domingo, 9 de fevereiro de 2014

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Íamos salvar o Brasil‏

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Íamos salvar o Brasil
Estado de Minas: 09/02/2014





Essa morte trágica de Eduardo Coutinho, aos 80 anos, assassinado pelo filho esquizofrênico, me fez lembrar do tempo em que íamos salvar o Brasil.

Nos anos 1960 falava-se muito em reforma agrária. Eu não passava de um jovem poeta em Belo Horizonte que como diretor de cultura do DCE havia, com companheiros, criado o Centro Popular de Cultura (CPC) de Minas. Oduvaldo Viana (o Vianinha) bem que me convidou para ir para o Rio fazer parte do CPC da UNE, escrever poemas soviéticos de louvor aos heróis populares. Permanecendo, no entanto, em BH, cheguei a fazer algo no gênero, como testemunham os três exemplares de Violão de rua, que Moacyr Félix editava. Um desses poemas intitulava-se “Poema para Pedro Teixeira assassinado”. E aqui entra a conjunção com Eduardo Coutinho, que fez Cabra marcado para morrer. O personagem era o mesmo.

 É bom que você vá ver no YouTube o filme de Coutinho e procure no Google toda a peripécia que foi fazer esse filme.

A primeira parte do documentário foi feita em 1964 e a segunda em 1981. Na primeira parte, Eduardo Coutinho registra a vida de Pedro Teixeira, líder camponês assassinado lá em Sapé – corresponderia ao momento em que os comunistas e socialistas íamos salvar o Brasil. Já a segunda parte, quase 20 anos depois, quando o cineasta reencontra a mulher de Pedro (Elizabeth), foi feita quando os militares que estavam no poder já desistiam de salvar o Brasil.

Volta e meia alguém tenta salvar o Brasil. Tancredo tentou, Sarney foi aquilo, Collor prometeu, Fernando Henrique, Itamar, Lula e Dilma idem. Desconfio que o Brasil não quer ser salvo. Hoje muita gente invade os shoppings fazendo rolê, achando que isto salva o Brasil. Meus amigos, vamos assistir de novo ao filme A classe operária vai ao paraíso, de Elio Petri (1971). O shopping virou o paraíso almejado.

Nos anos 60, quando minha geração ia salvar o Brasil, a UNE era um conglomerado de messias. Eu estava lá, Eduardo Coutinho estava lá. Estavam lá Cacá Diegues, Oduvaldo Viana, Armando Costa, Guarnieri, Arnaldo Jabor, Ferreira Gullar, Carlos Lyra, Cecil Thiré, Joel Barcelos etc. E bota etc. nisso. No lançamento de Violão de rua, na UNE, em 1962, jovem estudante de letras de Minas, sentei-me naquela festa revolucionária entre venerandos salvadores da pátria: Ferreira Gullar, Geir Campos, José Paulo Paes, Moacyr Félix, Paulo Mendes Campos, Reynaldo Jardim e o glorioso Vinicius de Moraes. Eu era quase um penetra nessa festa salvacionista, tanto que guardei o autógrafo no livrinho, que diz : “Para o Afonso, que vim encontrar súbito ao meu lado, o abraço do Paulo Mendes Campos e Vinicius de Moraes”.

Se no primeiro Violão de rua havia um poema meu ( “Morte na Lagoa Amarela”) feito a partir de uma entrevista de um camponês ao indômito Binômio, do José Maria Rabelo, no segundo volume daquela coleção meu herói era o Pedro Teixeira. Revelo, a quem interessar possa, que o poema era uma tentativa de conciliar o formalismo do concretismo e a participação do CPC. Ambos queriam salvar o Brasil. Os concretistas alardeavam (equivocadamente) com Maiakóvsky: “Sem forma revolucionária não existe arte revolucionária”. No poema eu fazia uma releitura de Lorca e da poesia medieval portuguesa, já que era aluno de Rodrigues Lapa, que, tendo se cansado de tentar salvar Portugal da época de Salazar, veio para o Brasil.

Naquele tempo, era muito fácil salvar a poesia e o Brasil. Havia fórmulas para tudo. Mas o Brasil não queria ser salvo. O país que tínhamos na cabeça não conferia com a realidade. Só 20 anos mais tarde iria refletir melhor sobre isso: “Que país é este?”.

Revejo o filme de Eduardo Coutinho.

Releio o meu poema uns 50 anos depois.

Acho um luxo você poder se reler 50 anos depois, poder rever sua vida e a de sua geração e medir o sucesso de todos os fracassos. Muitos não tiveram essa chance. De minha geração, muitos tombaram em torno dos 40 anos, seja de enfarte, seja na guerrilha.

Dentro de pouco tempo, como Eduardo Coutinho, iremos embora.

Outros tentarão (em vão) salvar o Brasil.

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