sexta-feira, 30 de maio de 2014

Críticos elegem "Construção" a melhor canção do compositor, que completa 70 anos

Valor Econômico - 30/05/2014

Chico - Por Gonçalo Junior 

Carla Romero/Valor / Carla Romero/Valor


O tema exílio estava em voga no Brasil, em 1967, quando Chico Buarque de Hollanda, com apenas 23 anos, deu uma entrevista à revista "O Cruzeiro". O assunto foi abordado em tom de brincadeira. Desde abril de 1964, o golpe militar assombrava as liberdades individuais no país. Com certa ironia, o repórter da famosa revista perguntou quais seriam as três músicas que o jovem compositor levaria para uma ilha deserta, "caso fosse cassado ou confinado" pelo governo. Sem vacilar, ele, que se exilaria na Itália dois anos depois, após ser preso, citou "Amélia" (Ataulfo Alves e Mário Lago), "Quando o Samba Acabou" (Noel Rosa) e "João Valentão" (Dorival Caymmi). A lista parecia estratégica, no sentido de valorizar o que ele considerava os nomes mais representativos da música brasileira, sofisticada, mas sem perder seu caráter popular, no momento em que se discutia o uso da guitarra na MPB.

A seleção, entretanto, parece sincera. Ataulfo, Noel e Caymmi, sem dúvida, foram suas grandes influências. Assim como as marchinhas de Carnaval, São João e Natal de Lamartine Babo, Assis Valente e Ary Barroso, que tanto ouviu nos primeiros anos de infância, ainda na década de 1940. O que Chico dificilmente suporia era que, anos depois, ele próprio se tornaria o escolhido como tema musical de incontáveis brasileiros que se imaginariam em uma ilha deserta. O Valor ouviu 25 nomes ligados à música - críticos, em sua maioria, biógrafos, cineastas, acadêmicos e artistas - para que elegessem as músicas que consideravam a melhor entre as quase 400 - em 38 álbuns originais -, no momento em que Chico Buarque chega aos 70 anos de vida, no dia 19 de junho, e 50 de carreira. "Construção", composição de 1971, foi escolhida a melhor, com cinco votos. "O que Será (à Flor da Terra)", de 1976, ficou em segundo, com quatro menções. "Futuros Amantes" e "Olê, Olá" empataram em terceiro, com dois votos. Outras escolhas foram difusas.

"'Construção' é a mais criativa, a mais elaborada de todas as suas composições, ancorada em um arranjo maravilhoso. Representa o lado da inteligência musical de Chico, que é o renascimento de Noel Rosa, só que com um alto nível intelectual, extraordinário", justifica o maestro Júlio Medaglia. Ao saber que seu voto decidira a disputa entre "Construção" e "O que Será", ele se lembrou de um momento marcante. Em 1966, o júri do Festival da MPB da TV Record estava dividido entre "A Banda", de Chico e interpretada por Nara Leão, e "Disparada", de Geraldo Vandré e Theo de Barros, defendida por Jair Rodrigues. "No calor da discussão, Paulo Machado de Carvalho [diretor da emissora] entrou na sala e disse para nós: 'Conversei com Chico. Ele me disse que não quer levar o primeiro lugar sozinho'. Como sabemos, as duas músicas ficaram em primeiro lugar."
"Construção" também mereceu o voto do crítico literário e professor aposentado da USP Carlos Felipe Moisés. Ele avaliou o preciosismo técnico da letra, que disseca cuidadosamente. "São 41 versos escrupulosamente alexandrinos, cesura no lugar certo, e todos terminam com um proparoxítono de três sílabas." A segunda parte, prossegue Moisés, repete a primeira, ou com sutis variações ou substituindo a palavra final por outra de igual medida. "Toda essa engenharia passa despercebida, tão persuasivo é o casamento de letra e melodia, aliás monótona, repetitiva, massacrante, como a vida do cara que 'morreu na contramão'. Ou como a vida do poeta capaz de tal proeza: por trás da ordem aparente, a vigorosa pulsação da raiva mal contida."


A mesma canção, do disco homônimo de 1971, foi a eleita pelo produtor musical André Midani. "Trata-se de uma escolha pela delicadeza, de sensações, de intuição, de melodia e de poesia. Não se trata de algo voltado para indústrias e comércios musicais." Dizer que uma composição é melhor do que outras, na opinião do crítico musical e historiador Carlos Calado, é polêmico. Mesmo assim, no caso da obra de Chico Buarque, ele indica "Construção". "Com uma letra bastante original, arquitetada em dodecassílabos e rimas proparoxítonas, é um exemplo perfeito de como uma canção pode se aproximar do requinte da poesia sem soar artificial."

O escritor, crítico literário e biógrafo de Vinicius de Moraes ("O Poeta da Paixão") José Castello, a princípio, votaria em "Construção", por ser uma música que, além de muito bonita, revela o engajamento social que sempre caracterizou a arte de Chico Buarque. Mas seu voto foi para "O que Será", por expressar a filosofia de vida de Chico, "a ideia de que estamos todos submissos a forças que nos ultrapassam e nos moldam".


"'Rosa dos Ventos' é a mais importante, mais bonita e inesquecível. Uma música épica, forte, brasileira. Chico é o máximo", afirma Maria Bethânia

O crítico musical Tárik de Sousa prefere as duas. Para ele, "Construção" tem uma meticulosa arquitetura de proparoxítonas, que alicerça esse clássico da metalinguagem. "Na argamassa, virtuosismo estético e a fratura exposta do desnível social do país", destaca. E "O que Será?" tem, para ele, uma estrutura modular e permeável, que faz dela um "móbile musical intempestivo, que driblou a retranca da censura da ditadura disparando indagações como setas em alvos inescapáveis".

O grupo dos eleitores exclusivos de "O que Será" é puxado por Carlos Rennó. Sobre a música, o crítico e compositor cita uma passagem do texto inédito "Jogos e Joias de Chico", que sairá no seu livro "O Voo das Palavras Cantadas", a respeito da poesia de canção, previsto para o próximo mês. "O trunfo dessa música: dizer o que até hoje nenhuma canção disse, insinuando, por meio da grande adivinha a que os versos não respondem (sendo a letra-poema a longa enumeração de perguntas sem resposta que é), o que está dentro de todos os seres humanos, e comunicando assim a dimensão, a mais profunda e mais concreta do amor, de Eros, na nossa experiência." Rennó se empolga tanto que ressalta: "Juntem-se todas as mais importantes canções já compostas até hoje por Porter, os irmãos Gershwin, Rodgers e Hart, Ary, Caymmi, Tom, Dylan, Lennon e McCartney, Caetano, Gil, Benjor, Michael, Stevie, Prince... E entre as maiores das maiores de todos os tempos, em todo o mundo, estará 'O que Será'."

Apreciador dessa composição, Paquito Moura, compositor e colunista musical do site Terra Magazine, lembra que Chico Buarque já escreveu que "Águas de Março" deveria ser escolhida como o samba mais bonito do mundo. "Talvez, porque Tom Jobim consegue falar de quase tudo nessa canção enumerativa, do pequeno ao grande, do desimportante ao que se considera importante - pau, pedra, febre, promessa de vida etc. Enfim, ele roça o absoluto nessa canção." Chico, seu discípulo, fez três letras para uma mesma melodia - composta para o filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", tem versões que marcam passagens diferentes da trama: "O que Será", canção que, para Paquito, também roça o absoluto. "Em 'À Flor da Terra', a perspectiva é mais geral. Em 'O que Será', individual, lírica. Mas as duas letras fazem uma pergunta para a qual não se tem resposta precisa, talvez por que não exista resposta. Ou respostas que se expressam por negativas: o que não tem receita, censura, juízo, cansaço e, por fim, limite. O ilimitado, o absoluto, o que se diz pelo que não é ou não possui."

