)
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A carta do leitor Luis Celso Vilanova, do dia 14/09, é mais uma das inúmeras tentativas de desqualificar a psicanálise como uma linha da abordagem das pessoas com autismo. Ele não apresenta nenhum critério clínico ou teórico para refutar os argumentos apresentados pelo artigo de Nilde Jacob Parada Franch.
O leitor parece desconhecer as inúmeras publicações psicanalíticas sobre o tema e o consenso internacional sobre o benefício produzido por tratamentos que consideram como questão central a subjetividade e intervém na ampliação das possibilidades de circulação familiar, escolar, social e cultural dessas pessoas.
No Brasil, o Movimento Psicanálise Autismo Saúde Pública (MPASP) conta hoje com 500 profissionais representando 100 instituições, entre as quais se encontram as mais prestigiadas universidades do país, instituições psicanalíticas de diferentes filiações teóricas e organizações não governamentais. Seus integrantes atendem, pesquisam e teorizam sobre essa clínica e estão abertos para o diálogo interdisciplinar que a complexidade desses casos requer. Precisamos pensar em benefício dos pacientes e suas famílias no lugar de defender interesses corporativos transvestidos de argumentos científicos.
ADELA STOPPEL DE GUELLER, Professora de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae (SÃO PAULO, SP)
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O autismo não é propriedade privada de nenhuma área de conhecimento e está no processo civilizatório com todo seu "mal-estar". E a Psicanálise não abre mão de incluí-lo nas suas perspectivas teóricas, metodológicas, clínica e políticas.
Será que 'não cai a ficha' de alguns profissionais da Saúde? A Psicanálise já foi absorvida pela cultura. Isso não está mais em discussão. E, por isso mesmo, ela não pode excluir a pessoa com autismo, assim como a educação, a saúde e a política não o fazem. Essas áreas estão se virando, cada uma a seu modo, para fazer as crianças e adolescentes responderem aos seus tratamentos. É isso que está em jogo e não a desqualificação de uma ou outra área.
MARIA NOEMI DE ARAUJO, DOUTORA EM EDUCAÇÃO E PSICANÁLISE (SÃO PAULO, SP)