quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Clube do sushi - Eduardo Tristão Girão

A nova safra de músicos mineiros já chama a atenção dos japoneses, seguindo a trilha de Milton Nascimento e Toninho Horta. Discos ganham prêmios e encartes traduzidos por lá


Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 22/10/2014 



O pianista e percussionista Antonio Loureiro já prepara a segunda turnê no Japão (Caio Palazzo/divulgação)
O pianista e percussionista Antonio Loureiro já prepara a segunda turnê no Japão


Antonio Loureiro acaba de lançar um disco só no Japão, gravado com músicos locais durante sua primeira visita ao país, em 2013 – a segunda já está marcada para o mês que vem. Alexandre Andrés teve seu Macaxeira fields premiado como melhor álbum brasileiro do ano passado pela revista nipônica Latina, incluindo versão com letras traduzidas para o japonês. Rafael Martini, cujo Motivo também foi levado para lá, quase perdeu a conta dos japoneses que lhe pediram amizade no Facebook – muitos ele nem sabe quem são.

Esses são apenas alguns exemplos de jovens músicos mineiros (ou que aqui construíram carreira) integrantes da nova fornada de brasileiros “devorados” pelo público japonês, frequentemente descrito como extremamente atento, curioso e respeitoso em relação ao que é produzido no país. Em termos de exportação, a bossa nova é consumida lá há muitos anos: Roberto Menescal, Joyce Moreno e Wanda Sá são habitués – Minas Gerais engrossa essa lista com Toninho Horta, Affonsinho e o duo Renato Motha e Patrícia Lobato, entre outros.

“No Brasil, o público cresce constantemente, mas aqui tem menos gente identificada com esse som do que lá. O mercado fonográfico japonês funciona até hoje. As pessoas abrem lojas de disco, o mercado funciona e funciona de um jeito eclético. As pessoas ouvem um monte de coisas diferentes. Respeito muito esse público, que quer ouvir de tudo e conhece muito de tudo”, conta o pianista e percussionista Antonio Loureiro. Seu novo disco, In Tokyo, acaba de sair apenas no Japão pelo selo NRT, de Yoshihiro Narita, produtor que abre as portas desse mercado para os mineiros.

O primeiro disco de Loureiro foi lançado lá e cá; Só, o segundo, teve prensagem japonesa e letras traduzidas; Aqui é o meu lá, com o violonista Ricardo Herz, está em fase de importação. O álbum mais recente registra sua performance ao vivo ao lado de três instrumentistas japoneses. “São músicos que têm público lá. O show ficou lotado, foi surreal. O público conhecia meu trabalho e depois fiquei duas horas assinando discos – meus e projetos de que participei com o Ramo, Kristoff Silva, Rafael Martini, Alexandre Andrés. Um público muito grande se identifica com um monte de outras coisas”, diz.

Rafael Martini já perdeu a conta de quantos amigos japoneses ganhou no Facebook (Élcio Paraíso/divulgação)
Rafael Martini já perdeu a conta de quantos amigos japoneses ganhou no Facebook


ACESSO

O cantor e compositor Alexandre Andrés acompanhava de longe o interesse pela música mineira até receber de Narita um e-mail, no qual o produtor se mostrava interessado em lançar Macaxeira fields. O CD chegou-lhe por meio do pianista André Mehmari, que assinou a direção musical do trabalho. A edição tem letras traduzidas para o japonês e arte especialmente desenvolvida para o mercado oriental. O primeiro disco de Andrés, Agualuz, e o mais recente, Olhe bem as montanhas, também estão nas lojas nipônicas. “Convite ainda não tive, mas quero ir lá”, afirma Andrés.

No Facebook, ele percebeu a presença de vários japoneses interessados em seu trabalho e em sua página no Soundcloud (na qual é possível ouvir músicas) – a maioria das visitas era do Japão, à época do lançamento de Macaxeira fields. O pianista Rafael Martini calcula ter cerca de 100 amigos japoneses no Facebook. “Alguns nem sei quem são”, diverte-se. “Já achei um artigo de lá me comparando à pianista Maria Schneider. Nunca falo dela, mas é uma influência importante para mim. Os caras têm ouvido muito especial”, elogia.

