domingo, 17 de novembro de 2013

Exercício diário - Lilian Monteiro

Exercício diário

 Para especialista, indivíduos genuinamente gentis têm mais saúde psicofísica do que aqueles que têm apenas atitudes esporádicas



Lilian Monteiro

Estado de Minas: 17/11/2013


Geraldo Caldeira, médico e psicanalista, diz que os gentis demonstram   estado de humor adequado, alegria de viver e gostam de si mesmo (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Geraldo Caldeira, médico e psicanalista, diz que os gentis demonstram estado de humor adequado, alegria de viver e gostam de si mesmo

Não é possível mascarar a gentileza. Fingir ser gentil. As pessoas podem até aplicar artimanhas para passar a imagem de agradáveis, aprazíveis e delicadas, mas não a sustentarão por muito tempo. Vão se revelar como realmente são. O médico e psicanalista Geraldo Caldeira explica a diferença entre quem é gentil e aquele que se comporta como tal, seja em determinadas situações ou épocas do ano. “Os gentis demonstram estado de humor adequado, alegria de viver e gostam de si mesmos. São pessoas que têm as necessidades básicas mais ou menos preenchidas, já que totalmente não existe porque o ser humano é um ser faltoso. Aliás, esse é o eterno preço a pagar por ter dado um salto na natureza, ter se separado do animal para se transformar num ser dependente da função mãe.”

Geraldo Caldeira assegura que o indivíduo, quando tem caráter gentil, demonstra a gentileza na adversidade e, teoricamente, tem um modelo de saúde existencial (psicofísica) melhor, mais saudável. Ou seja, não vai tomar um monte de remédios, estar na sala do psiquiatra ou na fila para operar. Óbvio, dentro da normalidade. “Temos permanentemente três sistemas em equilíbrio. O sistema nervoso central , que faz parte do límbico, tem vários núcleos geradores das emoções, que o tempo todo estão em articulação e atuantes com o sistema imunitário (defesa do organismo) e o endócrino (produção de hormônios). Um influencia o outro e o que mantém o equilíbrio é o bom humor, que tem de passar pelo bom amor e pela gentileza. Por isso, quem é gentil tem saúde psicofísica muito boa.” O psicanalista enfatiza que a pessoa gentil transmite ao outro o reconhecimento de que ele é um ser significativo, bom e que merece atenção.

Já quem apenas assume um papel gentil, como no Natal e réveillon, Geraldo Caldeira enfatiza que a tentativa vai acabar nas conhecidas brigas e desentendimentos familiares típicos das comemorações e reuniões de fim de ano. “O gentil esporádico traz a esses encontros a hostilidade do ano, de viver às turras, e será mais comum ter atritos nesses festejos. Tudo aborrece quem não é gentil. Ser social, dar presentes e desejar boas-festas vão soar vazio. É a gentileza ilusória. Repetição. Se não é, melhor não fazer porque a expressão falsa vai se mostrar o contrário, e com frequência.”

DESARMA Aposentada depois de mais de três décadas de atuação, a psiquiatra Mary Ávila Abrahão Reis é mestre ao interpretar e praticar a gentileza. Ela ensina que “nas emergências as pessoas têm dificuldade de ser gentis por causa de uma necessidade imediata. Ao levar meu filho à escola pela manhã, o horário, o trânsito, o ímpeto é furar tudo. Mas é nessa hora que tenho de ser gentil. É difícil e é um exercício.” Ela lembra que somos postos à prova a todo momento. “É preciso exercitar. Acredito que as pessoas querem ser gentis, mas muitas vezes não se controlam diante da sua urgência.”

