sexta-feira, 9 de maio de 2014

Antropólogo sugere que comunidades indígenas sejam estudadas com satélites

ANTROPOLOGIA » Índios serão estudados via satélite
Roberta Machado

Estado de Minas: 09/05/2014


Membros da comunidade Isolados do Xinane reagem a avião: sobrevoos podem afetar equilíbrio cultural 
 (Lunae Parracho/Reuters)

Brasília – Nas entranhas da Floresta Amazônica, existem habitantes de um Brasil de outro tempo. São indígenas com pouco ou nenhum contato com outras culturas e que sobrevivem em grupos cada vez menores. Estima-se que existam 107 comunidades vivendo em isolamento em toda a Amazônia Legal, um número constantemente ameaçado pela expansão agrícola e madeireira. O desafio de proteger a integridade e a identidade desses últimos representantes de uma cultura em extinção torna-se ainda maior devido ao frágil equilíbrio em que vivem. A interação direta nem sempre é aconselhada ou permitida, o que dificulta até mesmo a comprovação da existência dos territórios ocupados pelas populações isoladas.

Pesquisadores decidiram, então, estudar esses povos de longe. Na verdade, a mais de mil quilômetros de distância. Usando imagens de satélite como referência, cientistas norte-americanos conseguiram mapear o tamanho de uma comunidade indígena brasileira, registrar o número de residências construídas no local e até mesmo calcular o número de pessoas que vivem ali. Tudo isso sem pisar em território brasileiro. O grupo de cientistas da Universidade de Missouri usou como base fotos disponibilizadas gratuitamente no sistema Google Earth e estimativas baseadas nos dados de aldeias já conhecidas.

O alvo do satélite de alta resolução era uma pequena comunidade localizada no Acre, próximo à fronteira com o Peru. Os Isolados do Xinane tinham sido identificados havia alguns anos, mas seu isolamento impedia o levantamento de dados mais detalhados sobre esse grupo. O método de vigilância foi testado com imagens registradas por satélite em 2006, onde residências, plantações e pessoas são identificáveis entre as árvores.

Os métodos e resultados do levantamento foram publicados no periódico on-line The American Journal of Human Biology. Depois de descobrir quantas casas havia na tribo, os pesquisadores compararam os números com as médias registradas em 71 outras comunidades. “Metodologias similares já foram usadas antes com base em dados espaciais. O que é especial aqui é a aplicação dessa mesma metodologia em uma aldeia não contatada, em vez de sítios arqueológicos ou comunidades contatadas”, explica Robert Walker, professor de antropologia na Universidade de Missouri e um dos autores do trabalho experimental. A média calculada de integrantes da tribo é de 22 indivíduos, com um máximo estimado de 40 pessoas.

Potencial A resolução dos satélites mais avançados do mercado é de 50cm, o que significa que um ser humano não ocupe mais do que três ou quatro pixels em uma imagem muito aproximada. “Não tenho dúvidas de que é viável o mecanismo de avaliação indireta da população indígena”, estima Mucio Roberto Dias, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-presidente da Agência Espacial Brasileira. “É possível medir as dimensões de cada oca, ver o solo na vizinhança e fazer o mapeamento de uso da terra na aldeia”, enumera Mucio. Alguns dos satélites usados pelo Google, no entanto, chegam a uma definição de apenas 10cm por ponto de imagem. Essa resolução, que é a mesma esperada para os futuros satélites brasileiros, faria uma pequena casa desaparecer em um cenário como a floresta amazônica.

No futuro, os pesquisadores esperam usar algoritmos automatizados para localizar vilas ainda desconhecidas pelo resto da civilização. Se conseguir o financiamento necessário, o grupo deve usar um sistema eletrônico para identificar possíveis alvos no aglomerado de imagens registradas por satélite e investigar esses pontos com mais detalhes. O algoritmo sobrepõe e compara cenas registradas em momentos diferentes e estima em quais pontos pode ser feita uma investigação mais precisa. “Esses algoritmos vão fornecer informação confiável do tamanho das populações, da extensão das aldeias, das variações de população e de outros dados censitários que podem ser relacionados a características ecológicas, culturais ou espaciais de grupos indígenas contatados ou isolados”, espera Walker.


Proteção Para os autores do estudo, a vigilância remota é o único método seguro para acompanhar sociedades indígenas com segurança, sem ameaçar sua sobrevivência a longo tempo. Na opinião de Robert Walker, sobrevoos com aviões ou drones e gravações podem ser muito invasivos à cultura das tribos. A observação remota do local, acredita, poderia manter as autoridades atualizadas da extensão e da localização das tribos sem perturbá-las.

“O Brasil tem a obrigação de resguardar esses territórios. É bem mais difícil lidar com populações isoladas, mas elas estão sofrendo riscos, inclusive de epidemias”, diz Maria Dorotheia Darella, pesquisadora do Laboratório de Etnologia Indígena do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Alguns grupos nativos têm o hábito de migrar e precisam de uma área de proteção para se movimentar com segurança. O sistema de observação periódica por satélite poderia acompanhar os padrões de mudança dessas populações por anos a fio, facilitando a proteção da área e assegurando os padrões de vida dos indígenas de forma permanente. “É necessário garantir a mobilidade tradicional dessa população indígena, não importa se são 12, 50, 200 ou mil pessoas. O Estado tem o dever de garantir as terras tradicionalmente ocupadas”, ressalta.

Procurada, a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou que desconhece a pesquisa norte-americana e não quis comentar a proposta de vigilância por satélite feita pelos especialistas norte-americanos. No site da organização, a Funai diz ter desenvolvido “trabalhos sistemáticos de localização geográfica, que permitem não só comprovar sua existência (das tribos), mas obter maiores informações sobre seu território e suas características socioculturais”. Os registros que se limitam a indicar a existência de grupos indígenas isolados, no entanto, não são alvo de nenhum tipo de trabalho sistematizado por parte da Coordenação-Geral de Índios Isolados da Funai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário