terça-feira, 3 de setembro de 2013

MARIA ESTHER MACIEL » As horas de Nélida‏


Estado de Minas: 03/09/2013 


Já conhecia Nélida Piñon de livros, fotos, entrevistas e referências diversas, mas só na semana passada tive a grata oportunidade de conhecê-la pessoalmente. Nosso encontro aconteceu na terça-feira, entre arranjos de tulipas e orquídeas, na casa de Ângela Gutierrez, a grande empreendedora das artes em Minas Gerais. Lá, um pequeno (e especialíssimo) grupo de pessoas se reuniu para receber a notável escritora brasileira de origem galega. Ela estava na cidade para participar do projeto Ofício da Palavra, coordenado pelos escritores José Eduardo Gonçalves e Sílvia Rubião, no Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte.

Sorridente e muito atenciosa com todos, Nélida parecia encantada com a beleza da casa de Ângela e feliz com a acolhida dos amigos mineiros. Estava à vontade e falante. Contou vários casos, participou ativamente das conversas do grupo e, antes de sair, chegou a nos mostrar fotos do cão Gravetinho – segundo ela, a alegria dos seus anos maduros. “Ele acha que é gente”, comentou com os olhos cheios de ternura pelo amigo canino, que, aliás, ocupa um considerável espaço no livro de memórias que Nélida publicou no ano passado, sob o título O livro das horas. Um livro delicioso, diga-se de passagem. Nele, a vida pulsa na intensidade das horas, dos dias e dos anos vividos. Ao lê-lo, entramos em vários tempos e espaços da história dessa escritora única, que escreveu alguns dos romances mais densos e alentados da literatura brasileira das últimas décadas, como A república dos sonhos e Vozes do deserto. E que, por suas narrativas tecidas em forma de rede, já foi até chamada de a Sherazade brasileira.

Para quem quiser saber um pouco sobre o seu avô galego, os anos da infância passados por ela na Galícia, a amizade próxima que teve com Clarice Lispector e outros escritores, as muitas viagens que fez pelo mundo, seus autores e livros de cabeceira, é só ler O livro das horas e permitir-se o deleite. Como os textos são curtos e leves, a sensação da leitura é a de um passeio pelas palavras, lembranças, ideias e imagens afetivas da autora.

Não pude, infelizmente, ir à sua palestra no Museu de Artes e Ofícios, que deve ter sido ótima. Sei, por comentários dos que já a viram falando em público, que suas falas são sempre envolventes e interessantes. Nélida tem esse dom de cativar as pessoas com as palavras e a presença.

Lembro-me de uma vez que fui ao México com meu marido, José Olympio, para tentar entrevistar o poeta Octavio Paz – autor sobre quem eu estava fazendo minha tese de doutorado. Não foi fácil chegar até ele, mas chegamos. E Paz nos recebeu com gentileza e generosidade. A primeira observação que ele fez quando dissemos que éramos brasileiros foi que o Brasil era a terra de uma das mais admiráveis romancistas da América Latina: Nélida Piñon. Por incrível que pareça, eu não tinha ainda lido nenhum livro dela e, a partir de então, tratei de ir atrás deles.

Agora, 20 anos depois, graças a Ângela Gutierrez, José Eduardo Gonçalves e Sílvia Rubião, pude encontrar, ao vivo, a escritora que Paz tanto prezava. Junto a esses e outros amigos que receberam a escritora naquela terça, tive algumas horas raras, dessas que ficam vivas na memória do presente.  

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