terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Maria Esther Maciel-Era uma vez‏

Estado de Minas: 10/12/2013 



Nos tempos de criança, a palavra “carochinha” me intrigava. Um dia, perguntei seu significado à professora, mas ela despistou e começou a falar de fadas e bruxas. Acho que foi minha avó quem me contou, na ocasião, que o termo era o diminutivo de “carocha”. Deu na mesma, pois eu não eu não tinha a mínima ideia do que fosse isso. Até que, anos depois, descobri os vários significados do termo, entre eles, os de “carapuça de papel que se colocava nas crianças como castigo na escola” e “feiticeira, bruxa”. É, também, sinônimo de “barata”, o inseto. Em Portugal, pelo que soube, chamam a história da Dona Baratinha de A Carochinha e o João Ratão. Mas o fato é que as histórias da carochinha ficaram no nosso imaginário como um outro nome para os contos de fada.

Ocorre-me isso agora enquanto folheio os dois volumes dos Contos maravilhosos infantis e domésticos (1812-1815) dos irmãos Wilhelm e Jacob Grimm, publicados pela Editora Cosac & Naify, em 1912. Disposta numa caixa, a edição dupla inclui 156 histórias traduzidas diretamente do alemão por Christine Röhrig, desde as mais cultuadas, como Branca de Neve,Chapeuzinho vermelho” e A gata borralheira, até outras menos conhecidas, como “O noivo bandido” e “Os sapatos gastos de tanto dançar”. Os volumes contêm, ainda, os prefácios e notas dos autores, bem como as xilogravuras originalíssimas do artista e cordelista pernambucano J. Borges. As páginas coloridas dos dois tomos dão um charme especial ao conjunto, que, sem dúvida, é um presente e tanto para as crianças (e adultos interessados) neste Natal.

Tenho pensado muito, ultimamente, na falta que o maravilhoso – próprio dessas narrativas da tradição oral – faz nos dias de hoje. Podem me chamar de nostálgica ou utópica que não estou nem aí, mas penso que o mundo precisa recuperar um certo encantamento perdido. E esse reencantamento passa, sem dúvida, pela abertura da imaginação às coisas impossíveis, inexplicáveis pela razão ou pela ciência. Sinto que a capacidade de imaginar anda cada vez mais rarefeita. Até mesmo entre as crianças, que sempre foram mais abertas às coisas prodigiosas.

Não faz muito tempo, tive essa certeza ao sair com uma menininha do interior de Minas que veio, pela primeira vez, a Belo Horizonte com a mãe. Como queria dar-lhe um presente, chamei-a para ir a um shopping próximo de onde estávamos. Quando chegamos à entrada do prédio, falei: “Agora você vai ver uma porta mágica”. Aproximamo-nos da porta, e fiz um gesto com a mão, dizendo: “Abre-te sésamo”. E a porta abriu. Mas a menininha, nos seus quase 4 anos, virou-se para mim com os olhos repreensivos e me corrigiu: “Não, a porta não é mágica não. É automática”. Sua voz mostrava indignação, como se quisesse dizer: “Nossa, que mulher mais boba essa, que acha que porta automática é mágica...” Fiquei toda desconcertada. “Sou uma boba mesmo”, pensei. E acabei por concordar, com um “ah, sim, tinha esquecido.” Todo o encanto se quebrou de repente. Ou melhor, me dei conta de que não havia mais encanto nenhum.

Relendo, hoje, alguns contos de fadas (ou da carochinha), vejo que eles continuam capazes de mostrar o que de maravilhoso há nas dobras do mundo visível.

Se é que, de fato, o maravilhoso ainda existe em nosso mundo.

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