sábado, 5 de outubro de 2013

A sapolândia é aqui‏

Biólogos da UFV descobrem novos sapos em Minas, reforçando liderança do país em número de espécies. Além do potencial farmacológico, achados podem ajudar a criar áreas de preservação


Shirley Pacelli

Estado de Minas: 05/10/2013 




Aparasphenodon pomba, perereca encontrada em Sinimbú, Cataguases, na Zona da Mata mineira  (Clodoaldo Lopes de Assis/Divulgação)
Aparasphenodon pomba, perereca encontrada em Sinimbú, Cataguases, na Zona da Mata mineira

Das cinco da manhã até meia-noite, no meio da mata à procura do desconhecido. Poderia ser o roteiro de um filme de aventura, mas foi a rotina de vários meses do pesquisador Clodoaldo Lopes de Assis, de 33 anos, do Museu de Zoologia João Moojen, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Clodoaldo descobriu uma espécie de perereca – Aparasphenodon pomba – na localidade chamada Sinimbú, no município de Cataguases, na Zona da Mata mineira. O artigo científico resultante da novidade foi publicado há 15 dias na revista Zootaxa, da Nova Zelândia. O nome do anfíbio homenageia o Rio Pomba, na região. Além de Cloadoaldo, Leandro Braga Godinho, de 30, pesquisador da mesma instituição, encontrou na Bacia Hidrográfica do Médio São Francisco um sapo não descrito na literatura: o Proceratophrys carranca.


O primeiro exemplar da Aparasphenodon pomba foi encontrado em 2008, mas só neste ano Clodoaldo conseguiu reunir a quantidade mínima de oito animais, exigida para o estudo, a fim de atestar que não se trata apenas de um bicho comum com alterações quaisquer. A perereca tem entre cinco e seis centímetros e, como ele conta, parece uma onça: dourada, com manchas bege e olhos vermelhos. O pesquisador comparou o animal com todas as espécies do gênero, encontrando diferenças significativas tanto na coloração quanto na morfologia interna. 


Peneira, lanterna, máquina fotográfica, gravador e caderno para anotações foram as ferramentas de campo do biólogo Clodoaldo Assis ao descobrir a Aparasphenodon pomba, considerada por ele uma espécie difícil de ser observada e capturada. “Ela vive em bambuzais e no período chuvoso tem hábitos reprodutivos explosivos. Reproduz-se em um pequeno período, quando está chovendo, e depois some, volta para seu refúgio”, diz. O próximo passo, segundo ele, é encontrar o animal se reproduzindo, gravar seu canto e achar o girino, para aprofundar os estudos sobre a espécie.


Morador de Cataguases e profissional da área científica há sete anos, Clodoaldo conta que desde novo andava mato afora em meio aos animais. Seu pai foi policial florestal e ele sempre deu apoio aos agentes da instituição que estavam em campo. O pesquisador vê na descoberta uma oportunidade para levantar a bandeira da preservação. Ele conta que só existe uma unidade de conservação em sua cidade e que encontrar uma nova espécie em outro trecho de mata é um subsídio para criar uma nova unidade de conservação. 


A localidade onde a perereca foi descoberta é uma área particular, de uma empresa que faliu, e disputada por diversas pessoas. “De uma hora para outra essa mata pode sumir. Com a descoberta, é possível proteger a área em alguma categoria estabelecida por lei”, explica o biólogo. Além disso, outro benefício esperado pelo pesquisador é o interesse de outros cientistas em estudar espécimes na região, ainda muito carente de pesquisas.

No Velho Chico Morador de Buritizeiro, mas nascido em Pirapora (a 11 quilômetros de distância), no Norte de Minas, o pesquisador Leandro Braga Godinho fez da região ponto referencial de coleta para seu mestrado em biologia animal. O trabalho de descrição do Proceratophrys carranca foi publicado em junho na Salamandra Journal, importante periódico científico de herpetologia da Alemanha. Ele conta que encontrou o animal por sorte, “praticamente no quintal da fazenda da avó”. Depois de um dia todo no campo, já na fazenda, ouviu um canto peculiar, similar a um ganso grasnando, e foi atrás. Acabou descobrindo a nova espécie. O nome escolhido é uma homenagem ao Rio São Francisco. A carranca é uma escultura colocada na proa das embarcações para afastar mau agouro, e se transformou em símbolo do Velho Chico.