"Roda Viva", "Pedro Pedreiro", "Funeral de um Lavrador", "A Banda", "Gota d'Água" e "Cálice". Todas merecem figurar na lista de clássicos de Chico. Mas nenhuma foi mencionada na enquete. Uma canção pouco lembrada, porém, "Olé, Olá", é a melhor - e a mais querida - para duas autoridades em cultura nacional: o crítico e escritor Sérgio Cabral e o diretor de cinema e dramaturgo Domingos Oliveira. "É importante pelas circunstâncias como a conheci, em um momento de grande efervescência musical, que era a época dos grandes festivais, em que fui jurado diversas vezes. Marcou uma época muito forte na vida de todos nós", diz Cabral. "Sempre vivi no meio musical, escrevia sobre música. Era o universo em que eu circulava. É possível que ele me conhecesse de vista. Mas, quando o vi cantar pela primeira vez, veio a certeza de que eu estava diante de um grande compositor." Oliveira ressalta que Chico é o único compositor de sua geração, quando se fala em excelência de conteúdo e autor clássico. "Ele é o melhor do mundo."

Outra que também recebeu dois votos foi "Futuros Amantes". Para o escritor e crítico Nelson Motta, é a melhor por seus critérios técnicos - e também a favorita do coração - em letra e música. "Com forte e refinada influência jobiniana, poderia ser assinada com orgulho pelo próprio maestro soberano. Na verdade, está à altura, profundidade e densidade poética das melhores canções de Tom Jobim. Mas, ao mesmo tempo, marca a maturidade de Chico e de seu estilo autoral em que o virtuosismo formal e o absoluto domínio da sonoridade e das cadências das palavras se somam à riqueza e originalidade das imagens poéticas de um amor imaginado num futuro Rio de Janeiro submerso." O escritor e jornalista Humberto Werneck, autor de "Chico Buarque - Tantas Palavras", também escolheu "Futuros Amantes". "Sem prejuízo de joias que veio a fazer depois, acho que ele, nesta canção de 1993, está no auge de sua maturidade de compositor e letrista, fino e delicado como em raras passagens de sua iluminada carreira."

Poucos conhecem tanto Chico quanto sua biógrafa Regina Zappa, autora de "Chico Buarque - Para Todos" e do indispensável "Chico Buarque - Para Seguir Minha Jornada". Ela escolhe "Paratodos", "música-celebração- da-música desse grande artista brasileiro que vai na estrada há muitos anos". Antes do voto, porém, deixa evidente a intimidade com a obra do músico. Escolher só uma música foi como procurar agulha em um palheiro recheado de agulhas. Pensou nas românticas - "Suburbano Coração", "Futuros Amantes" e "Eu Te Amo". Lembrou das dilacerantes - "Pedaço de Mim", "Atrás da Porta" ou "Angélica". Ou nas músicas que descrevem com verdade e simplicidade a vida real: "Cotidiano", "O Meu Guri", "Construção" e "Pedro Pedreiro". E nos sambas "Quem Te Viu, Quem Te Vê", "Tem Mais Samba", "Ela Desatinou", "Juca", "A Rita", "Homenagem ao Malandro", "Deixa a Menina". Entre as líricas, mencionou "Olê, Olá", "Joana Francesa", "Sonho de um Carnaval" e "As Vitrines". E há as que falam com o coração feminino, como "Olhos nos Olhos", "Folhetim" e a clássica "Com Açúcar e com Afeto".

A feminina "Atrás da Porta", parceria de Chico com Francis Hime, é a primeira das duas escolhas entre as melhores para o músico e jornalista Luiz Chagas. "O que mais me chama a atenção nessa música é o fato de ela começar de chofre. Desconheço se foi uma melodia letrada ou vice-versa." O ápice, diz ele, é o verso "dei para maldizer o nosso lar", em que o primeiro verbo assume o significado de "começar a", em vez do mais chulo e óbvio. "A dramaticidade é exacerbada pela narrativa em voz feminina, uma das especialidades do artista. A canção foi lançada no disco 'Elis Regina', de 1972 - ou seja, no auge da ditadura -, e a Pimentinha dedicou-lhe uma interpretação soberba e repetida nos palcos literalmente à exaustão. Até hoje não entendo como a censura não chiou."

Embora as músicas do disco - que tem "Deus lhe Pague" - sejam chamativas em termos de construção, "Bom Tempo", para Chagas, resume a carpintaria de Chico, que define como o mais legítimo herdeiro de Noel Rosa, um inventor de melodias à maneira de Cartola. "A facilidade com que ele evoca e mistura as dissonâncias da bossa nova com as consonâncias dos dobrados das bandinhas de interior é tocante e inventiva. 'Morena dos Olhos d'Água' e 'Carolina', entre tantas dentre as minhas preferidas, se inserem nesse viés."

Diretor de "Veja Esta Canção" (1994), filme inspirado em quatro canções - entre elas, "Samba do Grande Amor", de Chico -, Cacá Diegues considera "Joana Francesa" inesquecível, bela e inesperada, um ponto de inflexão no cancioneiro de Chico por sua densidade, originalidade e virtuosismo. Walnice Nogueira Galvão, escritora e professora emérita da USP, afirma que, "em meio a um tesouro de obras-primas, que vão do lírico ao trágico, passando pelo grotesco e pelo francamente galhofeiro, a melodia e o ritmo do samba "Acorda Amor" dão a nota brasileira". 

Assinada por Julinho de Adelaide (pseudônimo criado por Chico para enganar a censura durante a ditadura), diz ela, tem uma brilhante letra, que critica a ditadura em seu período mais negro. "A notável inversão do clichê se autoexplica: o uivo de agonia que se eleva no refrão ('... chame, chame, chame o ladrão!') encarna o desespero dos acossados pelo terror de Estado. Vinte e um anos de inquebrantável resistência à tirania - tal é o título que ninguém disputa a Chico Buarque."
Tudo de Chico é bom, em letra e música, para o compositor e escritor Nei Lopes, que elegeu o samba-canção "O Meu Guri". "Ela me toca por retratar uma faceta do amor maternal muito evidente nos guetos cariocas, que eu conheço de perto. É o daquela mãe que não vê, nunca, os malfeitos do filho. Nessa letra, o tratamento tragicamente irônico dessa percepção distorcida ('Ele disse que chegava lá!') torna a obra mais do que genial."

"Brejo da Cruz" foi a escolha do jornalista e crítico literário Oscar Pilagallo, autor do livro "Roberto Carlos". Seu critério é particular: uma música que fosse só dele, tivesse tema social - "em que ele se destaca, apesar de cantar tão bem o amor e ser craque na crônica" -, transbordasse lirismo, outra característica de Chico, e fizesse um casamento feliz de letra e melodia. "Brejo da Cruz" é a última de um espécie de trilogia dedicada a crianças de rua. As outras duas são "Pivete" e "O Meu Guri". "É o melhor retrato da indiferença da sociedade ao infortúnio da criançada 'alucinada' que 'se alimenta de luz'."

Crítico musical e autor do blog Quinta Essência, sobre discos pouco comentados ou esquecidos de MPB, Marcelo Pinheiro aponta como sua canção predileta uma dessas que ocupam espaço cativo na memória afetiva. Trata-se de "João e Maria", interpretada por Chico e Nara Leão, em disco da cantora de 1977. "Essa valsinha fez muito sucesso durante minha infância. À melodia engavetada por décadas, composta por Sivuca, em 1947, Chico acrescentou letra repleta de imagens oníricas e lúdicas, que até hoje me remetem aos dias mágicos de quando eu era criança."
Menos famosa foi a apontada como melhor por Ricardo Cravo Albin, enciclopedista musical, produtor e fundador do Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio. "'Rancho dos Mascarados' pode não ser a melhor, mas a que mais me impressionou na primeira fase de Chico como compositor. Não sei bem porque a escolho, sei apenas que em cada momento de felicidade que vivi nessas últimas quase cinco décadas da música, eu simplesmente começo a cantarolá-la." Importante historiador musical e crítico, antes de se tornar repórter do programa "Fantástico", Maurício Kubrusly prefere o lado político de Chico. Escolheu duas canções marcantes como símbolos de resistência à ditadura: "Apesar de Você" e "Vai Passar". "Ambas acenam com o fim da ditadura militar que amordaçou o Brasil durante tanto tempo e fizeram parte da nossa história."

