domingo, 9 de dezembro de 2012

Colunista Convidado -CAMILA PITANGA -Para não chorar pitangas


O Globo - 09/12/2012

“Que tal nos inspirarmos na prioridade
dada à Educação pela presidenta e usar
nossa vocação mobilizadora para
lembrar ao governador que ele também
tem algumas coisas para vetar?”


Quando quebrei o protocolo e clamei “Veta, Dilma!” diante da presidenta,
em 4 de maio, apenas vocalizei o pedido de mais de três milhões
de brasileiro(a)s contra um Código Florestal retrógrado aprovado
no Congresso Nacional. Mas os vetos da presidenta ficaram
aquém do esperado pela sociedade civil: foram mantidas anistias
criminosas, e o governo, em vez de criar novas unidades de conservação
para dar um basta à destruição da Amazônia, diminuiu as já
existentes. Mais uma vez o Brasil saiu prejudicado pela pressão da
bancada ruralista e outros representantes do agronegócio — aliás,
grande financiador de campanha de muitos parlamentares.

Para não ficarmos chorando as pitangas, é bom lembrar que mesmo
o Código Florestal original não era respeitado e, portanto, se pelo
menos o que foi votado for aplicado sem concessões, sem impunidade,
utilizando todas as ferramentas disponíveis para o estado,
na prática podemos obter ganhos em relação ao quadro anterior,
que era só uma ficção sem aplicação real. Além disso, com o movimento,
provamos para nós mesmos e para nossos governantes que
somos capazes de fiscalizar, cobrar e participar das decisões políticas
que afetam nossas vidas e nosso futuro.

O governador Sérgio Cabral usou a expressão “Veta, Dilma!” como
mote para a recente passeata no Centro do Rio. A pergunta ainda
sem resposta é se haverá transparência de gastos e a aplicação
efetiva dos recursos mantidos no estado. Afinal, o Rio já dispõe de
muito dinheiro do petróleo e nem por isso vemos resolvidos problemas
crônicos como saneamento e saúde. Pra onde vão os royalties
que já recebemos?

Felizmente, dessa vez a decisão da presidenta Dilma foi muito
equilibrada: a validade de contratos já firmados foi assegurada, mas
uma redistribuição gradual mais equitativa dos recursos também
foi prevista, em prol de um projeto de desenvolvimento nacional.
Dilma vetou o que tinha que vetar e manteve o que tinha que manter.
De quebra, ainda mostrou aos brasileiro(a)s que nossa prioridade
deve ser a Educação: a medida provisória publicada esta semana
no Diário Oficial da União determina que ela receberá 100% dos recursos
provenientes de novos contratos.

Que tal nos inspirarmos na prioridade dada à Educação pela presidenta
e usar nossa vocação mobilizadora para lembrar ao governador
que ele também tem algumas coisas para vetar? É o caso da
demolição da Escola Friedenreich, uma das nossas melhores instituições
públicas de ensino, que será destruída para dar lugar a quadras
de aquecimento para o complexo do Maracanã. Pais e alunos
ainda não sabem o que será dos estudantes e não têm qualquer garantia
legal de que sequer continuarão juntos. É hora de juntar nossa
voz à de milhares de cariocas que já assinaram a carta de apoio
aos pais: escola não se destrói! Veta, Cabral!

E você, faria o quê? - Dorrit Harazim


O Globo - 09/12/2012

Início da tarde de segunda-feira
passada em Nova York. Na estação
de metrô da Rua 47 com Sétima
Avenida, um morador de rua
arruma encrenca com um desconhecido
na plataforma da linha Q. Cena
urbana corriqueira num sistema de
transporte utilizado diariamente por
5,2 milhões de usuários.

Após uma altercação rápida, o encrenqueiro
empurra o senhor de 58
anos para o fosso de trilhos da estação.
Na plataforma, alguns passageiros
gritam, outros agitam os braços
ou ouvirem o apito do trem. Mas o
condutor já nada pode fazer. A vítima
também não — restou-lhe a eternidade
de quinze segundos para ver o vagão
de frente.

No dia seguinte o tabloide “New
York Post” estampou uma foto de página
inteira que mostra o trem adentrando
a estação com seus dois faróis
a iluminar a tragédia anunciada. No
fosso, vê-se a vítima de costas voltada
para o vagão, a tentar erguer-se para a
plataforma. Os últimos poucos metros
ainda os separam. Sobre a imagem,
um título em letras garrafais:
“CONDENADO — empurrado sobre
os trilhos, este homem vai morrer.”

A partir daí o morto foi esquecido,
tragado por outra polêmica: é dever
do fotógrafo — profissional ou amador
— intervir quando uma tragédia
se apresenta à sua frente? É jornalismo
ou voyeurismo induzido publicar
uma imagem de morte iminente, de
impacto previsível sobre a emoção e a
imaginação do leitor?

A questão não é nova. De Walter
Benjamin (“Pequena história da fotografia”)
ao recém-publicado “About
to Die: How News Images Mode the
Public” (ainda sem tradução no Brasil),
de Barbie Zeliger, passando pelo
clássico de Susan Sontag (“Diante da
dor dos outros”), a complexa relação
entre fotojornalismo e humanidade
continua a atormentar.

Fotografias do Holocausto, da Revolução
Cultural chinesa, de linchamentos
de negros nos Estados Unidos,
de genocídios ou corpos que despencaram
das Torres Gêmeas são
perpetuamente analisadas sob este
prisma.

Um caso citado à exaustão como
exemplar desse impasse moral é o do
sul-africano Kevin Carter, autor da foto
premiada com o Pulitzer de 1993. A
imagem mostra uma menina africana
esquálida, à beira da inanição, acocorada
num chão empoeirado do Sudão.
Atrás dela, na mesma terra batida,
um abutre quase maior do que a
menina está à espreita.

Carter contou que permaneceu
imóvel por 20 minutos à espera de
que a ave abrisse as asas para melhor
compor o cenário do horror. Mas o
urubu não se mexeu. Ainda assim, a
imagem tornou-se ícone e catapultou
o autor para a fama.

Junto com a fama veio a cobrança:
por que ele não largou a câmera e foi
socorrer a menina? Carter suicidouse
um ano após receber o Pulitzer e
são frequentes as associações entre
uma coisa e outra. Elas são indevidas,
por simplistas.

Sua vida extraprofissional sempre
fora sujeita a tormentas profundas.
Seus muitos anos de coberturas de
tragédias humanas, narradas em parte
num livro obrigatório sobre o tema
(“Clube do bangue-bangue”, de Greg
Marinovich e João Silva), apenas
agravaram o quadro.