O sapo tem pele rugosa, formada por pequenos grânulos (verrugas), é de médio porte (40mm), tem hábitos noturnos e terrestres, sendo encontrado embaixo de folhas ou quase enterrado próximo a pequenos riachos, em matas de galerias, durante o período chuvoso. O canto do Proceratophrys foi de fundamental importância para sua descoberta, pois ele é uma das principais características na diferenciação de outras espécies. “Fui feliz em encontrar o Proceratophrys carranca. Falta estudo sobre a fauna de Buritizeiro, assim como de todo o Norte de Minas Gerais. Há muitas espécies a serem descobertas na região do São Francisco. Esse novo sapo foi só um indício disso”, afirma.
A ausência de registros científicos foi a principal motivação do pesquisador ao estudar a região. “Só existe a Unimontes como instituição de ensino superior na região. Na Universidade Federal de Minas Gerais, os trabalhos são voltados para o entorno de Belo Horizonte e a UFV se concentra mais em pesquisas na Zona da Mata”, ressalva Godinho.


O primeiro exemplar da espécie foi encontrado ainda em 2011, mas era preciso ter certeza que se tratava de um animal desconhecido e nunca descrito na literatura científica. Há 10 espécies do gênero Proceratophrys no país, sendo um sapo de Goiás muito semelhante ao P. carranca. Mas Leandro comparou o sapo com outros de coleções da Federal de Viçosa e de demais regiões do Brasil e atestou que se tratava de uma nova espécie. “Isso indica o quanto a biodiversidade da região é rica e que é preciso investir mais em pesquisas e, claro, em áreas de conservação, pois a região tem forte atividade agrícola”, lembra.

Riqueza da biodiversidade

Ambas as dissertações foram orientadas pelo professor Renato Neves Feio. Ele explica que o Brasil é o país com maior número de sapos do mundo – mais de 950 espécies já descritas pela literatura científica. Mas ainda há muito a descobrir, sobretudo em regiões pouco estudadas, como o Norte de Minas Gerais. “A identificação de novas espécies é um indicador da riqueza da biodiversidade de uma região e um motivo a mais para preservá-la”, afirma Renato.
O professor também comenta que há estudos recentes mostrando que a pele dos sapos, por onde eles secretam venenos, pode esconder compostos para novos medicamentos como antibactericidas e antimicrobianos. “Dizemos que são bichos medicinais numa analogia às plantas curativas. O que importa é que cada nova espécie sugere estudos que podem ser promissores para a humanidade”, disse.
A equipe do Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal de Viçosa já identificou sete novas espécies da ordem Anura. A universidade guarda também uma das maiores coleções de anfíbios do país. São mais de 950 espécies de cobras, sapos, rãs, pererecas e salamandras.

Anuros
Os anuros são anfíbios que não têm cauda. Há diferenças significativas entre sapos, rãs e pererecas. O sapo tem a pele rugosa, pernas curtas e glândulas de veneno atrás do olho. Já a rã/jia tem a pele lisa e brilhante, além de pernas compridas, enquanto a perereca é menor que os dois, tem olhos esbugalhados e discos digitais para ajudar a subir nas árvores. Os anuros fazem o controle de pragas, como os insetos, dos quais se alimentam. Além disso são indicadores da qualidade do ambiente (bioindicadores), pois são muito sensíveis a qualquer alteração ambiental. Geralmente, os sapos têm reprodução sazonal, durante a estação chuvosa. É nessa estação que começam a aparecer os insetos, fonte farta de alimentação. Os machos coaxam para atrair as fêmeas e cada espécie tem um canto único.

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