A maioria das respostas da enquete, que consultou 40 pessoas, veio acompanhada de ressalvas e explicações das mais divertidas e aceitáveis, antes de aparecer o título e a justificativa da escolha - ou não. Alguns preferiram não votar. O diretor artístico da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp), compositor, violonista, crítico literário e musical, escritor e editor Arthur Nestrovsk, por exemplo, pediu desculpas e não arriscou. "Com toda sinceridade, acho impossível atender seu pedido. Não existe 'a' melhor." Houve quem brincasse que se alguém pedisse para fazer uma lista das dez melhores de Chico, acabaria apontando 40 e, por fim, entregaria 60 indicações. Foi o que disse o compositor, biógrafo e produtor Hermínio Bello de Carvalho. Além de ter dirigido shows de Chico, os dois compuseram "Chão de Esmeraldas", faixa que abre o disco "Chico Buarque de Mangueira" (1997). Sua escolha foi "Eu Te Amo" como a melhor. "Chico tem tantas composições geniais, mas essa me diz muito pessoalmente. Além disso, como letrista, ele é perfeito nessa canção. É a que eu gostaria de ter feito. Pode não ser a melhor para alguns, mas para mim é."

O jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro preferiu se abster de votar, em virtude do posicionamento de Chico contra as biografias não autorizadas, ao defender o direito dos artistas de preservar sua vida pessoal. "Já fui da opinião de que, se se fizesse uma lista dos cem melhores sambas de todos os tempos, Chico Buarque apareceria com pelo menos 10 ou 15. Mas depois da vergonhosa atuação dele no caso das biografias, resolvi dar um tempo na minha apreciação por sua obra", diz. Enquanto isso, Maria Bethânia afirma, entusiasmada: "Rosa dos Ventos". "Para mim, é a mais importante, mais bonita e inesquecível. Título do espetáculo criado por Fauzi Arap e Flávio Império para mim. Uma música épica, forte, brasileira. Chico é o máximo."

Chico Buarque, de todas as maneiras

Por Gonçalo Junior

Filho de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) - um dos intelectuais mais importantes do país e autor do clássico "Raízes do Brasil" -, Chico Buarque cresceu lendo autores franceses, russos e alemães, em um ambiente intelectual e musical privilegiado. Ao mesmo tempo, amava os sambas de Noel Rosa, Dorival Caymmi, Ataulfo Alves, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho e muitos outros que ouvia no rádio ou na vitrola de sua casa. Mais tarde, passou a imitar, ao violão, João Gilberto e Tom Jobim, ídolos de adolescência.

O marco zero de sua carreira como compositor começou há 50 anos, ao compor "Tem Mais Samba". Em 1965, gravou o primeiro compacto, aos 21 anos, com as faixas "Pedro Pedreiro" e "Um Sonho de Carnaval". No ano seguinte, veio a consagração: "A Banda" passou a ser cantada em todo país e dividiu com "Disparada", de Geraldo Vandré, o primeiro lugar no Festival da Record. "Viva a música, o sopro de amor que a música e banda vêm trazendo, Chico Buarque de Hollanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando a confiança perdida nos homens e em suas promessas", escreveu Carlos Drummond de Andrade, no "Correio da Manhã", em 1966.

A canção em ritmo de marcha cantada por Nara Leão foi o suficiente para o fundador do Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio, Ricardo Cravo Albin, dobrar o conselho da instituição a colher um depoimento dele para a posteridade, aos 22 anos - um documento de valor inestimável para a história. "Tive de convencer pesos pesados, pois eles achavam um absurdo convidar alguém tão jovem, sem histórico musical relevante, enquanto outros nomes importantes ainda vivos não tinham sido ainda ouvidos por nós", diz Albin.

Ele conta que usou um argumento "velhaco e verdadeiro", porém necessário, movido por sua intuição e empolgação. "Lembrei que Noel Rosa tinha morrido com apenas 27 anos, em 1937, depois de levar uma vida desregrada, com muita bebida e cigarro, e que pouco havia de registro sobre sua vida. E que o mesmo poderia acontecer com Chico, que tinha uma rotina de boemia semelhante. Insisti que não podíamos perder a chance de um registro histórico urgente. Claro que não era assim, que exagerei, mas eu estava entusiasmado, tinha uma admiração imediata pela sua pequena obra, que me comoveu profundamente."

No mesmo ano de 1966, o cantor lançou o primeiro álbum: "Chico Buarque de Hollanda". Além de "A Banda", o disco traz outros clássicos, "A Rita", "Pedro Pedreiro" e "Olé, Olá". Na volta do exílio voluntário de 15 meses na Itália, iniciado em 1969, quando "comeu a pizza que o Diabo amassou", segundo Nelson Motta, Chico voltou transformado. Fez o compacto simples que trazia as faixas "Apesar de Você" e "Desalento", esta em parceria com Vinicius de Moraes.
O disco de nº 365.315, da Philips, foi recolhido por ordem da censura, depois de vender 100 mil cópias em apenas três semanas. "Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão", diz a letra de "Apesar de Você", que deveria fazer parte das faixas de "Construção" (1971). Com sofisticada combinação de rebeldia e lirismo, o disco é, para muitos, sua obra-prima, com canções inovadoras, marcadas pela ironia de um compositor maduro, que rompia com a imagem de bom moço.

Ao voltar do exílio, Chico parecia cansado de ser tratado como discípulo ou uma espécie de "Noel Rosa contemporâneo". A faixa-título - eleita sua melhor composição, segundo enquete publicada nesta edição - descrevia a existência ignorada e a morte trágica de um operário, homem simples que vivia à margem da euforia econômica artificial da ditadura, em uma letra poderosa, cantada como faziam os velhos menestréis da Idade Média ou os autores de cordéis nordestinos. Só que com altíssima sofisticação poética. O arranjo fabuloso, do maestro tropicalista Rogério Duprat, deu a forma acabada de um marco da MPB.

Chico voltou a criticar o regime com "Cálice", cantada com Milton Nascimento, com letra de confronto político, cheia de trocadilhos contra a censura e que foi vetada em 1973. "Meus Caros Amigos" (1976) tornou-se uma coleção de hits. Além das censuradas "Apesar de Você" e Cálice", trazia a segunda colocada na enquete do Valor "O que Será", mais "Mulheres de Atenas", "Olhos nos Olhos", "Vai Trabalhar, Vagabundo" e "Meu Caro Amigo".

A mensagem de "O que Será" foi entendida como senha para o engajamento na luta pela democracia. Chico daria ainda o tiro de misericórdia na ditadura, ao compor um tipo de hino da missa de sétimo dia do regime, enquanto este ainda não tinha baixado a sepultura, com "Vai Passar" (1984), samba acelerado e contagiante que varreu o país de uma euforia incontida quando se lutava pelas eleições diretas para presidente da República.

Chico Buarque continuou a fazer grandes discos, como "Paratodos" (1993), enquanto iniciava uma bem-sucedida carreira de escritor de romances (leia texto na pág. 14). A essa altura, construíra a trilha sonora de duas gerações, cujas existências seriam relembradas por suas canções eternamente. No ano passado, porém, criou um ruído em sua imagem: foi apontado de ser a favor da "censura", ao se manifestar contra as biografias não autorizadas e defender o direito dos artistas de preservar sua vida pessoal.

