domingo, 9 de novembro de 2014

EM DIA COM A PSICANáLISE » A última esperança

Outro tipo de ansiedade surge como medo da punição em consequência de algum desejo inconsciente


Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 09/11/2014



Acredito que muitas pessoas talvez não tenham se dado conta ainda de que criar expectativas em relação ao que vivemos produz grande ansiedade. Quanto mais expectativas criamos em torno de alguma situação almejada, mais sofrimento experimentamos.
A ansiedade é um sentimento extremamente desagradável de mal-estar psíquico e físico associado a algum perigo real ou imaginário. Quanto mais criamos historinhas sobre o futuro, as dúvidas, o medo de tudo que pode ocorrer, mais ansiedade virá. Querer controlar tudo do agora e ainda mais do futuro, como se isso fosse possível, causa esse tipo de reação.
A ansiedade funciona como um alerta contra os perigos que nos ameaçam. Nosso peito aperta, nossas mãos transpiram, falta o ar, vem a taquicardia e já não temos lugar. Esperamos que alguma coisa ruim possa ocorrer tanto a nós quanto aos que amamos. Sofremos por antecipação por causa das coisas que imaginamos.

Freud descreveu uma ansiedade objetiva, que surge do medo diante de perigos reais. Diante de catástrofes, adoecimento, perda de emprego, falta de dinheiro, entre outras perdas significativas que podem ocorrer ou que já aconteceram, se evocadas.

Outro tipo de ansiedade surge como medo da punição em consequência de algum desejo inconsciente proibido pela consciência, porém mantido vivo fora dela. E a cada vez que algo toca pontos ligados a esse desejo, o sujeito sofre uma crise de ansiedade. A análise revela o quanto são frequentes esses episódios.

Em um de seus casos clínicos, Freud relata a fobia de uma criança tomada de ansiedade quando tinha que sair, até mesmo para lugares que adorava, porque imaginava ser atacado e mordido por um cavalo. Tinha toda uma razão criada imaginariamente e, quando tratada, cedeu. De fato, a presença paterna ajudou bastante nesse processo de cura.

Em outro, o paciente relata os rituais de uma adolescente tomada por grande ansiedade antes de se deitar. Não poderia dormir se não parasse todos os relógios, conferisse várias vezes debaixo da cama, afofasse de maneira singular seus edredons e colocasse a cabeça no centro do travesseiro como se fosse um diamante incrustado. As portas abertas, impedindo assim qualquer intimidade entre os pais por causa do controle neurótico da filha. Isso é muito mais comum do que se imagina.

Uma forte ansiedade pode causar fracasso e prejuízo para o sujeito por não saber lidar com a espera (o tempo! não anda ou não para!) e, por isso, aborta seus projetos. Uma entrevista de emprego importante e muito ansiada pode causar inibição e piorar muito o desempenho. Uma prova de concurso pode fazer com que a pessoa erre muito mais do que quando realiza seus exercícios em casa.

Outro exemplo comum é no amor. Quando interessados demais em alguém ou apaixonados, adoecemos de ansiedade. A demora e a distância da pessoa amada são sofridas. Cada minuto de incerteza é um tormento e o simples pensamento de rompimento ou não realização do encontro produz grande ansiedade.

É como se precisássemos de uma garantia e não suportássemos fazer uma aposta porque nunca sabemos de antemão qual será o resultado. Esperar um resultado qualquer é um terrível sentimento experimentado pelos ansiosos Por isso, quanto menos esperança, menos sofrimento. O ansioso sofre por antecipar coisas (que nem sempre ou quase nunca se realizam) e pela coisa real que ocorre.

No mito de Pandora, a caixa a ser presenteada, se aberta, espalharia todas as desgraças sobre a humanidade (o trabalho, a velhice, a doença, as pragas, os vícios, a mentira, etc.). O que restava nela por último como grande mal foi a ilusória esperança. E ninguém pode passar a vida esperando não se sabe o quê, mas pensando em tudo.

O poeta italiano Dante Alighieri descreveu o portal do inferno com sábias palavras: “Deixai, ó, vós, que entrais, toda a esperança!”, avisando logo de cara que melhor é adentrar sem expectativas, pois de nada adianta inquietar-se diante de um real inevitável.

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