Agora, foi com ímpeto de justicialismo
moral que a opinião pública se
voltou contra Umar Abbasi, o autor
da foto do morto no metrô.

De acordo com sua versão do ocorrido,
naquela segunda-feira ele havia
concluído um serviço para o “Post” e
entrara na estação com uma mochila
contendo 10kg de equipamento nas
costas. Trazia a câmera na mão, como
sempre.

Em determinado momento, ouviu
uma grande agitação na plataforma
mais à frente. Levou alguns segundos
até entender o que ocorria. “Ao ver as
luzes da composição à distância me
ocorreu alertar o maquinista disparando
o flash. Bati as chapas segurando
a câmera com meu braço estendido,
longe dos olhos”, relatou. Pelas suas
contas, disparou o flash 49 vezes,
sem focar nem mirar no homem nos
trilhos, prática corriqueira de quem
não tem visão direta do objeto a ser
fotografado.

Abbasi não se conforma em ser alvo,
sozinho, do linchamento moral.
Com razão. Nem um único passageiro
da plataforma se aproximou do
fosso para tentar içar a vítima a tempo;
apenas gritavam para que ela saísse
dos trilhos. Pior: praticantes da
cultura da imagem instantânea, muitos
ainda sacaram seus smartphones
e se puseram a fotografar o corpo sendo
retirado após o choque. Apenas
(ainda) não as revenderam.

Passada uma semana de estridência
nas redes sociais, o autor do empurrão
fatal foi identificado e preso e
Abbasi recebeu algum respiro. Afinal,
a obrigação moral de intervir ou não
deveria ser indistinta para fotógrafos
ou meros transeuntes. São decisões
tomadas em frações de segundos diante
de situações extremas que nem
sempre seguem a lógica da razão.
Que o digam as inúmeras vítimas de
assalto no Brasil que reagem de forma
imprevisível.

“Estamos falando de meros reflexos.
Você está no piloto automático e
nem sempre atua de forma racional”,
declarou em defesa de Abbasi o britânico
Stuart Franklin, ex-presidente da
agência Magnum e autor da famosa
foto do manifestante chinês que enfrentou
a fileira de tanques na Praça
da Paz Celestial, em 1989.

Por sorte, nem todos os bípedes
têm reflexos iguais. Cinco anos atrás,
um jovem estudante de cinema perdeu
a consciência por alguns segundos
e caiu nos trilhos de uma estação
de metrô do Harlem. O operário da
construção civil Wesley Autrey, de 51
anos, estava na plataforma com as filhas
de 4 e 6 anos de idade. Num impulso,
entregou as meninas a um desconhecido
a seu lado e saltou para o
fosso. Ali, arrastou o jovem desacordado
para o vão dos trilhos, de meio
metro de profundidade, e o cobriu
com o próprio corpo. Assim permaneceu
até a parada do trem, que estacionou
2,5cm acima de ambos. Foram
resgatados 40 minutos depois,
com pouquíssimos machucados. Autrey
é saudado e reconhecido até hoje
como o “Herói do Metrô”.

Na época, ganhou um jipe Patriot,
uma bolsa de estudos para cada filha,
várias comendas e presentes. Continua
trabalhando como operário.
Considera-se um homem feliz. 

Dorrit Harazim é jornalista

O Malandro e o Mané - Juca Kfouri


Malandro é o Emerson Sheik, campeoníssimo. Falso malandro nem precisa dizer quem é
JOÃO SALDANHA, inesquecível, gostava de dizer que queria fulano ou beltrano para jogar no seu time, não para casar com sua filha.
Durante anos repeti a frase até que um dia me dei conta de que não queria mais saber de gente que não serve para casar com minha filha.
No futebol, inclusive.
Porque Saldanha dizia essas coisas quando era bacana lembrar com nostalgia do Clube dos Cafajestes, que era muito mais um clube de bons viventes do que propriamente de cafajestes.
Do mesmo modo que boêmio é uma coisa e cafajeste é outra, malandro é uma coisa, falso malandro, ou mané, é outra.
No futebol, malandro é o Emerson Sheik, que deu a cara para o argentino Caruzzo bater e mordeu-lhe a mão, além de fazer os dois gols da decisão da Libertadores, contra o Boca Juniors.
Malandro e colecionador de títulos pelos clubes brasileiros que defendeu, tricampeão nacional que foi em 2009, 2010 e 2011 por Flamengo, Fluminense e Corinthians, respectivamente.
Já Luis Fabiano é o falso malandro, é um Fabuloso mané, expulso em apenas 13 minutos de jogo
contra o fraco Tigre na decisão da Copa Sul-Americana, ao tentar chutar, e nem acertar, o zagueiro rival Donati.
O que explica por que com a camisa do São Paulo ele tem apenas um título -e do Rio-São Paulo...
Deve até ganhar o segundo agora, porque só um episódio tolimal, ou mazembal, frustrará o Morumbi nesta quarta-feira.
Mas Luis Fabiano não sairá na foto, suspenso que está.
Entre o Sheik e o Fabuloso, para jogar no meu time, não tenho a menor dúvida sobre quem prefiro.
Verdade que, de fato, no entanto, não queria nem um nem outro.
Porque, na vida, o malandro é Luis Fabiano, cidadão correto, exemplar, e o mané é Emerson, metido em toda sorte de confusões.
Ou seja, é como se, figuramente, um não fumasse, não bebesse e... não jogasse.
E o outro, ao contrário.
Então, para ser coerente, não quero um, que deixaria o meu time na mão, nem quero outro, de convivência complicada.
E aí, diante de tudo isso, como
fazer para montar o ataque do meu time?
Quem escolher sob princípios tão rígidos e antiquados, avessos ao pragmatismo que comanda este mundo que celebra apenas as vitórias e não se importa com os meios para atingi-las?
Ora, a resposta é fácil, facílima.
Alguém como Tostão.
Saldanha assinaria embaixo.
QUERIDO MESSI
Sabe como perceber que alguém virou unanimidade positiva, perto da beatificação?
É quando este alguém cai com a mão no joelho, sai do gramado de maca, chorando, e o mundo todo vai dormir preocupado. Mas comemora, no dia seguinte, ao ficar sabendo que não houve nada de grave com Lionel Messi.
Pelé, na Copa do Mundo de 1962, viveu isso. Ronaldo Fenômeno, três vezes, também.
Infelizmente, com uma diferença: era grave.

