segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Um tsunâmi de problemas‏ - Junia Oliveira

Estudo revela que as águas dos oceanos, principalmente as brasileiras, estão com saúde frágil, dão sinais de esgotamento e pedem atenção especial e urgente


Junia Oliveira
Estado de Minas: 11/08/2014



Eles representam 70% da superfície da Terra e ainda são um mistério para pesquisadores. Mas, aparentemente com infinitas possibilidades, os oceanos dão sinais de esgotamento de recursos e mostram saúde frágil. No Brasil, estudo revela que essas águas pedem atenção especial e urgente. Segundo o Índice de Saúde do Oceano do Brasil (OHI–Brasil, na sigla em inglês), elas receberam nota 60, de um total de 100, e o alerta de que o real impacto das atividades de hoje no futuro de nossos mares ainda é desconhecido.

O OHI-Brasil, que demorou oito meses para ser concluído, foi publicado este ano e avaliou os 17 estados da costa brasileira, usando bases de dados disponíveis referentes a 2012. Ele estipula pontuação que vai de 0 a 100 e é a combinação de 10 metas, que consideram questões ambientais, sociais e econômicas. Cada estado recebeu sua própria nota. Sob coordenação da pesquisadora Cristiane Elfes, do Departamento de Ecologia, Evolução e Biologia Marinha da Universidade da Califórnia Santa Bárbara (Estados Unidos), o estudo contou com a colaboração de especialistas de universidades norte-americanas e da ONG ambientalista Conservação Internacional.

O Brasil foi escolhido para esse levantamento regional porque tem uma das mais longas linhas de costa do mundo, alta diversidade biológica marinha e costeira e uma das maiores economias mundiais. A Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Brasil tem 3.660.995 quilômetros quadrados no Oceano Atlântico. Esse primeiro estudo fornece uma linha de base para a análise de futuras mudanças. Destaca, também, onde são necessárias melhores informações que podem ajudar a guiar ações de políticas e gerenciamento.

A ideia é tornar o estudo um programa conduzido por instituições brasileiras. O OHI-Brasil é uma variação regional do estudo global lançado em 2012, depois de dois anos de trabalho e mais de 60 pesquisadores envolvidos para compilar dados sobre as ZEEs de todos os países costeiros. Ele compara cientificamente e combina os elementos-chave de todas as dimensões da saúde do oceano – biológica, física, econômica e social – para medir a sustentabilidade do uso que as pessoas fazem dos recursos e serviços oferecidos pelo oceano e ambientes costeiros.

O índice é organizado em torno das seguintes metas: provisão de alimentos (pesca artesanal e aquicultura), oportunidades de pesca artesanal, produtos naturais, armazenamento de carbono, proteção costeira, turismo e recreação, subsistência e economias costeiras, identidade local, águas limpas e biodiversidade. A pontuação de cada meta varia entre 0 e 100. A máxima significa que o sistema avaliado atingiu a meta proposta, oferece todos os benefícios especificados de forma sustentável e é provável que continue da mesma forma. Notas baixas refletem que, embora os dados estivessem disponíveis, o estado não se beneficia dos recursos naturais ou eles são obtidos de maneira não sustentável.

POLÍTICAS PÚBLICAS A pontuação média do Brasil no estudo nacional foi de 60. Para o diretor de Estratégia Costeira e Marinha da Conservação Internacional, Guilherme Dutra, a média brasileira é bastante baixa, embora esteja próxima à média mundial (62), analisada em 2012. Ele destaca que há vários fatores fundamentais para se pensar como o futuro dos oceanos pode ser melhor. O primeiro são políticas públicas para orientar ações mais saudáveis e sustentáveis. O outro é o envolvimento da sociedade. “Todo cidadão que tem interesse nas questões ambientais de alguma forma vai esbarrar na importância dos oceanos e, reconhecendo isso, concluir sobre a necessidade fundamental de manter seu funcionamento da melhor maneira, seja por meio de ações do dia a dia ou por pressões sobre os governos para que políticas públicas sejam efetivadas.”

Armazenamento de carbono (89), proteção costeira (92) e biodiversidade (85) – todas dependentes da saúde dos hábitats marinhos – foram as pontuações mais altas das metas nacionais. Produtos naturais (29), turismo e recreação (31) e provisão de alimentos (36) foram as pontuações mais baixas. “Comparado com outros países, usamos muito pouco o nosso ambiente marinho de forma sustentável. Vamos muito à praia, mas deixamos um resultado indesejado desse uso”, diz. Aquicultura (6) obteve uma pontuação muito baixa, o que contribuiu para a queda em provisão de alimentos. “A provisão de alimentos acaba se refletindo em outras metas. Nossos estoques estão ameaçados e não há qualquer pescado que possa ser considerado sustentável, o que precisa ser revisto, porque algumas dessas espécies podem ser extintas, bem como as condições de prover alimentos.”

MELHORIAS O estudo aponta ainda os caminhos para a melhoria nesses índices. No quesito provisão de alimentos, o incremento se daria melhorando a sustentabilidade da pesca e desenvolvendo aquicultura de forma sustentável em mais estados. Uma das queixas dos estudiosos é que dados de desembarque pesqueiro não estavam disponíveis na escala dos estados, então não contribuíram no cálculo da pontuação estadual relativa à provisão de alimentos.

Já os dados nacionais indicaram que os desembarques excedem níveis de sustentabilidade na maior parte da costa brasileira e nas ilhas de Trindade e Martin Vaz – localizadas a cerca de 1,2 mil quilômetros da costa do Espírito Santo. O acompanhamento dessa atividade e o estabelecimento de limites de captura e fiscalização da atividade pesqueira, bem como a criação de novas áreas marinhas protegidas, poderiam ajudar o Brasil a recuperar seus estoques e manter as capturas em níveis sustentáveis, sugere o OHI.

Na aquicultura, a pontuação poderia ser elevada pelo aumento na produção em mais estados e também se concentrando em espécies que não necessitam da conversão do manguezal ou que tragam outros riscos ambientais. Conforme o estudo, a pontuação baixa para a meta produtos naturais indica que o país não está usando de maneira apropriada os recursos não alimentares disponíveis.

Já a disseminação dos benefícios do turismo a mais estados pode ajudar a melhorar a pontuação da meta turismo e recreação, assim como em subsistência e economia costeiras. Mas, para isso, é preciso haver infraestrutura para atrair e atender os visitantes, evitando efeitos sociais e ambientais indesejados. Já para elevar a pontuação em provisão de alimentos, é preciso, como aponta o estudo, que o Brasil melhore a sustentabilidade da pesca e desenvolva a aquicultura sustentável em mais estados. “Há vários elementos marinhos que têm relação direta com o planeta e estamos perdendo sem saber. Sabemos mais da Lua e de outros planetas do que do fundo dos oceanos. Isso faz com que tenhamos uma distância enorme desse ambiente, e isso precisa ser mudado”, relata Guilherme Dutra. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário