quarta-feira, 6 de novembro de 2013

FERNANDO BRANT » Era de madrugada‏

Estado de Minas: 06/11/2013 





A lembrança da infância me visita e numa das imagens rememoradas me vejo olhando, da janela da cozinha, para o quintal enorme da casa em que morávamos em Diamantina. Era uma casa que tinha sido, provisoriamente, escola. Tanto que ainda restavam, em cada quarto dela, a inscrição sala 1, 2, ou 3. E os banheiros eram uma dúzia, a maioria trancados por minha mãe. Se os deixasse todos abertos, cada um dos filhos tomaria posse de um e seria impossível mantê-los limpos.

Mas a fotografia do menino de 9 anos olhando pela janela, provavelmente chovia lá fora, é acompanhada do cheiro da comida que se preparava e, principalmente, de uma canção que ele ouvia e que volta sempre à sua memória. O rádio estava certamente sintonizado na Rádio Nacional, que influenciava o Brasil dos anos 1950 com canções, programas de auditório, novelas para adultos e para crianças.

Guardo com carinho a trilha sonora original de Jerônimo, o herói do sertão, que Getúlio Macedo, autor em parceria com Lourival Faissal, me presenteou em uma festa de Natal de compositores. Bangue-bangue brasileiro pelo rádio, atiçando a imaginação, que maravilha que era.

Continuo desviando o caminho da lembrança. Não falei que a canção que sempre me vem à mente, em momentos os mais inesperados, é a marchinha Era de madrugada. Nos tempos anteriores à internet, procurei localizar o nome do autor e a versão completa, pois só me recordava de um trecho: “Era de madrugada, vinha raiando o dia, quando em minha porta bateu Maria; se não me dissesse seu nome eu não sabia, não conheci Maria”. Agora ficou fácil e posso ouvi-la em várias versões: acabei de escutar uma, de Maria Bethânia, de 1973. E pude saber que seu autor foi o Paquito, que, com parceiros, criou sambas e músicas carnavalescas que fizeram sucesso na época e se tornaram clássicos de nosso cancioneiro: O trem atrasou, Não me diga adeus, Jacarepaguá, Daqui não saio, Tomara que chova e Bigorrilho.

As canções que ouvimos, durante toda a nossa vida, grudam em nós e algumas se incorporam e ficam à espreita para reaparecer a qualquer tempo. Todos nós temos a nossa trilha sonora de vida. E nem sempre são as melhores canções que amamos. Basta o fato de terem sido tocadas num momento especial de nossa existência. Call me, por exemplo, me lembra o despertar do primeiro amor.

Recuerdos de Ypacaray fez parte de uma longa e decisiva viagem de ônibus que me conduziu de Diamantina para a minha nova cidade, Belo Horizonte. A melancolia de saber que estava perdendo uma convivência muito boa e me dirigindo a um rumo desconhecido casou muito bem com aquela triste melodia.

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