Cronista das imperfeições da vida

Por José Castello

 
Uma marca - uma ferida - se derrama sobre toda a literatura de Chico Buarque: a instabilidade. Nada é garantido. A insegurança predomina. A falta de solidez interior e o mascaramento definem os personagens. São seres volúveis, que atravessam a vida como podem, arrastando consigo suas dúvidas e suas perguntas. Não há um solo, mas um pântano. Basta lembrar o que ocorre com Eulálio Montenegro d'Assumpção, o personagem central de "Leite Derramado", romance de 2009. Enquanto agoniza em um leito de hospital, ele tenta reconstituir sua história de vida - que se mistura à história da República brasileira - ditando-a para alguém que tanto pode ser sua filha, Maria Eulália, sua ex-mulher Matilde, ou uma enfermeira. Alguém que é só uma máscara. Não é certo sequer que ele dite a história, talvez apenas delire. Claudicando, derrapando em incertezas, mas maravilhados, nós a lemos.

Nesses relatos quebrados, com idas e vindas, cortes, deslizes, em que predominam não a visibilidade, mas a cegueira, o personagem se constrói. Nada mais temos que pedaços de uma vida, ou vislumbres, partes que nem sempre se conectam e se completam - exatamente, aliás, como acontece na vida de qualquer um. A vida não é perfeita e Chico Buarque faz da imperfeição um dos elementos cruciais de sua escrita.

Eulálio dita suas memórias, ou imagina que as dita? Até que ponto devemos confiar nas lembranças de um homem que, agonizando, em vez de ganhar corpo, se fragmenta? A memória é uma armadilha, feita de lapsos, deslizes, furos. É, porém, tudo o que Eulálio tem - e é, de certo modo muito doloroso, também tudo o que temos. A agonia do personagem de Chico não é uma agonia de morte, mas de vida. Sustentando seu relato, está o sonho de sair do hospital, de se casar e morar numa fazenda. Os sonhos são a cola que confere alguma densidade às lembranças. Pois, na medida em que é incoerente, a memória destrói a história, em vez de construí-la. Tanto que, quanto mais Eulálio recorda, mais perdido ele está e mais capenga é sua narrativa. A figura da mulher Matilde, fugidia, e da filha, que teria sido encontrada no lixo, acentuam esse derramamento. Nada se sustenta. No fundo, o relato de Eulálio é só uma forma de preencher o tempo. Talvez esse seja o papel da literatura: desenrolar narrativas sobre o tempo para que ele se torne mais aceitável e nos forneça a ilusão de um sentido.


Chico Buarque é um escritor que consegue manejar com firmeza a falta de consistência e as ambiguidades que caracterizam a vida contemporânea. Não tem medo dos aspectos dúbios, dos paradoxos, das situações incompletas; ao contrário, dessa complexidade ele retira a força de seus relatos. É o que acontece em um romance como "Estorvo", de 1999, uma sucessão de fatos enigmáticos distantes de qualquer ilusão de coerência. O que define o homem não é a coerência, mas a incoerência; a literatura de Chico apenas cede a essa incômoda verdade. Através do olho mágico de sua porta, o protagonista de "Estorvo" vê um desconhecido. Pode ser que já tenha visto aquele rosto. Das feições indefinidas e da experiência do desconhecimento surge uma aventura que nos é oferecida como uma narrativa. O protagonista de romance habita um limite no qual sonho e realidade não se separam. Ele vive desse cruzamento. Precisa suportá-lo. Ele é a própria condição de sua existência. A mistura é o que o impede de avançar - estorvo, isto é, obstáculo -, mas é também o que o faz avançar. É no escuro, saltando obstáculos e adversidades, que vivemos.

Os personagens de Chico Buarque têm diante de si, sempre, uma série de desafios intransponíveis. E é porque não podem ser transpostos que eles conferem à vida uma impressão de estabilidade. De paralisia, que se mantém como regra, como destino que devemos aceitar. Paralisia instável, como se caminhássemos (afundássemos) em uma planície inundada. Também o "ghostwriter" José Costa, do romance "Budapeste", de 2003, habita a corda bamba. O caráter duplo de sua vida de escritor por encomenda já é um sinal da volubilidade em que está retido. Na Hungria, ele se transforma em Zsoze Kósta, uma espécie de falsificação da falsificação. Quem é ele, afinal? Eis uma pergunta que Chico nos oferece com grande resignação, já que nem ele mesmo, provavelmente, sabe respondê-la. A realidade é flúida, não é digna de confiança. É imperfeita e mutável, nada é garantido - e isso já começa em nossa vida pessoal, como Kósta nos mostra. Chico coloca em questão a solidez e retidão dos personagens realistas que quase sempre deram a marca da literatura brasileira. Em seus romances, o leitor não está pisando na seca de Graciliano, ou no mundo colorido de Jorge Amado, ou no pampa de Erico Veríssimo - ele nunca sabe onde está pisando. E, em consequência, nunca sabe onde está também.

As perguntas são muito mais frequentes que as respostas. As dúvidas, muito mais comuns que as afirmações. Chico Buarque nos introduz em um mundo no qual nada tem lugar e nome certo. Seus personagens são estrangeiros em um mundo que pisam pela primeira vez. Seus personagens são estrangeiros em um mundo que pisam pela primeira vez. Estão exilados daquelas qualidades - caráter, certezas, nome - que caracterizam o humano. No entanto, e paradoxalmente, essas oscilações são a marca mais fundamental do homem contemporâneo. Todos nos multiplicamos e nos dividimos para viver. Nesse aspecto, a literatura de Chico sincroniza com a vida atual, ela também pulverizada e indecifrável.

Já em "Benjamin", romance de 1995, o protagonista, Benjamin Zambraia, se encontra preso na rede de suas próprias obsessões. Nada em sua existência é muito nítido - e ele descobre que o mundo tem a estrutura de um pesadelo. Tem a impressão de que sua vida é filmada - e que ele não passa de um personagem de si mesmo. Essa duplicação confere ao mundo, mais uma vez, uma grande fragilidade. Se a vida é um filme, onde fica a realidade? Como qualificar de real uma experiência que se dissolve nas sombras e que se disfarça? Em vez de ser acolhedora e digna de confiança, a realidade se mascara - sintoma de nossa época de nomes falsos, de identidades flúidas e de mascarados - e se torna um obstáculo à própria existência. Em quem se pode confiar? Como sustentar a confiança em si mesmo? Sinais do mundo contemporâneo se espalham por toda a obra de Chico Buarque, que, com o avançar do tempo, se torna cada vez mais atual. Ela sincroniza com o mundo líquido que nos cabe viver, sem garantias, sem convicções seguras, sem certezas. Um mundo em que tudo pode ser tudo. Um mundo de que só a literatura, poderoso instrumento de desmascarar o real, consegue dar conta.





TeVê

TV PAGA » Clássico do cinema

Estado de Minas: 30/05/2014 


 (Films Sonores Tobis/Divulgação)


Toda sexta-feira a qualidade do pacote de filmes sobe um pouquinho, por causa das produções selecionadas por canais habituados a exibir clássicos do cinema, como o Arte 1, que oferece uma rara oportunidade de ver ou rever René Clair, com a exibição da comédia À nós, a liberdade (foto), às 23h30. Com poesia e humor, o diretor francês faz uma crítica à sociedade industrial baseada no processo de linha de montagem. Lançado em 1931, acabou inspirando Tempos modernos, que Charlie Chaplin iria rodar cinco anos depois.


Muitas alternativas na  programação de filmes

Na Cultura, às 22h, a comédia dramática Enquanto o sol não vem, de Agnès Jaoui, é a atração da Mostra Internacional de Cinema. No mesmo horário, o assinante tem mais quatro boas opções: Gatão de meia idade, no Canal Brasil; Jack – O caçador de gigantes, na HBO 2; Filhos da natureza, no Max; e Secretariat – Uma história impossível, no Telecine Touch. Outros destaques da programação:
O discurso do rei, às 21h, no Cinemax; Gladiador, às 21h55, no Universal; Motoqueiros selvagens, às 22h30, no Megapix; A lenda de Beowulf, às 22h30, na Fox; e Beleza americana, à meia-noite,
na MGM.