Observadora, Mary conta que é casada com um homem extremamente gentil, Luiz Fernando Abrahão Reis, o que a deixa encantada e a faz exercer ainda mais sua gentileza. “Quando eu não dirigia, observava como ele era atencioso no trânsito ao dar passagem e ceder a vez a outros carros. Acho também que a maturidade me deu capacidade de perceber ser gentil. A juventude não deixa, as emergências são prioridades. Com os anos, pude me dedicar mais.” Mas Mary assegura que gentileza se ensina. “Além do meu marido, meus filhos, adolescentes, Marina e Guilherme, têm atitudes gentis porque têm exemplos. E confesso que, por ser do interior, onde o dia tem 16 horas e não 10 como na capital, a pessoa nasce e vive gentil.”

 Mary Ávila, psiquiatra aposentada (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Mary Ávila, psiquiatra aposentada


Mary concorda que, infelizmente, justo no fim do ano a gentileza some das relações ou fica escassa. “É triste. A pessoa corre para confraternizar, mas antes de chegar perde todas as chances de ser gentil. Vai buzinar, xingar, reclamar… É preciso ser gentil na vida e não só com data e hora marcadas. É gostoso, agradável e tão bom.” Ela conta que outro dia estava no supermercado com a sogra e percebeu uma senhora com dificuldades para colocar as compras na sacola. “Fui ajudá-la e ela se assustou, disse que não precisava. Mas aceitou. Quis levá-la até o carro, mas não deixou. Então, recuei. Outra situação é dar lugar a alguém no ônibus e receber olhares como se tivesse feito algo absurdo. A falta de prática assusta as pessoas, tanto para quem recebe ou observa a gentileza. Não deveria ser assim.”

Para Mary, a gentileza também tem a ver com educação. “Por respeito, dedicação e carinho, chamo os mais velhos por senhor e senhora. Mas, às vezes, me olham e sinto que soa como indelicadeza.” Nas percepções da psiquiatra, ela conta que notou que quando a gentileza é exercida num ambiente ou situação de tensão ou estresse “desarma as pessoas”. Por isso, ela a vê também como “generosidade, de não julgar ninguém e continuar sendo gentil”. E, ainda, que “a gentileza está presente na palavra, no ato de ligar para alguém que passa por um momento difícil para conversar.” Mary ensina que nada a impede de praticar a gentileza. “Ser gentil é fazer o bem com o outro e para você também. Gentileza é a disponibilidade que existe para a vida.”


Concurso estimula valores da gentileza

Você cumprimentou seu vizinho hoje de manhã? Desejou bom-dia ao porteiro ao cruzar com ele no saguão? Se respondeu positivamente, você está fazendo bem a sua saúde e a das pessoas que o cercam com ações gentis. Para premiá-lo, a Associação dos Empregados da Copasa (Aeco) promove, com apoio institucional da Copasa, o 3º Concurso de Redação e Desenho voltado para crianças e adolescentes. Das 527 redações e desenhos recebidos foram selecionados 120 por uma professora de português do Núcleo de Estudos Orientados e por Glauco Moraes, artista da Maison Escola de Artes. Na categoria Desenho, os participantes foram convidados a atender ao subtema “Gentileza urbana – o que podemos fazer para viver em um mundo melhor?”. Os 12 vencedores serão conhecidos amanhã.

Uma questão de escolha 

O fim de ano é tempo de confraternização, cordialidade e sorrisos. Mas traz também estresse e correria em meio a compras. A gentileza é o antídoto para manter o bem-estar


Lilian Monteiro


 (istockphoto)


O que ocorre com as pessoas no fim de ano? Fala-se tanto do “espírito natalino”, “da energia da virada de ano”, mas até chegar o dia das comemorações, das festas, das trocas de presentes e beijos, a vida parece mergulhada num caos. A correria contra o relógio é ainda maior, o estresse chega no grau máximo, problemas corriqueiros tomam outra dimensão, a chuva atrapalha, a temporada de compras vira tortura para carregar sacolas e enfrentar filas até na escada rolante, os engarrafamentos, se possível, ficam piores, e, nesse cenário, a irritação impera, a paciência vai para o espaço e a gentileza… Ah, a gentileza… Onde vai parar? Aliás, é possível aplicá-la mesmo à beira de um ataque de nervos?

