sábado, 9 de novembro de 2013

Com amor e dor [Marcelo Jeneci] - Carolina Braga

Marcelo Jeneci lança seu segundo disco, De graça, com parcerias com Arnaldo Antunes e Luiz Tatit. Show tem estreia nacional em Belo Horizonte na semana que vem


Carolina Braga

Estado de Minas: 09/11/2013 



O que eu tento dizer no De graça como um único recado é: presta atenção na sua vida. Se jogue. Tem intensidade, tem sofrimento, mas vai porque é extraordinário viver, ser e não ser    . Marcelo Jeneci, músico     (Daryan Dornelles/Divulgação)
O que eu tento dizer no De graça como um único recado é: presta atenção na sua vida. Se jogue. Tem intensidade, tem sofrimento, mas vai porque é extraordinário viver, ser e não ser . Marcelo Jeneci, músico


De bermuda, sem camisa, deitado no sofá, ao telefone. Rindo. Para Marcelo Jeneci, a cena sintetiza a sensação de dever cumprido. A merecida calmaria depois da tempestade. “Foi um inverno maluco. Tive uns surtos”, reconhece. Digamos que eles foram necessários para De graça, o segundo disco de carreira, existir. No momento em que poderosos brigam por migalhas de uma indústria já falida, Jeneci aparece com uma constatação simples: o melhor da vida é de graça.

E é assim, sem cobrar um centavo, que disponibiliza a audição do novo álbum na internet. No dia 15, ele estará no Sesc Palladium apresentando o novo repertório. O nome, porém, vai além da gratuitade monetária. “Tem a ver com o impulso da criação, que é de graça. É como a paixão, a necessidade da fala, a amizade. Tudo isso é de graça”, ressalta. É a exaltação da graça como brincadeira, como dom, como humor. Uma síntese do que ele pensa sobre a vida. “Tô te chamando pra acordar/ e desfrutar a graça de viver/ aumente o sonho devagar/ e olhe em volta/ Para perceber /Que o bom da vida /é de graça /e acha graça/ quem quiser achar”, canta na música que dá nome ao álbum.

Aos 31 anos, Marcelo Jeneci tem estrada na música. Gravou e tocou com Arnaldo Antunes e Chico César e compôs com Vanessa da Mata, José Miguel Wisnik e Luiz Tatit. Compositor nato, logo percebeu que poderia também interpretar. Com a expectativa de estreante, lançou o primeiro disco, Feito pra acabar (2010). Vendeu 30 mil exemplares. Pra sonhar virou trilha sonora de casamento com mais de 2 milhões de visualizações no YouTube.

Porém, sempre chega aquele momento de virar a página. “Feito pra acabar ficou com uma cara muito alegre, fofa. Para mim já não era mais isso”, comenta. De graça chega com a missão de fazer contrapeso à alegria. “Porque já sofreu, já doeu, já foi lá no fundo, voltou e está aprendendo a lidar com isso”. Se tem uma palavra que define bem o álbum, para Jeneci é imersão.

“Todo trabalho que carrega profundidade depende de mergulho”, garante. Assim foi feito. Para gravar o disco, Jeneci deixou a São Paulo natal e passou o inverno no Rio de Janeiro. A única coisa que fazia era pensar, experimentar e gravar as novas canções. O multi-instrumentista não é o tipo que acredita na inspiração mágica. Ela pode até vir de graça, mas depois de muito esforço. “Você ficar fazendo, refazendo a mesma ideia, insistindo na elaboração. Acredito muito mais no trabalho de fazer, na insistência do refazer, do que na espera por uma inspiração.”

Influências


Nas 13 faixas é impossível não reconhecer na sonoridade referências de Roberto Carlos e da Jovem Guarda, influências que ele nunca renegou. Os parceiros são antigos. Com Isabel Lenza fez seis canções (Alento, De graça, Temporal, Pra gente se desprender, A vida é bélica e Julieta); duas com Arnaldo Antunes (Alento, Tudo bem tanto faz); e uma com Arthur Nestrovski (Só eu sou eu), Rafael Costa (9 luas) e Luiz Tatit (O melhor da vida). Sozinho assina três faixas: Nada a ver, Um de nós e Sorriso madeira. Os arranjos orquestrais são de Eumir Deodato.

“Ser músico é uma coisa, ser compositor é outra. A maioria dos compositores não é músico. É uma linguagem diferente, coisa de prática mesmo. Quanto mais o tempo passa, percebo que tem a ver com observação, busca por uma ideia. É um trabalho de pesquisa. Meus parceiros nesse disco são os que mais estavam convivendo comigo”, conta. Embora possa parecer que há um conceito que perpassa todo o disco, Jeneci garante que não seguiu regras para fazer De graça. “Brinco dizendo que esse disco me fez um bem horrível. Ao mesmo tempo que me fez um bem danado, mas foi um processo bem pesada”.

Marcelo Jeneci se considera um artista popular e, como tal, a única expectativa que tem é que suas criações possam chegar ao maior número de pessoas. Daí ganha força a ideia da audição gratuita, do planejamento de um show que seja viável para poder rodar o país inteiro. “Vou adorar que ele se multiplique”. Jeneci confessa que na época do primeiro disco sentiu um frio na barriga pensando no tipo de retorno que poderia receber. Fruto de insegurança e ingenuidade.

“Fiz nesse disco tudo que podia fazer. É muito verdadeiro. É uma fotografia muito honesta. Queria muito ouvir com os meus pais, meus amigos e distribuir na rua”, diz. Como ele já disse muito bem: felicidade é só questão de ser. Mesmo que seja simplesmente estar de bermuda, sem camisa, jogado no sofá, ao telefone. “Estou muito bem!”

Cenário em transformação

Para Jeneci e outros músicos de sua geração, a transformação no modo como se consome hoje uma obra intelectual tem a ver com a sociedade. Crise não seria uma palavra adequada. Melhor falar em resgate, retorno de uma lógica vigente nos anos 1950 e 1960. “Esse boom do showbusiness dos anos 1980 e 1990 é que deixou tudo descompensado”, garante.

Na visão dele, à medida que a música embarcou na onda da indústria, entraram no circuito profissionais que têm mais a ver com o dinheiro do que com a arte. “Como o dinheiro está saindo desse lugar, só está restando quem ama fazer música.” Como a injeção financeira já não é mais a mesma, o cenário está sendo redesenhado.

“Estamos em um novo século, um novo momento, um novo contexto, contando com a velocidade da informação. As coisas vão se adequando. Não me desespero”, diz. O próprio Jeneci cuidou dos detalhes de como o disco seria disponibilizado na internet. No site oficial não é possível ouvir as faixas separadamente. Foi uma decisão dele colocar o disco inteiro, em sequência, para a audição gratuita. “Oferecer o disco para a pessoa ouvir e depois avaliar se quer comprar é um bom caminho. Quem quiser comprar vai ter motivo para isso”, conclui.

No palco

Belo Horizonte será a primeira cidade a receber o show de De graça. Será dia 15, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3270-8100). “Algumas coisas que não deram tempo de ajeitar no disco estou melhorando para o show”, adianta. Apesar do nome do espetáculo, anote o preço dos ingressos, que já estão à venda: plateia 1, R$ 90 (inteira) e R$ 45 (meia); plateia 2, R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia); e plateia 3, R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia). 

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