domingo, 5 de outubro de 2014

Radiofônicas II - Eduardo Almeida Reis

Radiofônicas II


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 05/10/2014



Conforme prometi, passo a falar dos programas radiofônicos de que participei em BH. No primeiro sofri para acompanhar o jornalista Lauro Diniz, admirável causeur que encantava os ouvintes da Rádio Inconfidência. Remuneração ridícula. No fim do mês sobrava alguma coisa em torno de 10 reais, às vezes 15: trabalho escravo divertidíssimo. Você entra no Mercado Central e ouve de um desconhecido: “Sou médico e procuro ouvir o seu programa todos os dias”. Faz bem à alma. Quando nos demitimos solidários com o presidente da emissora, que deixava o cargo, tivemos a honra de ser apupados pelos imbecis de um sindicato, que se manifestavam diante da rádio soltando rojões de dois metros de comprimento.

Com raras exceções, sindicalistas são isto que a gente vê. Ainda outro dia, na televisão, sindicalistas paulistas faziam reivindicações salariais dançando, pulando e berrando diante das câmeras, sem que fosse possível entender aquilo que reivindicavam. Trata-se da manifestação barulhenta da imbecilidade humana, agravada, diante da Rádio Inconfidência, pelos rojões imensos.

Diverti-me à beça e à bessa com as tiradas do Lauro, tomei gosto pelos programas do gênero e tentei um outro, através de um sistema suposto de alcançar mais que 500 emissoras mineiras. Então, como sempre, nosso negócio esbarrou no patrocínio. Já falei dele uma porção de vezes e creio ter dito que, não por acaso, o famoso farmacêutico, escritor, orador, abolicionista e jornalista brasileiro se chamava José do Patrocínio (1854-1905).

Programa semanal de 50 minutos para ser veiculado de graça através da maioria das nossas emissoras tem um custo mensal. Aluguel de estúdio, dois ou três colaboradores que ganham uma tuta e meia, técnicos encarregados da transmissão via internet para centenas de emissoras que veiculam o programa nos horários de sua conveniência (incluindo seus patrocinadores regionais) – a brincadeira custava uns 80 mil mensais para permitir que os “donos, idealizadores e responsáveis” faturassem 10 ou 15 mil, a meu ver, justíssimos.

Aí, você procura um patrocinador e o encontra por um milhão e duzentos mil reais, desde que tire os seus 80 mil, pague os impostos e devolva o resto, cash, em metal sonante, ao benfeitor da pátria. Alfim e ao cabo, o país é grande, bobo e corrupto.

Bigodes

Que levaria um sujeito aparentemente normal a deixar crescer os bigodes? É pergunta que me faço sempre que deixo crescer os meus, como no momento em que componho estas bem traçadas. Minha moustache (em francês é substantivo feminino) vai para três meses e já não aguento me olhar no espelho, sinal de que em dois ou três dias dou cabo da barba que deixei crescer sobre o lábio superior. Dá um trabalho infernal, sem que o resultado seja bonito. Aliás, falar de boniteza depois de certa idade é meio difícil. Consola-me saber que Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido pelo pseudônimo de Mark Twain (1835-1910), meu guru número um, fumava charutos e cultivava um bigotão. Resta saber onde foi que Houaiss descobriu bigotão como aumentativo irregular de bigode.

Aurélio diz que a etimologia de bigode é controversa, Houaiss concorda, mas arrisca: parece ter a ver com a locução exclamativa germânica bî God “por Deus”. Em alemão, bigode é Schnurrbart no pequeno dicionário Michaelis português-alemão, mas você vai ao alemão-português do mesmo volume e não encontra Schnurrbart, sinal de que o dicionarista raspou o bigode como vou fazer daqui a pouco.

O mundo é uma bola

O dia 5 de outubro de 1143, ao contrário do que se possa imaginar, teve relação direta com um país descoberto em 1500: realizou-se em Zamora, Leão, a conferência de mesmo nome em que Afonso VII, rei de Leão e Castela, reconhece a independência de Portugal. Não fosse a Conferência de Zamora, os brasileiros estaríamos falando castelhano ou, o que seria mais grave, lunfardo, gíria originalmente de malandros de Buenos Aires (Argentina), que se estendeu a outros países do Prata. Em espanhol lunfardo significa “gatuno, ladrão”, atividade em que o brasileiro excele, verbo exceler: destacar-se ou salientar-se muito de outros; ser excelente; excelir.

Em 1414, abertura do Concílio de Constança, que resultou no fim do cisma da Igreja. Cisma, substantivo masculino, no caso significa “separação de uma pessoa ou grupo de pessoas de uma coletividade, especialmente religiosa”. O adjetivo cismado, regionalismo brasileiro, significa “prevenido contra alguém; desconfiado, acautelado”.

Em 1582, último dia do calendário Juliano. Oficialmente, de 6 a 14 de outubro os dias não existiram. Em 1768 o marquês de Pombal obriga, por decreto, os nobres portugueses antissemitas, que tivessem filhos em idade de casar, a promover casamentos com famílias judaicas. Na flor dos meus 18 aninhos tive namoradinha judia da melhor supimpitude.

Em 1897, fim da Guerra de Canudos. O sargento Mello, do nosso Exército, rastejou sob fogo inimigo para jogar uma granada na trincheira em que se abrigavam os últimos conselheiristas. Escusado é dizer que a granada não explodiu, o que obrigou o excelente sargento a repetir o rastejamento para jogar outra granada, que felizmente funcionou. Tive como chefe num banco oficial o senhor Leônidas, filho do sargento. Hoje é o Dia Mundial dos Professores.

Ruminanças
“Nas empresas jornalísticas, dia de muitas reuniões é dia em que ninguém faz nada” (R. Manso Neto).

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