Imaginem outro cenário. Onde todos fossem mais gentis. Motoristas cedendo passagem numa rua movimentada, alguém no ônibus lotado levantando-se para dar lugar a quem parece cansado, outro ajudando quem tem dificuldade para atravessar a rua, uma terceira cedendo a vez na fila do banco, outra disposta a carregar as sacolas para quem não tem mais mãos vazias, alguém segurando a porta do elevador para um estranho, ou, simplesmente, aqueles que se propõem a dar bom-dia, dizer obrigado.

Saibam que o professor residente e Ph.D em economia da Universidade de Harvard Sam Bowles, do Instituto Santa Fé, nos Estados Unidos, entidade sem fins lucrativos de pesquisa teórica e dedicada ao estudo e pesquisa multidisciplinar que amplia os limites do conhecimento científico, analisou sociedades antigas e constatou que a gentileza era componente fundamental para a sobrevivência delas. Além de ser mais felizes, ao cooperar e contribuir umas com as outras elas garantiam o bem-estar e viviam melhor. Desse estudo nasceu a teoria “sobrevivência do mais gentil”, que confirma a capacidade inata do ser humano para o altruísmo, o que mantém a espécie ao longo da história.

A gentileza regula as emoções, causa impacto positivo na saúde e manda para longe ressentimentos, raivas, dores, medos… É uma virtude. E, claro, não é fácil. Precisa praticar para se aperfeiçoar. O legal é que ser gentil é uma escolha. Uma opção por fazer a diferença na vida das pessoas. Para inspirá-los e livrá-los das garras do mau humor e das truculências do fim do ano, o Bem Viver apresenta exemplos de quem pratica a gentileza no dia a dia sem escolher quem, hora, data ou pagamento para ser cortês, cavalheiro, educado, polido, elegante, simpático, agradável… Enfim, gentil!

Atitude da alma

Pessoas comuns disseminam a gentileza por prazer. Postura faz parte de suas vidas para que se sintam plenas, felizes, sem esperar nada em troca


Lilian Monteiro




 Andréa Raydan, gerente comercial (Beto Novaes/EM/D.A Press  )
Andréa Raydan, gerente comercial


Figura singular da vida carioca, o “Profeta Gentileza”, sujeito de cabelos longos, barba branca, vestido de bata decorada com mensagens e levando nas mãos um estandarte com dizeres, isso lá nos anos 1970 até sua morte, em 1996, percorria o Rio de Janeiro e viajava pelas barcas do trajeto Rio-Niterói para pregar a cartilha de preceitos básicos da sua filosofia popular, da sua religiosidade e visão de mundo. Mergulhado em pensamentos, tratava de exaltar a gentileza. “Gentileza gera gentileza” e “Gentileza é o remédio de todos os males, amor e liberdade” são frases que seduz quem admira sua história.

Empresário, José da Trino – esse era seu nome – dizia atender um chamado. Largou tudo depois do trágico incêndio num circo norte-americano em Niterói, em 1961, no qual morreram 400 pessoas. Deixou tudo para trás e foi consolar as famílias das vítimas. Virou ícone. A partir de 1980, cobriu as 55 pilastras do Viaduto do Caju, na capital fluminense, com inscrições nas cores verde e amarelo criticando o mundo e dando conselhos. Ensinava que no lugar de “por favor” o correto seria “por gentileza”. Se de profeta e louco todos temos um pouco, por que não seguir um dos mandamentos de José da Trino?

Gentileza na alma e, consequentemente, na atitude. Assim é a matemática, física, professora e profissional atuante há 32 anos na área de direito previdenciário Joana Angélica de Oliveira. Um ser gentil na essência que quem tem a sorte de conhecer, conversar ou despertar sua atenção por instantes vai se sentir bem. Cantora, é contralto em festivais de coral, se aventura como atriz, fez curso de teatro, costura, pinta, tece. Ela se define como uma “pessoa que gosta da vida”.

