sábado, 23 de novembro de 2013

ARNALDO VIANA » Não ficam a esperar‏

ARNALDO VIANA » Não ficam a esperar 
 
Estado e Minas: 23/11/2013






Primeiro ato


Antes de ir para a cama, o velho chamou o filho, menino de 10, 11 anos, não mais, e avisou: “Amanhã, vou roçar o terreno para plantar milho, e preciso de você comigo”. Saíram antes de o Sol brotar sobre o casebre. Pegaram as ferramentas, a botija de água fresca, farinha, arroz, sal, duas pequenas panelas de barro, colheres e pratos. Seguiram a trilha da roça. O homem, espingarda chumbeira nas costas, assobiava. O menino reconheceu a música, um sucesso nos bailes de fins de semana das fazendas. Começava assim: “Pisa na fulô, pisa na fulô, pisa na fulô, não maltrata o meu amor”. Na roça, como sempre, o homem manejou a foice com maestria. Parou de repente, passou a mão no suor da testa e mirou o céu. Hora de preparar o almoço. No mandiocal, arrancou duas boas raízes. Improvisou um fogão com duas pedras, acendeu um punhado de gravetos e pôs-se a cozinhar. Como em quase todos os dias, arroz e mandioca.

Enquanto o lavrador cuidava da comida, o garoto saiu para fazer reconhecimento do terreno. E parou em frente a uma lapa, não muito grande como definem os lexicólogos. Sob a pedra pontuda, abrigado na sombra, um gordo coelho cinza dormitava. O menino viu no animal o complemento da refeição. Correu e nem sentiu as pernas magras arranhadas pelas afiadas folhas de capim. “Pai, pai, venha correndo.” O homem levantou a cabeça, assustado. “O que é? Alguma cobra?” O filho, sem dar ao fôlego, respondeu: “Não, é um coelho, coelho grande”. O homem pegou a espingarda e seguiu o garoto até a lapa. O bicho, para felicidade geral da fauna desta terra, não estava mais lá. Voltaram e se resignaram diante do arroz, da farinha e da mandioca cozida sobre pratos esmaltados. O moleque aprendeu, naquele dia, que certas coisas não ficam a esperar.

Segundo ato

Deu nos jornais. Ainda não são 9h. O cidadão em dia com seus compromissos fiscais entra no banco para fazer um depósito no caixa eletrônico. São R$ 1,6 mil. Envelopa o dinheiro e mete o dedo no teclado para os procedimentos necessários. Digita os números da agência, da conta e o valor da operação. Mete o envelope na boca do caixa. O envelope não desce. Fica agarrado no “pescador” instalado por ladrões. Liga para o 190. A Polícia Militar, em vez de mandar averiguar, convida o homem a comparecer ao 1º Batalhão para se explicar. Tem vontade de intimar os bandidos a acompanhá-lo. Olha para um lado, para o outro, e não os vê. Vai sozinho. Espera pelo atendimento. Chega a vez e é chamado. Explica dali, explica de lá e dacolá. Os policiais, enfim, convencem-se e o acompanham. Quando chegam ao banco, o envelope, para felicidade geral da ladroagem, não estava mais lá. O cidadão, em dia com seus compromissos, não conseguiu convencer a PM da lição que aprendeu na infância: certas coisas não ficam a esperar.

Sem ofensa: antigamente, a polícia comparecia ao local do crime. Hoje, chama a vítima para dar conta do ocorrido. E se o cidadão for assassinado?

>> arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br

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