    Azedou e levantou poeira - Vinicius Torres Freire


    folha de são paulo
    Pibinho não disse coisa nova sobre a economia, mas ambiente ficou azedo e Dilma parece perdida
    DILMA ROUSSEFF disse que jamais viu jornal propor demissão de ministro. A presidente indignava-se de responder à sugestão da revista britânica "The Economist", que na semana passada avacalhou o Brasil e pediu a cabeça do ministro da Fazenda.
    A presidente poderia ter se poupado do vexame duplo que foi responder à sugestão e dizer bobagem ao fazê-lo. Aqui e alhures, a imprensa não apenas pede a cabeça de ministros e presidentes como ajuda a derrubá-los. No mínimo, a presidente deve saber quem foi Carlos Lacerda, brilhante articulista de golpes nos anos 1950 e 1960, que pedia a cabeça e o fígado de presidentes. Mas passemos.
    Como Dilma lê jornais e livros, é provável que o tropeção se deva ao fato de a presidente estar "hecatombada pela vaga da ressaca", como diz o verso de Mário Faustino, fora de si por causa do resultado muito ruim do PIB, de fato um ressacão, nos vários sentidos da palavra.
    Em português mais corrente, Dilma ainda pergunta se anotaram a placa do caminhão que atropelou o devaneio inaugural da sua presidência, de crescimento médio de quase 6% no seu mandato, em vez do 1,8% da primeira metade de seu governo.
    Sim, o clima azedou na semana que se seguiu à divulgação do Pibinho. Nem era para tanto, mas azedou. Se no terceiro trimestre a economia tivesse crescido o esperado, o desempenho ainda seria muito ruim, de crescimento anual em torno de 1%.
    Sim, a ressaca lavou a esperança de crescimento maior em 2013, mas também não muito. Mais importante, o número pífio do PIB destampou e deu mais legitimidade às críticas engasgadas na garganta de muita gente, em especial economistas ditos "liberais".
    Porém, Dilma é apenas em parte responsável pelo mau resultado de agora. Se continuar a insistir em algumas políticas, pode legar coisa ainda pior a seu sucessor(a). Decerto tem ajudado a atrapalhar.
    Seu governo não tinha projeto. Intervém onde não deve na economia. Aceitou o pacote de ministros e agregados proposto por Lula, gente muita vez incompetente, enrolada ou corrupta mesmo.
    A quizumba promovida por essa gente ajudou a derrubar o investimento do governo e a desorientar normas que pautam a atividade econômica, veja-se a miséria das agências reguladoras.
    Em termos macroeconômicos, seu governo não vai mal. A dívida pública cai, os juros caíram muito. A inflação vai alta, mas nem tanto agora. Mas Dilma acredita que pode fazer a economia andar controlando preços, lucros e apenas dando dinheiro a empresários.
    A presidente dá alguns sinais de que as coisas podem melhorar no futuro, mas em seguida nubla o ambiente, levanta poeira batendo o pé em vez de negociar e obter resultados. Veja-se o caso da redução do custo da energia elétrica ou da enrolada privatização de obras e serviços de infraestrutura (aeroportos, estradas, portos etc.). Perde seu tempo com projetos megalômanos, como o do trem-bala.
    Dilma não oferece esperança de que a economia será menos burocrática e engessada (não promete "reformas"). Dedica-se a muitos remendos e intervenções que aumentam a confusão legal e microeconômica. Mexe muitos pauzinhos, mas não faz uma canoa.

    Teorias, fatos, indícios - Marcelo Coelho


    QUESTÕES DE ORDEM
    MARCELO COELHO ccoelhofsp@uol.com.br
    Teorias, fatos, indícios
    O ponto polêmico recai sobre a qualidade das provas usadas para incriminar José Dirceu
    Corre na internet, em especial nos meios favoráveis a José Dirceu, a tese de que ele foi condenado sem provas, com base unicamente na teoria do domínio do fato, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin.
    Em entrevista à Folha, Roxin disse uma obviedade: a de que ninguém pode ser condenado sem provas. A frase, que terminou indo para o título da reportagem, não se referia, é claro, ao julgamento do mensalão -caso de que Roxin não tinha o menor conhecimento. Mas serviu para fortalecer a ideia de que o Supremo Tribunal Federal, aplicando erradamente a teoria, condenou José Dirceu com base em meras suposições.
    Nenhuma teoria é capaz de condenar ninguém. Pelo menos desde que se abandonou a concepção medieval da "responsabilidade objetiva". A saber, a ideia de que alguém deva ser punido não pelo que fez, mas sim pelo que é. Nesse gênero de retaliação, qualquer judeu poderia pagar pelos supostos "crimes dos judeus", apenas pelo fato de ser judeu.
    A teoria do domínio do fato não se confunde com a tese da responsabilidade objetiva: isso foi dito e repetido nas sessões de julgamento do mensalão.
    Na névoa que se criou em torno do assunto, o fato de Claus Roxin ser alemão contribuiu até mesmo para que se jogassem suspeitas sobre a legitimidade de sua teoria.
    No caso de José Dirceu, vale lembrar que as alegações finais do Ministério Público, pedindo sua condenação, nem sequer citaram a teoria do domínio do fato. Considerou-se haver provas suficientes de que era o mandante do esquema, nada mais do que isso.
    O problema é que os ministros do Supremo gostam de embelezar seus votos com citações a doutrinas que, por vezes, apenas reiteram o senso comum.
    Luiz Fux e Celso de Mello, nos seus votos sobre José Dirceu, estenderam-se bastante sobre o pensamento de Claus Roxin; Ricardo Lewandowski, inocentando o ex-chefe da Casa Civil, manifestou sobretudo sua preocupação de que a teoria do domínio do fato venha a ser aplicada indiscriminadamente, nas instâncias inferiores, a partir do prestígio que estava ganhando no STF.
    Suponha-se, disse Lewandowski, que aconteça um vazamento de petróleo num terminal da Petrobras. O risco é que, com base na teoria do domínio do fato, terminem condenando o presidente da empresa por causa disso.
    Não faz sentido, respondeu Luiz Fux. Seria preciso provar que o presidente desejou, ordenou, o tal vazamento; que tinha poder de interrompê-lo, mas não quis que isso acontecesse.
    É o bom senso.
    O maior problema teórico na condenação de José Dirceu, se é que podemos chamar de teórico, não está na questão do domínio do fato; a teoria nem precisaria ser invocada, ressaltou o ministro Ayres Britto, e sua condenação viria do mesmo jeito. Nem o STF inova, insistiu Celso de Mello, nesse ponto. A teoria vem sendo aplicada no Brasil há décadas, disse ele em seu voto.
    O ponto polêmico, na verdade, recai sobre a qualidade das provas utilizadas para incriminar José Dirceu. Não houve nenhum e-mail, nenhuma transcrição de conversa telefônica, nenhuma filmagem, provando claramente que ele deu ordens a Delúbio Soares para corromper parlamentares.
    Houve declarações de testemunhas, segundo as quais os envolvidos diretos no esquema sempre telefonavam a José Dirceu para "bater o martelo".
    Houve a circunstância de que Marcos Valério se encontrou com Delúbio Soares, José Dirceu e o presidente de um banco português, na Casa Civil. O encontro seria para tratar de investimentos turísticos na Bahia, alegou-se. Investimentos turísticos? Com Marcos Valério e Delúbio? Difícil de acreditar.
    Houve a circunstância de que a ex-mulher de José Dirceu obteve, por intermédio de Marcos Valério, facilidades na compra de seu apartamento. Isso coroou o conjunto probatório contra José Dirceu, disse Luiz Fux. Não teve maior importância, avaliou por outro lado a ministra Cármen Lúcia.
    Cada ministro expôs suas convicções. Para a minoria, os fatos não comprovavam de forma indubitável a culpa de José Dirceu. Para a maioria, duvidoso seria achar que Delúbio Soares sozinho tivesse organizado tudo, que a negociação da emenda sobre a reforma da Previdência tivesse sido conduzida apenas pelo ministro específico da pasta, que José Dirceu teve encontros com a presidente do Banco Rural, Kátia Rabello (intermediados por Marcos Valério) e não conversou sobre empréstimos ao PT.
    Quando alguns juristas reprovam a condenação por "sinais e presunções", disse a ministra Rosa Weber, há de se entender que devem ser descartados os "sinais e presunções" que deixam lugar à dúvida. Mas quando as circunstâncias estão intimamente ligadas com o crime, chegando a formar convencimentos, a ressalva não se coloca; os indícios, as inferências, têm a claridade da luz.
    Não para todos, evidentemente.