Doutores da Alegria só  sabem fazer palhaçada

O canal Curta! exibe hoje, às 21h45, o documentário Doutores da alegria, que registra o trabalho desenvolvido por um grupo de artistas junto a milhares de crianças hospitalizadas em todo o Brasil. O objetivo do filme é mostrar a importância do papel social da arte, e em especial dos palhaços, na ajuda a quem sofre, internado em um hospital.

Canal A&E lança mais  uma série sobre crimes

No canal A&E, estreia hoje, às 21h30, a série Esposas assassinas, que começa relatando as histórias de
duas mulheres acusadas de homicídio. Ann, uma jovem de 30 anos, tinha um bom emprego, um marido atraente e um lindo bebê, mas a morte misteriosa do companheiro fez com que a polícia a investigasse e, anos mais tarde, o mistério seria revelado: ela tinha uma vida dupla. Já Chris leva o marido idoso para fazer exercícios na piscina e, quando ele morre, os investigadores descobrem uma verdade terrível sobre o passado dela.

SescTV apresenta a Cia. Atelier de Coreografia

A série Dança contemporânea, do SescTV, reservou para hoje, às 21h, o espetáculo Aventura entre pássaros, criado por João Saldanha, para a Cia. Atelier de Coreografia, explorando as semelhanças e diferenças entre os movimentos corporais e trejeitos dos seres humanos e das aves e outros animais. Se a pedida for a música, a dica é Sinfonia nº 9, de Mahler, com a Orquestra Jovem Gustav Mahler, sob a regência de Claudia Abbado, à meia-noite, no Arte 1.



CARAS & BOCAS » Beijo é incógnita



Giovanna Antonelli (Clara) e Tainá Müller (Marina) também vivem expectativa sobre futuro das personagens (João Cotta/TV Globo-19/3/14)
Giovanna Antonelli (Clara) e Tainá Müller (Marina) também vivem expectativa sobre futuro das personagens

Se depois de quatro meses de novela – já foram completados 100 capítulos –, Em família (Globo) ainda não conseguiu emplacar o romance entre Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller), a dúvida dos telespectadores é: será que vai ter namoro? E o beijo sai? Nem as atrizes sabem dizer. Nas redes sociais existe uma torcida muito grande pelo envolvimento para valer de “Clarina”, como são apelidadas na internet. Em bate-papo com internautas, ontem, segundo o site oficial da novela, Giovanna e Tainá comentaram sobre a resposta do público em relação ao ensaio de romance das duas e responderam com muito humor as questões que estão na boca do povo. Entre elas, Marina apontou o que tem em comum com a fotógrafa, brincou com o desafio de ter um “rival” como Reynaldo Gianecchini, na pele de Cadu, e elegeu a cena preferida das personagens. Já Giovanna revelou as principais mudanças de Clara, contou detalhes da química com Tainá e falou o que acha do beijo entre as duas: “Se for escrito, vai ser bem feito”. Em cena da novela, durante um papo com o cunhado Virgílio (Humberto Martins), Clara revelará que está interessada em uma mulher. “Algumas pessoas me aceitam, outras até me admiram e me invejam, mas tem muita gente que está pronta pra me apedrejar. Me linchar. E atirar meus ossos aos cães. Noutro dia alguém me falou que isso de uma mulher amar outra, sexualmente, é pecar contra a natureza humana. Um homem e uma mulher formam um par. Duas mulheres ou dois homens formam uma dupla imoral. Péssimo exemplo para a juventude”, desabafará a dona de casa.

VEJA OS TEMAS DA TELINHA QUE BOMBAM NA INTERNET

O TTV, instituto que mede a quantidade de comentários nas redes sociais, como Twitter, Facebook e Instagram, elaborou um ranking da TV na internet na última semana. O Pânico na Band foi o campeão na repercussão da TV aberta, e em segundo ficou Em família (Globo). Em relação à trama de Manoel Carlos, os comentários giraram em torno do romance de Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller). Na sequência, vieram Superstar, Geração Brasil e Encontro com Fátima Bernardes, todos da Globo. Na TV paga, o líder foi o Top TVZ, do Multishow. Ainda são do canal outras atrações mencionadas na internet, como Especial Multishow ao vivo, TVZ e Nivea viva o samba.

COPA DO MUNDO INSPIRA MARATONA DO DISNEY XD

A bola entra em campo no canal Disney XD (TV paga), a partir de quarta-feira, às 13h, com a maratona Futebol, futebol, futebol, com episódios selecionados especialmente para curtir o clima de Copa do Mundo. Serão inicialmente dois episódios de Phineas e Ferb cheios de aventuras de Phineas Flynn e seu meio irmão Ferb Fletcher. Em seguida, tem muita ação com o inacreditável herói Randy Cunningham em Randy Cunnhingham Ninja Total. A maratona continua com o cineasta iniciante Spencer Wright e seu melhor amigo, o fantasma Billy Joe Cobra, em Cara, esse fantasma é meu!; a batalha continua entre um gato malvado e Coop Burtonburger, um garoto de 10 anos, que, inexplicavelmente, não conseguem se acertar, em Kid vs. Kat; a maratona termina com Super Strikas, que apresenta para os jovens fanáticos por futebol tudo o que acontece nos bastidores do esporte e as situações que eles só veriam de longe.

GLOBO TIRA PRIVILÉGIOS  E ENQUADRA CAIO CASTRO

Cotado como um dos galãs da emissora, depois do Michel, de Amor à vida, Caio Castro perdeu a renovação de seu contrato com a Globo, previsto para mais três anos, depois de problemas envolvendo sucessivas recusas de trabalho do ator. Ele teria dito não à participação em Boogie oogie, próxima trama das 18h. Recentemente, chegou a se atrasar por quatro horas numa gravação do quadro “Saltibum”, do Caldeirão do Huck. Depois de bons momentos de tensão entre as partes, estabeleceu-se que Caio será contratado por obra. Ele fará, em 2015, Lady Marizete, trama das 19h.

DE FILHO PARA PAI

O ator Robert De Niro vai produzir Remembering the artist: Robert De Niro Sr, documentário que vai retratar, entre outros pontos, o conflito do pai do ator como homossexual. “Me senti obrigado. Era minha responsabilidade fazer um documentário sobre ele”, disse o ator à revista Out. O filme, que estreia dia 9 de junho nos Estados Unidos pelo canal HBO (TV paga), inclui uma sequência de imagens dos anos 1970. Pai e filho viveram juntos até os três anos de idade do ator. Aí, veio a separação do casal. “Não éramos o tipo de pai e filho que jogam beisebol juntos, como você pode imaginar”, disse. “Mas tínhamos uma conexão”, avalia De Niro. A ligação entre pai e filho será explicitada em cenas emocionantes do ator lendo trechos nos jornais sobre a crise de orientação sexual do seu maior ídolo. “Crescer naquela geração, sobretudo em uma pequena cidade...”, disse o ator. “Eu não era muito ciente disso. Minha mãe não gostava de falar das coisas em geral, e você não é muito interessado quando tem certa idade”, afirmou. Ele lamenta algumas lacunas no relacionamento com o pai, que morreu há mais de 20 anos vítima de um câncer. “Gostaria que tivéssemos falado muito mais sobre isso (de seu pai ser gay)”, comentou. “Pelos meus filhos, queria que eles parassem por um tempo e percebessem que às vezes você precisa fazer certas coisas antes que seja tarde demais”, analisou. E refletiu: “Porque o mais tarde pode ser 20 anos, e isso é tarde demais.”

VIVA

Bis para Irandhir Santos nunca é demais: ele comove a cada capítulo como o Zelão, de Meu pedacinho de chão (Globo).

VAIA

As pouquíssimas cenas do guru Brian Benson, vivido por Lázaro Ramos, em Geração Brasil (Globo). Como assim?