Alexandre Andrés ganhou prêmio da revista Latina
 (Cristina Horta/EM/D.A Press)
Alexandre Andrés ganhou prêmio da revista Latina


IRENE

A cantora Irene Bertachini, que enviou 170 cópias de seu disco de estreia, Irene preta, Irene boa, para o Japão, diz que esse contato tem dupla importância. “Para artistas como eu, é uma quantidade muito boa e interessante ver que os japoneses ainda apreciam o disco físico. Quando você tem só o MP3, desvincula o trabalho de todo o processo gigantesco da música: compositor, arranjo, músicos. O MP3 facilita o acesso, mas tira um pouco da profundidade da fruição”, analisa. Discos de outros projetos de que ela participa, Coletivo A.N.A. e Elas de Minas, também foram para lá.

Turnês e amizades

A relação com o Japão, lembra o cantor e compositor Renato Motha, começou há exatos 10 anos com o convite para lançar lá o álbum Dois em Pessoa, com poemas de Fernando Pessoa musicados em parceria com a mulher, a cantora Patrícia Lobato. De lá para cá, foram mais CDs – dois exclusivos para o mercado oriental. In mantra foi considerado melhor disco de música brasileira pela revista Latina, em 2010. O casal fez turnês no país em 2009, 2010 e 2012. Em 2012, o artista ainda participou da versão belo-horizontina do festival japonês Sense of Quiet, a cargo de Yoshihiro Narita.

Seu recém-lançado disco Menino de barro já está à venda no país. “O público japonês é único. Profundo conhecedor da nossa música, sensível, respeitoso. Estabelece ressonância sutil e ao mesmo tempo entusiasmada com o músico durante toda a apresentação, o que nos inspira a sempre darmos o melhor de nós”, avalia.

O cantor e compositor Affonsinho ainda não foi ao Japão, apesar de já ter sido convidado, mas comemora o fato de ter vários discos lançados lá desde 2000. O músico gosta de contar o caso da amiga japonesa que ganhou. “Ela foi a um show do Milton Nascimento no Japão e, na saída, encontrou o baterista Lincoln Cheib. Pegou com ele meu telefone e quis me conhecer e me entrevistar, quando veio ao Brasil. Foi lá em casa, sabia tudo da vida da gente, quis ver o meu violão, a cadeira que usava para compor e ficou amiga do meu filho Fred. Morou seis meses aqui”, revela.

Três perguntas para...

YOSHIHIRO NARITA
Produtor

Yoshihiro Narita
 (Arquivo pessoal
)
Yoshihiro Narita


Como você teve o primeiro contato com a música mineira?

Foi com o LP Clube da Esquina, de 1972. Fiquei surpreso e ele me tocou. Isso há 20 anos, quando tinha uns 19 e esse era um álbum clássico nos meus círculos de amizade. Os LPs brasileiros foram muito populares entre a minha geração. Claro que eram pequenos círculos, mas as cabeças musicais eram várias. Gente que gostava de jazz, club jazz e house, por exemplo, conhecia Tudo que você podia ser. Gente influente, como o colecionador e dono de selo Giles Peterson, apresentou essas canções.

Há interesse especial dos japoneses pela música mineira?

Sim. Antonio Loureiro se tornou um músico brasileiro conhecido. Alexandre Andrés recebeu prêmio de melhor álbum brasileiro de 2013, da revista japonesa Latina, por Macaxeira fields. The sound of young Minas, a exemplo de The sound of young America (Motown Records), está se tornando tendência entre as cabeças musicais daqui. Além disso, Renato Motha e Patricia Lobato são populares devido a nove discos e três turnês. Milton Nascimento e Toninho Horta, é claro, são conhecidos pelos japoneses desde os anos 1970.

Os mineiros apontam grande diferença entre os públicos daqui e do Japão. Você concorda? Como definiria o consumidor japonês?

Sim e não. A maioria do público japonês está interessada em coisas do tipo música do passado, mas essa é a situação de quase todo o planeta atualmente. Além disso, muitos japoneses conseguem perceber a beleza da música brasileira com facilidade. Nós talvez adoremos a suavidade e o caráter melodioso da língua portuguesa falada no Brasil.

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