    PT recusa proposta de ir às ruas contra STF
    Decisão frustrou Dirceu, condenado no mensalão
    DE BRASÍLIAO diretório nacional do PT recusou anteontem proposta de um de seus membros para não reconhecer o resultado do julgamento do mensalão e empreender uma campanha de rua contra o STF (Supremo Tribunal Federal).
    A recusa frustrou José Dirceu, ex-ministro condenado pelo STF, e tornou tenso o clima da reunião do diretório petista, em Brasília, como informou o jornal "O Globo".
    A proposta foi feita por um dirigente de Santa Catarina, Serge Goulart, após conversar reservadamente com Dirceu. De acordo com interlocutores, foi necessário que o presidente da sigla, Rui Falcão, convencesse os demais a nem sequer votar a requisição do colega.
    Motivo: se a proposta fosse aprovada, a sigla assumiria para si um ataque institucional contra STF; se rejeitada, pareceria um veto a Dirceu e aos demais condenados no julgamento do mensalão.
    Três dirigentes petistas relataram a frase de Falcão quando Goulart se recusou, pela primeira vez, a retirar a proposta: "Manifestamos sempre nossa solidariedade, mas não podemos associar o partido a uma campanha contra o Supremo. Nossa campanha em 2013 tem de ser pela reforma política".
    Diante da falta de apoio para iniciar a votação, o próprio Dirceu convenceu o colega a desistir da pauta. Goulart retirou a proposta e o ex-ministro deixou a reunião antes que ela acabasse. Disse a colegas que precisava buscar a filha de dois anos na escola.
    Em entrevista concedida depois, Falcão desconversou sobre a falta de apoio explícito a Dirceu após a condenação.
    "O PT está manifestando sua solidariedade. Inclusive já ouvi que colegas irão se cotizar para ajudar a pagar as multas [impostas aos réus do mensalão condenados]."
    Há uma decisão interna, apoiada pela presidente Dilma Rousseff e por seu antecessor, Lula, de não transformar a batalha dos condenados no julgamento do mensalão em uma guerra do PT.


      MENSALÃO O JULGAMENTO
      Advogados apostam em renovação de ministros para diminuir penas
      Defesas aguardam fim do julgamento para entrar com recursos que podem mudar punições
      Publicação do resultado final do caso, que dura mais de quatro meses, é esperada para depois de fevereiro de 2013
      DE BRASÍLIAO destino de 15 dos 25 condenados do mensalão pode ficar nas mãos do mais novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Teori Zavascki, e do substituto do ex-ministro Carlos Ayres Britto, que ainda não foi escolhido.
      Isso porque os advogados aguardam o fim do julgamento e a publicação do acórdão (resultado do julgamento), que é esperado para depois de fevereiro do ano que vem, para apresentar o chamado embargo infringente.
      Esse recurso é previsto para o réu que reuniu pelo menos quatro votos de ministros a favor de sua absolvição. Com isso, poderia ocorrer um novo julgamento desses réus.
      A aposta dos advogados é que a troca de cadeiras no Supremo pode diminuir penas.
      Ao longo do julgamento, Ayres Britto e Cezar Peluso deixaram a corte ao completar 70 anos. Há ainda chance de o decano Celso de Mello se aposentar no próximo ano.
      Com isso, os advogados avaliam que pode surgir um novo entendimento sobre as condenações de lavagem de dinheiro e quadrilha.
      No mensalão, o placar de 6 votos a 4, que permite esse tipo de recurso, se repetiu na condenação de 13 réus por formação de quadrilha, entre eles o ex-ministro José Dirceu e o empresário Marcos Valério, e de outros dois por lavagem, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP).
      FECHADO X SEMIABERTO
      Uma revisão do mérito teria efeito no cumprimento das penas. No caso de Dirceu, por exemplo, se o crime de quadrilha fosse revisado e rejeitado, ele deixaria de cumprir a punição em regime fechado e passaria para o semiaberto, em que trabalharia de dia e dormiria na prisão.
      O petista foi condenado a dez anos e dez meses de prisão, por formação de quadrilha e corrupção. Também foi multado em R$ 676 mil.
      O mesmo aconteceria com João Paulo, que sairia do regime fechado para o semiaberto. Acusado de receber R$ 50 mil para beneficiar as empresas de Valério em uma licitação na Câmara, o deputado foi condenado a penas que, somadas, chegam a nove anos e quatro meses de reclusão, mais multa de R$ 370 mil.
      Pelo regimento do tribunal, porém, a análise desse tipo de recurso não é automática pelos ministros.
      Depois de ser apresentado, o STF determinará um novo relator para o caso, que não pode ser o mesmo do mensalão, para avaliar se submete a questão ao plenário.
      Se for negado pelo relator, os advogados podem entrar com o chamado agravo regimental para forçar que o recurso seja apreciado pelos integrantes da corte.
      A ideia da revisão do julgamento enfrenta resistência entre os ministros. O argumento é que a análise do caso já dura quatro meses e respeitou o devido processo legal. Desde 1988, só 1 dos 54 recursos pedindo revisão de decisão da corte teve êxito.
      O ministro Marco Aurélio Mello disse que ainda é cedo para analisar a questão e que a prioridade é saber se cabe o embargo infringente.
      "Veja que cada cabeça é uma sentença. Se houver outro entendimento, como fica a segurança jurídica?", questionou.

