domingo, 1 de dezembro de 2013

COMPORTAMENTO » Cansei!

Pesquisa mostra que brasileiro está sem disposição, o que prejudica o desempenho sexual, a produtividade e a prática de atividades físicas


Carolina Cotta

Estado de Minas: 01/12/2013


Luciana Guimarães de Morais,   coordenadora de vendas (Leandro Couri/EM/D.A Press )
Luciana Guimarães de Morais, coordenadora de vendas

Acordar. Preparar o café. Arrumar as crianças para a escola. Enfrentar o trânsito... e a pressão do chefe. O telefone toca uma, duas, três vezes. Chamadas. E-mails. Mensagens. Almoço corrido. Reunião. Prazos e mais prazos apertados. Contas para pagar. Compras para fazer. Mais trânsito. O dever de casa precisa ser acompanhado, precisa estar impecável. Ufa! Dá para cansar só de ler, e essa é a rotina da maioria dos brasileiros. Os mesmos que se autoavaliaram muito cansados, ou pelo menos um pouco, em pesquisa da Conectaí/Ibope Inteligência com 1.499 pessoas das principais capitais brasileiras .

Homens e mulheres de 18 a 64 anos, das classes A, B, C, D... Pouco importa o perfil, estão todos cansados. No levantamento promovido pelo Grupo Sanofi, 98% dos pesquisados revelaram algum nível de cansaço: 37% estão muito cansados, 24% bastante e 37% um pouco. Mulheres, jovens entre 20 e 29 anos, moradores das capitais da Região Sudeste e membros da classe C, estão ainda mais cansados, embora os índices variem pouco. A qualidade do sono, o desempenho sexual, a produtividade no trabalho e a disposição para a prática de atividade física são extremamente afetados.

Segundo o médico Alberto Ogata, presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), a sensação de cansaço passa pela percepção das pessoas, mas é preciso saber distinguir cansaço de fadiga. Esta última exige diagnóstico e acompanhamento médico, pois pode estar relacionada a problemas de saúde, como disfunções hormonais; questões psicológicas, mentais ou metabólicas; e mesmo alguma doença específica. “Pessoas com problemas pulmonares, depressão e problemas na tireoide tendem a ter maior sensação de cansaço. É preciso saber identificar se é um cansaço excessivo e procurar um médico”, diz.

Geralmente, fadigados têm dificuldade para exercer atividades do dia a dia, o que pode levar a erros, esquecimentos, irritabilidade, afetando a performance e os relacionamentos. “É um quadro que não pode ser simplesmente aceito. Se for um cansaço exagerado, ou se investiga ou se encontram maneiras de lidar com isso. Não dá simplesmente para esperar as férias, até porque o descanso delas dura pouco e as causas do cansaço persistem”, alerta o especialista, segundo o qual o primeiro passo é organizar a rotina para evitar a sobrecarga. Cuidar do sono, da alimentação e da atividade física também é essencial.

Mas, e quando já não dá para cortar nenhuma atividade? Nesse aspecto, as mulheres sofrem ainda mais. É o disseminado modelo em que ainda cabe a elas a maior parte dos cuidados com a casa e os filhos, adicionam tarefas para além dos compromissos profissionais. Isso, somado à rotina das grandes cidades, pode sugar as energias. A vida urbana, com sua oferta de programas e trânsito; a tecnologia, que leva as pessoas a estarem conectadas ao trabalho mesmo em casa; e a exigência de um mercado que quer pessoas cada vez mais capacitadas são alguns disseminadores do cansaço. E está difícil escapar deles.

A coordenadora de vendas Luciana Guimarães de Morais, de 42 anos, tem uma rotina e tanto. E não é diferente da maioria das mães que trabalham fora. O despertador toca às 5h40, só assim é possível enfrentar o trânsito e conseguir chegar ao trabalho às 7h30. O horário de almoço é corrido. Ela tem uma hora para se alimentar e resolver qualquer pendência. A jornada termina às 17h30, mas ela não gasta menos de 45 minutos para chegar em casa. São 12 horas fora de casa e ao chegar ela quer curtir a filha Manoela, de 6 anos. Mas ainda tem que ajudá-la com o dever de casa.

MARATONA Luciana mora com os pais, o que já facilita sua vida. Mas cabe a ela deixar tudo da filha preparado para o dia seguinte: uniforme da escola, do balé, material do inglês. Duas vezes por semana ela dedica parte da noite à prática de uma atividade física. Os fins de semana são totalmente dedicados à filha, que já na quinta-feira começa a cobrar a programação. A sorte de Luciana é seu relógio biológico acostumado com poucas horas de sono. “Consigo descansar quando durmo. Sou completamente diurna, então não preciso de muitas horas e não tenho dificuldade para levantar.”

Uma vez por mês, quando Manoela passa o fim de semana com o pai, Luciana tem a oportunidade de ficar literalmente de pernas para o ar. Mas como não se permite ficar sem fazer nada e detesta bagunça, encontra nem que seja uma gaveta para arrumar. “Eu me regenero fácil, mas estou cansada. Essa rotina, o trânsito, o calor, tudo tira nosso tempo e nossa paz. Às vezes, acho que a gente até se acostuma a viver assim, mas tem hora que respiro fundo e me sinto morta”, desabafa Luciana, que está há mais de um ano sem férias e contando as horas para os cinco dias livres que vai ter neste mês.


Fadiga vira círculo vicioso


Cansaço nada mais é do que falta de disposição para fazer alguma coisa. Pode ser físico ou mental, sendo esse último ainda mais complicado, pois contra o físico basta parar para se recompor. O cansaço mental exige outras estratégias, além de também levar ao cansaço físico. Fato é que a pessoa cansada tende a ficar cada vez mais sem disposição, entrando em um círculo vicioso. Quanto mais cansada uma pessoa está, menos disposição ela tem para fazer qualquer coisa, inclusive coisas que poderiam amenizar a sensação de cansaço. Assim, vão seguindo cansadas.

Segundo Gerseli Angeli, doutora em fisiologia do exercício pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o aumento da solicitação física ou mental não dá ao corpo, ou à mente, tempo de se recuperar.

“Sente-se o cansaço e não se recupera. No dia seguinte a pessoa também não rende e assim passa a render cada vez menos. O corpo percebe esse movimento e começa a se defender. A falta de disposição, também chamada astenia, nada mais é que uma defesa do corpo. Depois de uma atividade cansativa, o corpo cria uma memória da exigência acima do seu condicionamento, e vem a falta de disposição”, explica.

A ideia, então, é burlar essa falta de disposição. Mas o corpo do homem moderno está acostumado a ser pouco solicitado. Afinal, há um dispositivo tecnológico para facilitar qualquer coisa. “O homem foi trocando seu condicionamento pelo conforto, e quanto menor é o condicionamento, menor é o nível de solicitação física necessária para que a pessoa se sinta descansada. É por isso que as pessoas ativas se sentem menos cansadas e têm mais disposição. A vida ativa defende o corpo dos malefícios do sedentarismo”, alerta. Contra o cansaço, então, a receita é não ceder.

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