Para Joana, “tudo tem um lugar na vida e devemos aprender com os lugares de cada um. O por favor, com licença, muito obrigada sempre foram regras dos meus pais, Nailza e Clemente. Gentileza é ter gratidão pelo processo da vida, que precisa ser compreendida. Ela não é boa nem má em si mesma, nós a fazemos boa, ainda que haja momentos de limitação para descobrirmos novas possibilidades”.

Joana enfatiza que a vida é um tabuleiro e não reclama. Sempre busca pelo espiritual em um tempo material. “Tenho de transcender. É muita correria, imediatismo e procuro ter gosto pelas coisas.” Ela reconhece que ser gentil não é fácil porque requer alguma renúncia. “Mas quem se autoconhece, que sabe que o outro tem os mesmos desejos, sonhos, vontades e direitos é gentil com naturalidade. É um aprendizado. Tem de querer e ter vontade de ser. Para isso, é preciso ser tocada pela vida, que é bela.”

A falta da gentileza, justamente no fim de ano, é interpretada por Joana de maneira sábia. Ela diz que as pessoas não reconhecem a festa interna e a grande angústia de todos nós é ver que o ano acabou e não fizemos nada do que queríamos. Aí, a compensação passa a ser material. “É preciso fazer uma terapia breve para perceber que somos iguais no trânsito parado, no supermercado abarrotado ou na imensa fila do banco. Tudo na vida é escolha e uma forma de crescimento.” Ela lembra que não vale viver aos borbotões e que a vida é um processo de autodesenvolvimento e autoevolução. “Conhecer e amadurecer as emoções é o desafio. Conviver em sociedade é aprimorar.”

Para Joana, tudo tem uma função na natureza. “Gentileza é um viés. O que tenho e posso ser e o que levo ao outro para ser tocado. Fácil? Para mim é, porque faço isso a vida toda. É até referência, é normal. Quem não é gentil não conhece a paz que essa atitude traz.” O recado de Joana é: em vez de reclamar, doe cinco segundos para refletir e perguntar a Deus, a si ou a quem quiser: o que preciso aprender. “É se colocar diante dos desafios e ver como pode resolvê-los. Querer mudar e enxergar o outro.”

CORAÇÃO A gerente comercial Andréa Cleilia Raydan assegura que gentileza se aprende no berço. “A lição veio dos meus pais, Dalmo e Lia. Eles me ensinaram a fazer o bem porque seria bom para mim. Sempre me falaram para ser gentil e sou assim desde pequena. Ainda criança, na minha cidade, Várzea da Palma, fazia questão de acompanhar os mais velhos ao posto de saúde. Carrego essa atitude ao longo da vida. Em casa até me chamam de ‘Madre Tereza de Calcutá’ por ajudar moradores de rua, mendigos, famílias carentes. Mas faço por prazer. Gosto, não tenho medo, converso, escuto, ajudo no que posso, tenho paciência. Penso no próximo.”

Andréa conta que não se deixa contaminar pelo mau humor, estresse e falta de educação das pessoas, seja pela desculpa da correria e pressão do fim do ano, ou em qualquer outro dia da sua vida. “Procuro me manter tranquila, apesar de ser agitada no trabalho. Não trato ninguém mal e me coloco no lugar do outro. Acho importante ser gentil não só com quem tem necessidade especial, idoso, cego, grávida, mas com todos, sem distinção. Não é obrigação. Faço para me sentir feliz e melhor. E não espero nada em troca. Às vezes, as pessoas não respondem ao meu bom-dia. Não me importo e não fico chateada, porque fiz a minha parte. É o meu jeito. Acredito que para praticar a gentileza é preciso ter o coração aberto.”

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