        Especialistas falam sobre o legado que o Supremo deixa após o maior julgamento de sua história


        Olhando para a frente 
        folha de são paulo
        1 O julgamento do mensalão representa o fim da impunidade no Brasil?
        Carlos Velloso, ex-ministro do STF - Não representa o fim da impunidade nem o fim da corrupção. Mas, sim, que o Judiciário não deixará impunes os corruptores e os que se deixam corromper.
        Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito - O julgamento rompeu com o padrão de cordialidade com que poderosos eram tratados, estabelecendo um novo padrão que será exigido pela sociedade em casos futuros. Pessoas com autoridade em organizações terão que redobrar os cuidados em relação a atos praticados em suas organizações.
        Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil - Certamente não. A dificuldade de punição decorre de fatores que não são atingidos por casos episódicos. O fato de condenados em segunda instância poderem recorrer em liberdade, por exemplo, permite que réus que conseguem pagar advogados caros protelem o cumprimento da sentença, enquanto réus pobres vão para a cadeia rapidamente.
        Cláudio Couto, cientista político - Estamos falando de um único caso, que contou com atenção da mídia e pressão sobre os juízes. Para o fim da impunidade, teríamos que repetir esse padrão em outros casos, contra réus de outros campos políticos e em situações de menor visibilidade. Será que isso vai ocorrer? Tenho dúvidas, sou cético.
        2 O que o Supremo vai fazer com a força que ganhou no julgamento?
        Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia política da USP - Até hoje não quis comentar o mensalão, porque tenho dúvidas a respeito. Não gostei que julgassem o caso em período eleitoral. Não gostei da partidarização. Mas parece provado que houve desvio de dinheiro público. Se com isso o STF aumenta ou diminui sua credibilidade, não sei. Dependerá de como ele lidar com outros casos. As paixões politicas tomaram conta do caso e vai demorar um tanto até ele se decantar.
        Cláudio Couto - O STF ficará pressionado para repetir o padrão de julgamento, em especial no mensalão tucano. Se não julgar com os mesmos critérios, dará razão aos que o acusaram de julgar de forma parcial e submissa.
        Oscar Vilhena - O STF deve aproveitar a legitimidade para dar transparência à elaboração de sua pauta e para mudar a forma como são feitos os acórdãos, oferecendo uma decisão representativa da opinião da corte e não de cada um dos ministros.
        3 Mudanças na maneira como os partidos se financiam poderia auxiliar o combate à corrupção?
        Cláudio Couto - Mais importante do que mudar o sistema de financiamento é atuar para reduzir custos das campanhas, adotando um sistema de listas fechadas ou distrital misto. Também seria o caso de impedir doações de empresas diretamente para os partidos. Deveriam poder doar apenas para um fundo a ser repartido.
        Weber Abramo - Não há conexão lógica entre a proibição do financiamento privado e a redução da corrupção. Se empresas forem proibidas de financiar campanhas deixarão de corromper? Todo o raciocínio em favor da proibição do financiamento privado é deficiente.
        4 Alguma lei deveria mudar para inibir crimes que foram examinados no julgamento?
        Carlos Velloso - Os partidos políticos deverão rever o modo como se comportam diante do financiamento das campanhas. O caixa dois pode ter implicações maiores, poderá dar cadeia.
        Cláudio Couto - É preciso reduzir a possibilidade de recursos, assim como os prazos de prescrição, aproximando os critérios de julgamento das cortes inferiores dos padrões adotados pelo STF neste caso. Noutros termos, é o caso de reduzir o garantismo que nos caracteriza.
        Fausto de Sanctis, juiz federal - A não comunicação de operação suspeita de lavagem de dinheiro deveria ser crime. Há também a necessidade de uma lei rigorosa contra o crime organizado.
        Oscar Vilhena - Mais do que na alteração, o esforço deveria se dar na aplicação das normas existentes.
        Miro Teixeira, deputado - A lei não impede o crime. Mata-se e traficam-se drogas, embora as leis o proíbam. No âmbito dos crimes praticados contra a administração pública, podem ser de maior eficiência novos mecanismos de controle externo.
        5 Ficou mais fácil condenar alguém com base apenas em provas testemunhais?
        Claudio Weber Abramo - A meu ver, essa é a principal consequência do julgamento. A atitude usual em casos de propina é exigir um vínculo entre o recebimento e uma decisão que favoreça o pagador. Acontece que o vínculo cuja demonstração se exige é subjetivo. Por sua influência, o entendimento do STF tenderá a espraiar-se pelo sistema, com efeitos benéficos.
        Nino Toldo, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) - O STF não inovou. Há provas que dão ao julgador força de convencimento maior, como o exame de DNA. Isso não significa que outras provas, como a testemunhal, não tenham valor. A diferença é que o juiz sabe que existe a possibilidade de a testemunha estar mentindo, por isso, terá a cautela de verificar a versão. Esse cotejo é algo sempre peculiar, de cada caso. Por isso, não se pode dizer que o mensalão vai influenciar outros julgamentos.
        6 A teoria do domínio do fato, empregada para condenar várias pessoas no caso, será mais usada daqui para frente?
        Nelson Calandra, presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) - Nós, que estamos nas instâncias abaixo do Supremo, nas cortes estaduais, vamos estar mais atentos, podendo aplicar essa interpretação mais dura. Isso está viabilizado.
        Cláudio Couto - Sou cético quanto à possibilidade de que outros adotem esse critério. A tradição é garantista.
        Nino Toldo - Houve indevida associação da teoria a uma suposta possibilidade de condenação de pessoas que estão no comando das ações sem a necessidade de provas cabais. Com ou sem a aceitação da teoria, a necessidade de provas para uma condenação continua existindo.
        Renato Janine Ribeiro - Flexibilizar a prova pode ser útil para condenar mandantes, mas empresários, por exemplo, temem que condutas agora admitidas sejam criminalizadas por interpretação judicial, muito além da letra da lei. Isso traz insegurança.
        7 O foro privilegiado para políticos nos tribunais superiores deve acabar?
        Carlos Velloso - Sim. Se o STF se dedicar a julgar ações penais ele deixará de ser a corte constitucional que é.
        Renato Janine Ribeiro - Curiosamente, o caso deu um bom argumento pelo fim do foro privilegiado, que prejudicou a maior parte dos réus. Ele poderia ser mantido para os cargos mais altos, tendo por foro o STJ. O STF deveria ser uma corte constitucional.
        Weber Abramo - Não. Se o mensalão tivesse sido julgado na primeira instância, não teria terminado.
        Cláudio Couto - Sim, desde que acompanhado de uma reforma processual que acelere o julgamento de casos de corrupção nas instâncias inferiores e aumente a efetividade do julgamento.
        Oscar Vilhena - Sempre fui a favor da redução do foro privilegiado para um número limitado de situações. O STF não pode se transformar num tribunal de primeira instância para julgar políticos.
        Fausto De Sanctis - Deve ser repensado. É um tratamento desigual e injustificado.
        Miro Teixeira - Ele deve ser mantido apenas para dar maior celeridade aos processos e reduzir a impunidade.
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        Jornais ficam fora de banca virtual da Apple