Memória nacional [Agostinho dos Santos] - Ailton Magioli

Morto prematuramente aos 41 anos, cantor e compositor paulistano Agostinho dos Santos deixou obra que merece ser conhecida, agora relançada pelo selo Discobertas



Ailton Magioli
Estado de Minas: 30/05/2014


Agostinho dos Santos ficou conhecido em 1962, depois de gravar Manhã de carnaval, tema do filme Orfeu do carnaval
Agostinho dos Santos ficou conhecido em 1962, depois de gravar Manhã de carnaval, tema do filme Orfeu do carnaval
Ele trouxe à tona o talento então nascente de Milton Nascimento. Inscreveu, à revelia do cantor e compositor, três composições de autoria dele no 2º Festival Internacional da Canção (FIC), de 1967. Milton saiu vencedor como melhor intérprete por Travessia. Agostinho dos Santos (1932-1973) acabou partindo prematuramente, aos 41 anos. Deixou pequena porém expressiva obra, ainda a ser descoberta.

O selo carioca Discobertas, de Marcelo Froes, reúne os primeiros álbuns da discografia oficial do artista nascido em São Paulo, no box Agostinho dos Santos – Bossa Nova – Vol. 1 (1958-1961), com os quatro primeiros álbuns do cantor: Agostinho espetacular, de 1958; Inimitável Agostinho dos Santos, de 1959; Agostinho sempre Agostinho, de 1960, e Agostinho canta sucessos, de 1961. O Volume 2, com os discos restantes gravados pelo cantor na extinta RGE, virá a seguir, segundo a gravadora.

Com capas originais e áudio remasterizado, além de fichas técnicas e ilustrações, os discos trazem faixas bônus, revelando às novas gerações um intérprete muitas vezes ignorado pelas anteriores. Representante da primeira geração da bossa nova, Agostinho dos Santos estouraria internacionalmente em 1962, ao participar do célebre concerto de bossa nova do Carnegie Hall, de Nova York (EUA), com o Conjunto de Oscar Castro Neves, depois de gravar Manhã de carnaval, tema do protagonista do filme Orfeu do carnaval, de Marcel Camus, com trilha de Tom Jobim, Luiz Bonfá e Vinicius de Morais.

O longa-metragem, que conquistou a Palma de Ouro do Festival de Cannes (1959) e o Oscar (1960) de melhor filme estrangeiro, é produção ítalo-franco-brasileira que rendeu dois grandes sucessos a Agostinho. Além da música-tema de Orfeu, Manhã de carnaval, o cantor estourou com A felicidade.




Revolucionário
Neto de Agostinho, o multiinstrumentista Thiago dos Santos, de 29 anos, diz que a obra do avô chegou a ele por meio do pai, que estava sempre com os discos em casa. “Escuto a obra de Agostinho desde os 10 anos”, conta Thiago, que classifica a obra do avô de revolucionária. “A voz aveludada, aquele falsete, os picos de cantar grave e agudo ao mesmo tempo”, recorda, emocionado, o neto, saudando a iniciativa de Marcelo Froes de trazer a música de Agostinho dos Santos de volta, graças à parceria do pesquisador e produtor com a família.

O segundo box a ser lançado pelo selo Discobertas vai reunir cinco discos do cantor, de 1957 a 1973. O samba-canção foi um dos principais gêneros defendidos pelo intérprete, incluído entre os intérpretes pré-bossa nova. “Na época, havia quem ficasse de cara virada para os cantores de rádio, só que meu avô e Elizeth Cardoso explodiram com a bossa”, recorda Thiago dos Santos.

A divulgação e promoção da bossa nova no exterior foi a principal contribuição de Agostinho Santos para a música brasileira, segundo Thiago. “Manhã de carnaval fez sucesso no mundo inteiro”, recorda o neto do cantor, lamentando o esquecimento da obra de Agostinho e de tantos outros da mesma época, tais como Johnny Alf, Elizeth Cardoso, Leni Andrade e outros que ainda estão em atividade. Apesar de ele ter gravado inclusive no exterior (Venezuela, Chile, Portugal, África do Sul e Estados Unidos), Thiago dos Santos desconhece o pagamento à família de direitos autorais de outros países.

Preconceito racial
Sob os cuidados da filha Nancy dos Santos, o acervo do cantor reúne rolos de filmes, fotografias, roupas, troféus e reportagens. Morto vítima de acidente aéreo, Agostinho dos Santos se preparava para participar de um festival de música na Grécia, no qual defenderia Paz sem cor, da parceria com Nancy, na qual abordavam o preconceito racial. “Segundo consta, ele sofreu preconceito ao frequentar clubes e outros espaços”, lamenta Thiago, que planeja criar um espaço dedicado à memória do avô na região de Pinheiros, em São Paulo, onde reside.

Nos anos 1950-60, Agostinho dos Santos ganhou prêmios e atuou como compositor, além de cantor. Ele também participou do lendário Festival de Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, com o conjunto de Oscar Castro Neves. O cantor teve rápida passagem pelo rock'n'roll, nos anos 1950, gravando Até logo, jacaré, versão de Julio Nagib para See you later, alligator, de Bill Halley & His Comets.

Na opinião de Marcelo Froes, Agostinho é um cantor singular, com sua voz e divisões, que não deixou discípulos. “É fácil reconhecer a voz dele, da mesma forma que é fácil reconhecer Miltinho”, compara o pesquisador, lembrando que Agostinho gravou oito álbuns entre 1958 e 1964, o que totaliza mais de um lançamento por ano, reflexo do sucesso de então.

 (Ricardo Sakai/Divulgação)

Ele tinha a voz aveludada, aquele falsete, os picos de cantar grave e agudo ao mesmo tempo - Thiago dos Santos, músico e neto de Agostinho

Câncer e obesidade, uma ligação perigosa‏

Câncer e obesidade, uma ligação perigosa Experimentos indicam que excesso de peso facilita o desenvolvimento de tumores malignos. Pesquisadores, no entanto, tentam identificar quais processos estão envolvidos nessa relação 

Bruna Sensêve
Estado de Minas: 30/05/2014


Estima-se que, se cada adulto reduzir o seu índice de massa corpórea (IMC) em apenas 1%, cerca de 100 mil novos casos de câncer poderão ser evitados no mundo. Os pesos a mais estão rapidamente superando o tabaco como a principal causa prevenível de tumores malignos e, embora os dados ainda sejam preliminares, pesquisas sugerem que o risco de desenvolver e morrer de cânceres comuns é aumentado em indivíduos obesos. A obesidade e o sobrepeso contribuem para uma a cada cinco mortes relacionadas ao câncer, e cerca de 84 mil diagnósticos da temida doença a cada ano são atribuídos ao excesso de peso. Por esses e outros motivos, a ligação biológica entre as duas enfermidades é um dos temas-chave deste ano do 50º Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), o maior e mais importante evento científico sobre câncer do mundo, que começa hoje, em Chicago, nos Estados Unidos.

Conduzido na Universidade de Oxford, no Reino Unido, o principal estudo a ser apresentado nessa linha oferece uma nova visão sobre a relação da obesidade e a mortalidade por câncer de mama. A pesquisa envolvendo 80 mil pacientes com a doença em estágio inicial indica que o excesso de peso está associado a um risco 34% maior de morte relacionada aos tumores na mama em mulheres prestes a entrar na menopausa e com receptores de estrogênio (ER) positivos para a doença. “De uma forma geral, a obesidade aumenta substancialmente os níveis de estrogênio no sangue apenas em mulheres na pós-menopausa. Por isso, ficamos surpresos ao descobrir, na nossa pesquisa com mulheres ER positivo, que ela tem impacto negativo apenas nas pacientes em pré-menopausa”, declarou Hongchao Pan, um dos responsáveis pelo estudo.

Os resultados, avalia Pan, indicam que os cientistas ainda não entendem os principais mecanismos biológicos pelos quais a obesidade afeta os prognósticos. Das 20 mil pacientes na pré-menopausa com ER positivo, a taxa de mortalidade por câncer de mama foi um terço maior entre as obesas do que naquelas que tinham o peso normal. Isso significa, por exemplo, alterar um risco de mortalidade por câncer de mama de 15% para 20% num período de 10 anos. Em contraste, a obesidade teve pouco efeito sobre o resultado desse tipo de tumor nas 40 mil participantes que estavam na pós-menopausa e tinham o ER positivo e nas 20 mil com o ER negativo para a doença.

