quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Patrimônio ferroviário pede socorro‏

Luiz Eduardo Pereira de Oliveira

Doutorando em tratamento da informação espacial 

Estado de Minas: 16/10/2013 



No processo de agonia e morte da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), acelerado nos anos 70 pelo acúmulo de déficits operacionais gigantescos, uma primeira consequência foi a ameaça de arruinamento de seu patrimônio imobiliário. Com a desativação de muitos trechos e linhas, as estações e seus complexos (armazéns, casas de agentes, gares, rotundas, oficinas etc) ficaram à própria sorte, envolvendo parte das quase 1,2 mil unidades, só em Minas Gerais.

Esse estado de coisas pode ser percebido bem perto de Belo Horizonte, em Rio Acima, onde opera a maria-fumaça denominada Trem das Cachoeiras. Enquanto a Estação de Rio Acima está muito bem conservada, inclusive com o trenzinho turístico operando a todo vapor, a Estação Honório Bicalho, próxima do fim de linha do passeio, só tem a plataforma de embarque, tendo sido demolida pela concessionária daquele trecho em 2003, levando consigo mais um ícone da arquitetura ferroviária mineira.

A demolição pura e simples, sem ouvir nenhum órgão ligado ao patrimônio histórico (Iphan, Iepha), foi no mínimo um desrespeito à memória e à identidade do povo mineiro. Vale enfatizar que nossa história se confunde com a história ferroviária, e, de tão arraigada nesta terra mágica, qualquer coisa pode se transformar em trem. Dois fatores mesclam o desenvolvimento do estado e o ferroviarismo: o ciclo áureo do café, desde o final do século 20 até o fim da República Velha, em 1930; e a imigração estrangeira, tanto na fundação dos núcleos agrícolas coloniais quanto na mão de obra para a implantação e operacionalização das vias.

A partir do primeiro governo de Vargas, no entanto, o trem foi perdendo sua primazia para o transporte rodoviário, em conformidade com o que acontecia no resto do mundo, principalmente nos países centrais. No Brasil, o impacto foi maior, uma vez que, em geral, os serviços prestados pelas empresas ferroviárias eram de baixa qualidade, não tendo como concorrer com o rodoviarismo que se instalava.

Na era JK, o transporte ferroviário foi definitivamente relegado ao segundo plano, frente à opção clara de seu governo pelas rodovias, junto com os incentivos à nascente indústria automobilística. Então, a modernidade era encarnada pelos automóveis, ônibus e caminhões; as ferrovias, ao contrário, passaram a simbolizar o passado, em um país que só tinha olhos para o futuro. A criação da Rede Ferroviária Federal S.A., em 1957, foi uma tentativa em vão de reorganizar, dar maior racionalidade e viabilizar o sistema.

No governo militar, a partir de 1964, a desferroviarização continuou a passos largos, tendo várias estradas de ferro sido simplesmente erradicadas. É o caso da Bahia e Minas, que ligava Caravelas (BA) a Araçuaí (MG), extinta em 1966, mas não nos corações e mentes do povo do Mucuri – foi, aliás, cantada nostalgicamente em Ponta de areia, de Milton Nascimento e Fernando Brant: restam poucos vestígios daquela que um dia foi a esperança de redenção daquela região. A RFFSA foi, finalmente, extinta pela Lei 11.483, de 31 de março de 2007. Nesse ínterim, a maior parte das ferrovias foi concedida a empresas de logística, interessadas principalmente no transporte de carga.

Diante do perigo que atinge o patrimônio ferroviário mineiro, é preciso que as populações locais se manifestem, diante de qualquer ameaça à integridade desses imóveis, e denunciem à Secretaria do Patrimônio da União, ao Iphan, ao Dnit, e ao próprio Ministério Público, buscando, por meio de parcerias e do ativismo das redes sociais, uma destinação sustentável para esses símbolos de nossa historiografia.

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