        Folha de S Paulo - 09/12/2012

         Como no caso do Google News, empresas brasileiras recusam condições impostas para participar do Newsstand

        Veículos não aceitam cobrança de 30% das vendas e perda de base de dados dos clientes; americana não comenta

        NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO
        A exemplo do que aconteceu com o Google News no ano passado, os jornais brasileiros se unem agora em relação à Apple e negam participação no Newsstand, o aplicativo da empresa de tecnologia para imprensa.
        A Apple procurou as publicações, reunidas no Comitê de Estratégia Digital da ANJ (Associação Nacional de Jornais), para que entrassem no Newsstand, que oferece vantagens, como promoções.

        Mas os jornais questionam a cláusula contratual da Apple que impede o acesso das publicações aos dados de seus próprios assinantes. Resistem também ao percentual da receita com assinaturas cobrado pela Apple, 30%.

        PATRIMÔNIO

        Ricardo Pedreira, diretor-executivo, diz que a ANJ atua no caso como um fórum de debates e que cada jornal tomará sua decisão individualmente. Ele traça um paralelo entre as ações em relação ao Google e à Apple:

        "Em relação ao Google News [serviço de busca de notícias] e agora ao Newsstand, o objetivo é defender o conteúdo jornalístico. É defender a valorização das marcas, nosso maior patrimônio".

        Procurado, o representante da Apple nas negociações, Nicolas Vivero, respondeu via assessoria que não concederia entrevista nem faria comentário.

        Para os jornais, a questão central está nos dados, como nome, endereço, CPF. "Não pode ser assim", diz Caio Túlio Costa, diretor do comitê da ANJ. "Se o assinante tiver algum problema, é o jornal que ele vai procurar."

        A publicação precisa das informações não só para atender obrigatoriamente ao cliente, mas porque, por exemplo, "tem de mandar nota fiscal eletrônica", desde o seu enquadramento na regra, em julho.
        Carol Conway, diretora de assuntos regulatórios do Grupo Folha, acrescenta que, para os jornais, "a base de clientes vale muito, é um ativo", inclusive no que se refere aos anunciantes.

        E que, com "acesso de forma privilegiada à base de assinantes", a Apple poderia usá-lo para "se posicionar nesse mercado, se um dia decidir ser publisher ou fazer parceria com algum publisher".

        Lembra que uma outra exigência da Apple, aos jornais americanos, de "oferecerem seu melhor preço disponível no mercado, acaba de ser retirada dos contratos, a pedido da agência concorrencial americana".

        Verba não chega a áreas que sofrem com a seca


        68% das cidades do país em situação de emergência não tiveram ajuda em 2012
        Integração diz que nem todos pediram recursos e que já liberou R$ 558 mi para carros-pipa e para ajuda financeira
        DANIEL CARVALHOFolha DE SÃO PAULOA maioria das cidades brasileiras que tiveram situação de emergência em razão da seca reconhecida pela União não receberam recursos do governo federal em 2012.
        Fatores como excesso de burocracia, falta de verba e negligência de prefeitos contribuíram para deixar 1.390 dos 2.058 municípios (68%) sem a ajuda neste ano.
        Os dados, do Ministério da Integração Nacional, foram repassados à Folha pela Lei de Acesso à Informação.
        Há casos de emergência por estiagem e seca em todas as regiões do Brasil. Seca, como define a Defesa Civil, é uma estiagem prolongada. No Sul, 69% dos municípios não receberam recursos.
        O Nordeste é a região com mais municípios afetados e não socorridos. Dos 1.272 em situação de emergência, apenas 459 (36%) receberam verba federal. Algumas localidades enfrentam a pior seca dos últimos 30 anos.
        A Integração Nacional diz que nem todos os municípios que tiveram a situação de emergência reconhecida solicitaram recursos.
        É o caso de Tanquinho (BA). Apesar das dificuldades, o prefeito Jorge Flamarion (PT) não pediu verba ao Planalto.
        Ele disse ter obtido dois carros-pipa do governo do Estado, também administrado pelo PT.
        Também há administrações municipais que pediram ajuda, mas nada chegou. "Não vimos a cor [do dinheiro] até o momento. Estamos sendo assistidos só por carros-pipa e por uma ação tímida de construção de cisternas", afirmou o prefeito de São Caetano (PE), Jadiel Cordeiro (PTB).
        O prefeito é diretor da Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco) e membro do Comitê Estadual de Combate à Estiagem.
        Segundo ele, os municípios pernambucanos receberam apenas programas assistenciais como o Bolsa Estiagem, que destina R$ 400 a famílias afetadas pela seca.
        Para Cordeiro, falta "sensibilidade" ao governo federal. "Quem está com fome e sede não pode esperar."
        Segundo números da Integração Nacional, 179 dos 185 municípios pernambucanos estão em situação de emergência, e apenas dois receberam repasses de recursos.
        Em Poço Redondo (SE), a prefeitura diz que não chove há dois anos e os reservatórios secaram há oito meses.
        O pluviômetro na sede do município acumula água desde janeiro e marca menos de 50 milímetros. O secretário municipal de Agricultura, José Silva de Jesus, estima que 3.500 cabeças de gado tenham morrido em dois anos.
        Jesus diz ter solicitado R$ 6,3 milhões ao governo federal para ações emergenciais, construção de barragens e aquisição de máquinas, mas, até agora, apenas caminhões-pipa e programas sociais chegaram.
        "Mandamos toda a documentação. Tentamos desde o início do ano."
        Para os que solicitaram e não foram atendidos, o ministério cita "falta de disponibilidade orçamentária" e não cumprimento de prazos previstos em lei.
        A pasta afirma que já liberou R$ 310,8 milhões para carros-pipa e R$ 247,8 milhões para auxílio financeiro emergencial. No Nordeste, o governo diz já ter repassado R$ 118,6 milhões aos Estados.
        A verba repassada aos municípios pode ser usada em ações emergenciais e obras preventivas.