É, então, possível que a mudança do estilo de vida mude o prognóstico para pacientes com câncer de mama? Pesquisadores da Universidade de Yale, nos EUA, acreditam que sim. O trabalho que também será apresentado no Asco deste ano incluiu 97 pacientes obesas com a doença e demonstra que a perda de peso é associada a menores níveis de várias substâncias associadas ao tumor, como fator de necrose, insulina e glicose. “Esses importantes dados dão suporte para uma composição de várias estratégias usadas no processo de cura das pacientes que devem, a fim de otimizar os resultados, envolver não só os tratamentos cirúrgicos, radioterápicos, quimioterápicos e anti-hormonais, mas também nutricionais, endocrinológicos e de exercício físicos”, defende Fernando Maluf, oncologista da Clínica Oncovida, em Brasília, e chefe do Departamento de Oncologia Clínica do Centro Oncológico Antônio Ermério de Moraes, da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

Maluf está presente no evento e destaca um terceiro trabalho na área. Um estudo do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York (EUA), com 238 mulheres vítimas do câncer de mama demonstrou, pela primeira vez, que a associação entre obesidade e maior risco da doença provavelmente se dá pelo aumento da inflamação no tecido mamário, bem como dos níveis de aromatase, enzima que atua no estrogênio — hormônio feminino ligado aos tumores na mama. “Além desses mecanismos, outros explicam esses achados, como o fato de existir nas obesas uma maior produção hormonal no tecido gorduroso, de haver substâncias que estimulam o crescimento do tumor no tecido gorduroso e de o excesso de peso e o diabetes provocarem modificações nos níveis de insulina e em seus fatores de crescimento, levando a um estímulo no desenvolvimento e no crescimento do câncer.”

Esforços a longo prazo

Ainda neste ano, a Asco emitirá uma declaração política e convocará uma reunião de cúpula para pesquisadores de uma gama de disciplinas relacionadas à obesidade, a fim de identificar e priorizar futuros esforços de pesquisa na área . A Sociedade Americana de Oncologia Clínica também declarou que foca seus esforços para integrar o treinamento em gerenciamento de peso junto à oncologia e, dessa forma, contribuir para a formação de uma nova geração de oncologistas preparados para gerir eficazmente os desafios relacionados à obesidade.

Mudanças na dieta

A restrição calórica, dieta em que a ingestão de alimentos é reduzida, tem sido apontada como estratégia de longevidade. Uma nova pesquisa sugere que a prática pode gerar outros benefícios, incluindo melhoras no tratamento contra o câncer de mama. De acordo com um estudo publicado ontem na revista Breast Cancer Research and Treatment, o subtipo triplo negativo da doença – uma das formas mais agressivas –  é menos provável de se espalhar (metástase) quando cobaias são alimentadas com uma dieta restrita. Segundo os pesquisadores do Departamento de Radiação Oncológica da Universidade Thomas Jefferson, a alimentação indicada se transformou em um programa epigenético que protegeu os ratos de doença metastáticas. De fato, quando modelos de camundongos com câncer triplo-negativo foram alimentados com 30% menos do que o que eles comiam quando tinham acesso livre à comida, as células cancerosas diminuíram a produção de microRNAs, moléculas de RNA que agem em outros genes das células e muitas vezes são aumentadas em câncer triplo-negativo que sofrem metástase.

Risco maior de recidiva

As evidências científicas mais fortes mostram uma ligação entre o excesso de gordura corporal e tumores malignos de endométrio (nas mulheres), colorretal, esôfago, rins, pâncreas, assim como o câncer de mama na pós-menopausa. “Existem algumas possibilidades. Sabemos que os pacientes obesos e com sobrepeso têm geralmente mais gordura e, junto a isso, um nível de inflamação baixo, mas crônico, que também leva a um maior risco de câncer”, diz Gilberto Lopes, oncologista do Hospital do Coração de São Paulo (HCor-SP) e membro do Comitê Consultivo do 50º Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco 2014).

Os médicos tratam o excesso de peso como um fator independente de risco. Ou seja, não está necessariamente ligado à falta de exercício físico ou a uma alimentação ruim. O tecido adiposo (formado por gordura) é considerado um órgão endócrino que produz diversas substâncias, toxinas e fatores inflamatórios capazes de induzir a proliferação celular e, em última instância, os tumores. “O tecido gorduroso produz substâncias que vão causar uma série de ativações celulares em diversos órgãos, não só no aparelho digestivo, elevando o aparecimento de câncer”, detalha Marcelo Cruz, oncologista do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes.

Cruz observa que o tecido adiposo é um órgão ativo que precisa ser melhor estudado não só para pacientes obesos que desenvolvem a doença, mas para aqueles com excesso de peso que já tiveram o câncer e que têm a quimioterapia como tratamento indicado. Isso porque os riscos não se restringem ao desenvolvimento da doença, mas também à recorrência do mal. “Pacientes obesos tem 52% a mais de chances que a população geral de desenvolver um câncer fatal. Nas obesas, o percentual é de 62%. Para essas pessoas, o risco após o tratamento de ter recaída é muito maior”, garante Lopes. “Eles também precisam emagrecer porque a obesidade aumenta o risco de aparecer um novo câncer depois do tratamento, aumentando o risco do câncer voltar.” O oncologista ressalta ainda que as chances de metástase são maiores se comparados os paciente com excesso de peso àqueles que mudaram os hábitos de vida e emagreceram. (BS) 

Eduardo Almeida Reis - Mimo recebido‏

Estado de Minas: 30/05/2014 


Mimo recebido

Surpresa não foi, porque a remessa do mimo, via Sedex, tinha sido anunciada. Mimo, no sentido de “presente”, seria força de expressão, porque pedi ao casal residente em Brumadinho, que trabalha em Belo Horizonte, que me mandasse um pacote dos biscoitos belgo-mineiros produzidos no Carmo-Sion, próximo do Bairro Cruzeiro, chamado Alto Savassi pelo saudoso Roberto Drummond. Atleticano fanático, Roberto não podia morar no Cruzeiro, daí a invenção do Alto Savassi quando se mudou para um apê “de alto bordo”. Ideia que inspirou o meu Savassi Hills na mudança de Juiz de Fora para a Favela do Cafezal. Amplo apartamento alugado praticamente dentro da favela, hoje transformada em comunidade.

Volto ao mimo sedexado, que pode ser considerado “presente” remetido por Danielle e Lauro Diniz, ela nascida em França, ele em Paraopeba, no tempo em que havia por lá um padre acordando a cidade, aos berros, às cinco da matina, pelos alto-falantes instalados na torre de igreja: “Acorda, Paraopeba pecadora!”.

Já mereci da mineira, que produz os biscoitos com o seu marido belga, amável e-mail quando elogiei os seus produtos. Morei 16 anos em BH, vivia comendo e bebendo na parrilla do excelente Francisco Tomás Mesquita, uruguaio de Artigas e parrillero no Cruzeiro, e nunca me falaram do maravilhoso biscoito.

Hoje, sempre que tiver portador de lá para cá, pretendo encomendar pacotes de meio quilo. Assim mesmo, sem hífen, porque meio-quilo hifenado é regionalismo brasileiro de uso informal para indivíduo baixote. E depois dizem que é fácil escrever mil e quinhentas palavras/dia.
Como também não foi fácil receber o mimo, porque o paraopebense vive ocupado entre Brumadinho, BH, Brasília, Nova York e Paris. Salvou-me o fato de Danielle ser francesa, portanto vizinha do Royaume de Belgique, de Philippe Léopold Louis Marie de Belgique, né le 15 avril 1960 au château du Belvédère à Bruxelles, le 7e roi des Belges depuis le 21 juillet 2013.

