quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Eduardo Almeida Reis - Podridão

Nos elevadores brasileiros gostam do verbo premer em lugar do apertar o botão. Existe despremer? Deve existir


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 18/09/2014


Jornalista badalado, escrevendo em jornal de circulação nacional, louvou a inauguração do Templo de Salomão no Bairro do Brás, cidade de São Paulo, pelo fato de ter sido construído com recursos da IURD, Igreja Universal do Reino de Deus, inventada pelo senhor Edir Macedo Bezerra, nascido no dia 18 de fevereiro de 1945 em Rio das Flores (RJ). Cavalheiro que, entre outras virtudes, tem a de ser cunhado do senhor Romildo Ribeiro Soares, inventor da Igreja Internacional da Graça de Deus, nascido no dia 6 de dezembro de 1947 em Muniz Freire (ES). 

A exemplo de Deus, Romildo tem o dom da ubiquidade, faculdade divina de estar concomitantemente presente em toda parte. Duvido que o caro, preclaro e assustado leitor do Estado de Minas consiga zapear os canais do seu televisor sem encontrar Romildo pregando, dia e noite, em pelo menos um canal. É pastor respeitadíssimo porque acena com o desencapetamento total, além de sugerir que o seu rebanho desencapetado deixe os dízimos em cobrança bancária. Sim, porque o capeta tem capetices, tais como fazer que o crente se esqueça de levar ao templo o dízimo de sua obrigação religiosa.

Ao escrever sobre o Templo de Salomão, o jornalista louvou o fato de o seu custo, estimado em R$ 685 milhões, ter sido bancado pela IURD sem aportes públicos da união, do estado e do município. Considerando que a IURD ainda não emite dinheiro, a obra teria sido custeada pelos dízimos.

Philosophemos. Consta que o Templo de Salomão abriga o apartamento em que reside, com sua família, o rio-florense Edir Macedo Bezerra. Deve ser residência melhor que a minha e a sua, preclaro leitor. Aliás, um milhão de vezes melhor, ou dois milhões, a julgar pelo apê do rio-florense no imenso templo que construiu em Belo Horizonte, com direito a heliponto ainda não homologado pela Anac.

Se o leitor quiser morar muitíssimo bem, desejo universal mesmo que não seja do reino de Deus, deve gastar uma fortuna para comprar um imenso apê, como também precisa empregar de carteira assinada um monte de brasileiros e brasileiras, recorrendo ao seu bolsinho para quitar as contas de luz, gás, telefone, segurança, condomínio & companhia ilimitada.

Num apê do Templo de Salomão, as despesas correm por conta da IURD, isenta de impostos. Portanto, ainda que indiretamente correm por conta da União, que a isentou dos impostos. Correndo por conta da Viúva, correm também e muito por sua conta, caro e preclaro leitor, que paga os impostos municipais, estaduais e federais. Shakespeare disse que havia algo de podre no Reino da Dinamarca, podridão que continua existindo noutros reinos de Deus.

Ave mute!

Dilma mute. Lula mute. Cracolândia mute. Edir mute. Lixão mute. Dunga mute. Marina mute. Renan mute. Advogado de bandido mute. Crimes mute. Que seria de mim se não existisse o botão “mute”? 

Tiro o som de tudo que me aborrece, como a voz daquele senador pernambucano líder do governo, as opiniões de pessoas entrevistadas nas ruas, declarações de jogadores de futebol sempre no sentido de que é preciso levantar a cabeça e continuar o trabalho, queixas de hospital do SUS, trabalho em condições análogas à escravidão – hei de atingir a perfeição de ligar o televisor sem desligar o botão mute. Nos elevadores brasileiros gostam do verbo premer em lugar do apertar o botão. Existe despremer? Deve existir.

Mesmo recorrendo ao mute acabo tomando conhecimento de certos fatos, como, por exemplo, a morte de dois jovens pichadores que invadiram um apartamento em São Paulo no exercício de sua profissão. Pois é, pichador virou profissão. De carteira assinada? Provavelmente. Com direito a férias, horas extras, décimo terceiro, tudo bonitinho. Num país que tem um regime hidrológico muito sensível à água, como atestou uma gorda brasileira votada por vocês, pichador merece constar das profissões listadas pela CLT, que já relaciona os profissionais do sexo.

Se me fosse dado palpitar, exportaria todos os pichadores para Cingapura, com a opção de pichar as árvores que margeiam o Rio Ebola, afluente do Rio Mongala, que deságua no Rio Congo da República Democrática do Congo, por vezes designada RDC, RD Congo, Congo-Kinshasa, Congo-Quinxasa ou Congo-Quinxassa para diferençá-la da vizinha República do Congo. A RDC, capital Kinshasa, presidente Joseph Kabila, moeda franco congolês, em 2012 tinha 65 milhões de habitantes. Há espaço de sobra para milhares de pichadores.

O mundo é uma bola
18 de setembro de 1793: George Washington assenta a pedra fundamental do Capitólio. Em 1818, independência do Chile. Em 1851, fundação do New York Times. Em 1865, na Guerra do Paraguai, rendição paraguaia. Em 1946, sancionada uma nova Constituição brasileira. Se o leitor está lembrado da coluna de ontem, já não se assusta com o país que inventa Constituições de seis em seis meses, o que nos lembra a frase atribuída a Getúlio Vargas: “A Constituição é como as virgens. Foi feita para ser violada”.
Em 1947, fundação da CIA, Central Intelligence Agency, pensada para espionar o governo brasileiro.

Ruminanças
“Que admirável país se poderia fazer com as migalhas que o país joga fora” (Guilherme Figueiredo, 1915-1997).

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