          Estragos da estiagem se espalham pelo país
          DE SÃO PAULOFalta de água, prejuízo, rebanho e produções perdidos. Independentemente da região, os estragos da seca se repetem pelo país.
          O Rio Grande do Sul enfrentou sete secas nos últimos 11 anos. A última começou em novembro de 2011 e só terminou em setembro deste ano.
          Elton Weber, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul, calcula que o Estado tenha perdido 50% da produção de soja e 54% da produção de milho, que até agora tem que ser comprado em outros Estados, pelo dobro do preço.
          A escassez do alimento, utilizado como ração animal, comprometeu a criação de porcos e frangos. A seca no Estado já passou, mas os impactos permanecem, diz Weber, que estima em até dez anos o tempo para recuperar as perdas da última década.
          Em Pernambuco, nem sequer há estimativa de recuperação. Pela avaliação da federação de agricultores do Estado, 100 mil cabeças de gado morreram de fome.
          Até março, o agricultor Antonio Gomes Souza, 54, mantinha 17 animais em sua propriedade em Águas Belas, agreste pernambucano. Cinco morreram e o restante foi vendido porque ele não tinha condições de criar.
          "Tem uns mais teimosos que ainda tentam criar, mas a beira da estrada parece um cemitério de reses mortas", diz o agricultor.
          Sem produzir, vive do que juntou com a venda dos animais. Faz bico no sindicato rural para juntar R$ 75 por semana. A mulher, professora, ganha R$ 1.000.
          Com o dinheiro o casal se mantém e ainda sustenta um filho e a nora. "Está insuportável. Vai começar a morrer gente de sede porque as fontes estão secando todas. De fome ninguém morre porque tem o Bolsa Família."


          FRASE
          "Tem uns mais teimosos que ainda tentam criar, mas a beira da estrada parece um cemitério de reses mortas"
          ANTONIO GOMES SOUZA
          agricultor de Águas Belas, agreste pernambucano

          Quadrinhos


          CHICLETE COM BANANA      ANGELI

          ANGELI
          PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

          LAERTE
          DAIQUIRI      CACO GALHARDO

          CACO GALHARDO
          NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
          FERNANDO GONSALES
          MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

          ADÃO ITURRUSGARAI
          PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