Com os agradecimentos ao casal Diniz vou comer mais um biscoitinho e deixo para contar noutra ocasião a história das velhinhas do Caxiri, margem direita do Rio Cuiabá, Pantanal do MS, sempre que o Dr. Octávio da Costa Marques, fazendeiro rio acima, lhes mandava um presentinho.

Greves
Primeiro foi a PM da Bahia, seguida pelas PMs do Rio Grande do Norte, do Amazonas, de Pernambuco – e faltava pouquíssimo tempo para a Copa das Copas. Função de polícia não congemina com o treinamento das Forças Armadas, como se vê no complexo de favelas da Maré, caminho de quem sai do Aeroporto Internacional do Galeão batizado com o nome de Antônio Carlos Jobim, desrespeitando a memória de um brasileiro genial. Galeão, navio a vela com quatro mastros, de alto bordo, armado em guerra, usado no transporte de cargas de alto valor na navegação oceânica entre os séculos XVI e XVIII, é hoje em Portugal embarcação de pesca de cerco de sardinhas. O nosso Galeão, do jeito que está, nem serve para pescar sardinhas.

A Constituição Federal, artigo 9º, e a Lei nº 7.783/89 asseguram o direito de greve a todo trabalhador, competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre os interesses que devam por meio dele defender: está no Google. Há direitos e proibições de análise complicadíssima, que alongariam este suelto sem proveito para os leitores e o philosopho, além de estar fora do entendimento de um PM normal. A PM de Minas já teve oficiais médicos de notável saber médico-filosófico e possivelmente ainda os tem. Lembro-me, com especial carinho, do doutor Flávio Neves, psiquiatra e latinista, que participava das missas na Igreja de São José em Belo Horizonte.

Mais de uma vez, na latinização das missas dos bons tempos, o padre deixou o altar para rir da sacristia, diante das frases encaixadas pelo Dr. Flávio durante o missar, verbo que entrou em nosso idioma circa 1560: “celebrar missa”.

Se o sertanejo de Euclides da Cunha era antes de tudo um forte, o soldado PM brasileiro é antes de tudo um bobo ao trabalhar em função perigosíssima, ganhando uma tuta e meia para ser criticado pela mídia e punido pela corporação ao trocar tiros com bandidos de alta periculosidade, não por gosto, mas a serviço da sociedade.

O mundo é uma bola
30 de maio de 70: cerco de Jerusalém. Tito e suas legiões romanas derrubam o segundo muro da cidade. Os defensores judeus retiram-se para o primeiro muro, enquanto os romanos recorrem à técnica militar da circunvalação cortando todas as árvores num raio de 15 quilômetros.
Em 1415, pelo Concílio de Constança, na Alemanha, Jerônimo de Praga é condenado por heresias à morte na fogueira. Jerônimo (1379-1416) foi o principal discípulo e o mais devotado amigo de Jan Huss, o célebre reformador religioso tcheco. Foi churrasqueado no mesmo dia da condenação.
Em 1431 foi a vez de torrarem Joana d’Arc, de 19 aninhos, por bruxaria. O pessoal não alisava: queimava, mesmo. Joana torrou em Rouen, France. Em 1569, 11 dias depois da execução de Anne Boleyn, Henrique VIII se casa com Jane Seymour, que escapou de ser decapitada porque morreu de parto. Jane consta de minha árvore genealógica. Hoje é o Dia do Geólogo e do Decorador.

Ruminanças
“O norte-americano é um inglês fabricado em série” (Sofocleto, 1926-2004).

A menina gulosa - Carlos Herculano Lopes


Estado de Minas: 30/05/2014


De volta a Aimorés, depois de longo tempo sem retornar àquela terra na qual tantos amigos fiz, pego novamente o trem da Vale, único no Brasil de passageiros a ligar duas capitais, Belo Horizonte e Vitória. Viagem longa, de cerca de 10h30, para vencer os 489 quilômetros que separam BH de meu destino. Sigo na companhia do fotógrafo Alexandre Guzanshe, da sua mulher, Bia, e da filhinha deles, a linda Sofia, que está encantada com a aventura. Ao meu lado, se senta uma adolescente. Na poltrona de trás, vão duas outras mulheres, que logo fico sabendo serem sua mãe e irmã.

Aquela garota, desde que se ajeitou, após guardar a mochila no bagageiro, não parou de comer. Primeiro, foi um saquinho de batatas; depois, traçou duas mexericas pocans; e na sequência, assim que o trem deu a partida da estação, em Belo Horizonte, ela começou a se deliciar com uma barra de chocolate. Nos minutos seguintes, faz uma pausa nas guloseimas, e começa a ler A menina que roubava livros, do australiano Markuz Zusak, obra levada ao cinema pelo britânico Robert Bierman.

 Para puxar conversa, já que ficaremos um tempão lado a lado, pergunto se está gostando do romance. “Muito, também assisti ao filme e adorei”, ela responde, sem espichar conversa. Isso porque, nesse momento, passa um funcionário do trem, oferecendo lanches. E a menina, com os olhos brilhando, compra Coca-Cola, pão de queijo, e mais um saquinho de batatas. Aproveita também, pois os pedidos já podem ser feitos, para garantir o almoço, que começará a ser servido às 11h. “Pode ser um marmitex mesmo”, diz ao rapaz, que faz as devidas anotações. Sua mãe e irmã também encomendam.

E vamos indo. Na estação Dois irmãos, pouco depois do início da viagem, uma parada do trem, bastante breve, para a descida e entrada de passageiros. A garota, que já fechou o livro, aproveita para comer o pão de queijo, tomar a Coca no canudinho e avançar nas batatinhas. “Aceita, moço?”, pergunta, educadamente. Agradeço, e começo a encarar uma empada, que também havia comprado. Nisso, ela se volta para a mãe e a irmã, que conversam animadamente, e entra no papo.

Mas por pouco tempo, porque menos de uns 40 minutos depois, quando o trem havia parado em outra estação, ela aceita um sanduíche de pão integral com ricota, oferecido pela mãe, e começa a comê-lo. Pela boca boa que faz, deve estar uma delícia. Após terminar, volta-se ao livro; bem não lê meia página, se levanta, e sai do vagão. “Talvez tenha ido ao banheiro, ou ao carro-restaurante”, penso. Quando retorna, diz à irmã que tinha ido recarregar o celular.

“Você é de BH?”, pergunto, dando uma pausa na leitura que estava fazendo. “Não, vamos até Vitória”, responde a menina, sem dizer de onde era. Também não tem vontade de conversar mais, porque está na hora do almoço, que ela recebe ali na poltrona e logo começa a comer. No marmitex, veio arroz, um pouco de feijão, tomate, alface e iscas de franco. Parecia estar gostoso, o que pude comprovar depois, quando fui ao carro-restaurante e também pedi um, sentado ao lado de uma moça de Santa Bárbara.

E fomos indo, com o trem margeando o Rio Doce, que começa a sentir a falta das chuvas. E passamos por tantas estações: Intendente Câmara, Periquito, Governador Valadares, Krenak, Resplendor e muitas mais, não necessariamente nessa ordem. Como os outros passageiros, cochilamos, conversamos, andamos pelo trem, e voltamos ao carro-restaurante, pois tempo é o que sobra em uma viagem como aquela. E a garota, sempre comendo alguma coisa, me disse se chamar Arlete, e viver em Belo Horizonte, em Venda Nova. A mãe é Vera, e a irmã, Luiza. E estavam indo a Vitória para o aniversário da avó Zilda, que ia fazer 95 anos. “Vamos aproveitar também para ir a Guarapari, onde vive uma tia nossa”, completou.

 Às 17h30, quando finalmente chegamos a Aimorés, onde Guzanshe, sua mulher Bia, a pequena Sofia e eu descemos, pude ver quando Arlete - após nos despedirmos – ainda teve tempo para comprar duas cocadas e pés-de-moleque, que meninas da sua idade, de rostos tristes, vendiam na estação.