          ALLAN SIEBER
          GARFIELD      JIM DAVIS
          JIM DAVIS
          HAGAR      DIK BROWNE
          dik browne

          MANDRADE

          MANDRADE

          A descoberta da América -


          CRÍTICA
          E o 18 Brumário de Alexis de Tocqueville
          Folha de São Paulo
          OTAVIO FRIAS FILHOOs editores brasileiros desta biografia de Alexis de Tocqueville, publicada em inglês há seis anos, acrescentaram um subtítulo que não constava do original -o profeta da democracia. A alusão soa estranha, quando se sabe que Tocqueville manteve uma atitude reativa, para não dizer reacionária, diante da democracia moderna, baseada no voto popular (ainda que restrito) e na igualdade de direitos. Longe de tê-la anunciado, ela já era uma realidade nos Estados Unidos e a principal controvérsia das guerras napoleônicas na Europa quando Tocqueville nasceu em Paris, em 1805.
          O subtítulo não é descabido, porém, se estiver implícito que o biografado foi o profeta dos males e dos riscos da democracia, de suas propensões a degenerar em novas formas de despotismo. Essa ideia fixa norteou tanto sua obra de historiador e teórico político, como sua discreta atuação como parlamentar liberal nos anos que antecederam e se seguiram à Revolução de 1848 na França. É atribuída em grande parte a razões biográficas.
          Tocqueville foi um magistrado oriundo de família nobre e bem relacionada no Antigo Regime, anterior à Revolução de 1789. Quem sustentou a defesa de Luís 16 perante a Convenção que o enviaria à guilhotina foi seu bisavô, ele próprio guilhotinado em seguida. Também preso, o pai do filósofo escapou do mesmo destino quando, na penúltima hora, a queda de Robespierre (1794) encerrou o período de terror revolucionário. De um ângulo psicológico, sua obra refletiria o empenho de exorcizar o trauma da Revolução.
          Pois a Revolução prosseguia. Depois do refluxo representado pelo Império de Napoleão (1804-14) e pela Restauração da dinastia Bourbon (1815-30), novas revoltas, em 1830 e 1848, começavam a apresentar uma feição inédita, operária e socialista. Não bastava a igualdade jurídica, reivindicava-se igualdade material.
          Era a época da máquina a vapor, das estradas de ferro e do telégrafo, das cartolas que imitavam chaminés de fábricas e navios. Em meio ao tumulto urbano do qual eclodiria a modernidade, não se pode dizer que Tocqueville tenha levado uma vida empolgante.
          Sente-se a dificuldade do biógrafo, o jornalista e historiador britânico Hugh Brogan, de sustentar o interesse nas quase 700 páginas de *"Alexis de Tocqueville" [trad. Mauro Pinheiro, Record, R$ 69,90]* em que narra uma existência livresca e enfermiça, na maior parte do tempo enclausurada num gabinete ou no castelo da família na Normandia.
          MINISTRO Tímido e circunspecto, Tocqueville foi levado à vida pública pela influência familiar e pela fama de seus livros num tempo em que as elites parlamentar, literária e financeira em boa parte se sobrepunham (os poetas Lamartine e Victor Hugo, por exemplo, foram deputados). A política o expeliu depressa. Foi um efêmero ministro de Luís Bonaparte, antes que o sobrinho do imperador, eleito presidente em 1848, desse o golpe de Estado (1851) que o converteria em Napoleão 3º.
          Daí o gosto com que este biógrafo exaustivo aborda os dois episódios mais movimentados de uma vida um tanto maçante, a aventurosa viagem aos Estados Unidos, (de que resultou sua obra mais conhecida, "A Democracia na América", 1835-40) e a soturna perambulação por Paris durante os levantes populares ferozmente reprimidos pelo governo republicano, assunto de um livro inacabado, "Lembranças de 1848" [trad. Modesto Florenzano, Penguin Companhia, 392 págs., R$ 28,50].
          Tocqueville foi um historiador erudito, um teórico imaginativo e um escritor elegante, mas sua qualidade mais notável é a aptidão para generalizar a partir da observação concreta.
          Entre abril de 1831 e fevereiro de 1832, o jovem autor passou nove meses nos Estados Unidos; foi paparicado nos salões de Nova York e Boston, naufragou no rio Ohio, desceu o Mississippi, avistou-se com o então presidente, Andrew Jackson, mas não conheceu James Madison na Virgínia -a maior lástima intelectual, diz o biógrafo, da excursão.
          Sob a alegação de estudar o sistema penitenciário local -o governo constitucional e corrupto do "rei burguês", Luís Filipe (1830-48), financiava a viagem- ele concebeu uma interpretação pioneira e até hoje fecunda sobre a sociedade e a democracia americanas.
          Uma terra virgem onde todos são imigrantes é propícia ao nivelamento de direitos, mas a democracia americana não existiria sem as raízes da participação comunitária e das limitações ao poder do rei, legados essenciais do colonizador inglês que remontavam à Idade Média. Sob o alvoroço das revoluções e contrarrevoluções, Tocqueville -sempre interessado na moldura geral e nos fatores de longo alcance- identifica veios profundos de continuidade que apontam numa mesma direção: centralização do Estado e igualdade (política e, em seguida, social).
          Herói de guerra, Jackson, o presidente que Tocqueville conheceu, foi um general estranho à elite dirigente da costa atlântica que se elegeu à frente de um movimento de massas (origem do Partido Democrata). Nessa atmosfera, não custou ao escritor teorizar que o grande risco do sistema americano estaria no advento de uma ditadura da maioria, sua obsessão. O mecanismo de freios e contrapesos ("checks and balances", pelo qual os três poderes se controlam, e as instâncias locais controlam a nacional) talvez não fosse suficiente para preveni-lo.
          Ele falava dos Estados Unidos (e, indiretamente, da Inglaterra), mas seu pensamento não deixava a França, onde a "tragédia" (Napoleão) estava por ser reencenada como "farsa" (Napoleão 3º), conforme o famoso gracejo de Marx. Para Tocqueville, igualdade e democracia eram vetores irrecorríveis, consequência do próprio progresso moderno, mas o governo da maioria descambava para novo despotismo, legitimado por sua própria natureza majoritária, sendo exercido primeiro por uma facção, logo depois por um tirano. Por quê?
          O nexo estava numa ideia do filósofo Montesquieu desenvolvida por Tocqueville, sobretudo em sua outra obra influente, "O Antigo Regime e a Revolução", publicada em 1856, três anos antes de a tuberculose matar seu autor.
          Montesquieu argumentara que na monarquia (distinta, para ele, do despotismo), o poder do rei, embora imenso, era contrastado por regulamentos e costumes, pelas autonomias concedidas a certas cidades, corporações e tribunais, para não mencionar a estrutura paralela da Igreja. Esses elementos de contenção seriam os "corpos intermediários", fonte de inspiração de sua doutrina da separação de poderes.
          DESPOTISMO A contribuição de Tocqueville foi sustentar que a centralização administrativa, já em curso no Antigo Regime, debilitara os "corpos intermediários", preparando o terreno para a Grande Revolução (da qual 1789, 1830, 1848 etc. são apenas episódios) que os erradica em nome da igualdade. O resultado é a facilidade com que um déspota passa a dominar a multidão de indivíduos igualados numa dispersão de átomos, sem vínculo entre si nem anteparo que os resguarde do Estado.
          Tocqueville não deixou uma análise sobre o bonapartismo; esse seria o tema da sequência de "O Antigo Regime e a Revolução", nunca escrita. Ainda assim, é instrutivo comparar sua visão com a de Karl Marx, que elaborou o conceito no ensaio "O 18 Brumário de Luís Bonaparte". Para o filósofo socialista alemão, política e história não passam de um teatro de marionetes comandado pelas relações econômicas de produção.
          Mesmo quando se torna esquemática demais, essa concepção é fabulosa pelo que pode revelar do funcionamento invisível da sociedade. Comparada a ela, as ideias de Tocqueville parecem superficiais e obsoletas; comparado ao estilo de Marx, com suas imprecações de profeta e sua vitalidade panfletária, o de Tocqueville empalidece.
          No cânone marxista, em certa fase histórica o movimento proletário ainda não tem força para depor a burguesia, nem esta consegue aniquilar aquele; desse precário impasse emerge de repente o poder de um ditador, referendado por plebiscito, que parece governar acima de todas as classes. Aparência enganosa, porém, pois o bonapartismo seria, em última análise, a forma extrema do domínio político burguês, quando acuado pela revolução social.
          O bonapartismo se desdobraria no século 20 nas vertentes fascista e comunista -ambos movimentos de massa conduzidos pelo chefe inconteste de uma facção disciplinada, para a qual a violência política é legítima quando empregada em nome de uma raça ou de uma classe eleita.
          A encarnação do bonapartismo na figura de Stalin e outros ditadores comunistas conferiu uma aura tocquevilliana ao sinistro fenômeno, que a humanidade ainda não superou completamente, como se ele correspondesse não apenas a um momento agudo da luta de classes, mas a todo um período embrionário da democracia moderna. É o que faz de Tocqueville um autor ainda tão atual.
          Tocqueville foi levado à vida pública pela influência familiar e pela fama de seus livros num tempo em que as elites parlamentar, literária e financeira se sobrepunham
          Tocqueville foi um historiador erudito, um teórico imaginativo e um escritor elegante, mas sua qualidade mais notável é a aptidão para generalizar a partir da observação concreta
          A contribuição de Tocqueville foi sustentar que a centralização administrativa debilitara os "corpos intermediários", preparando o terreno para a Grande Revolução