segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lixo - Eduardo Almeida Reis

Tão ou mais perigosa que a dos aventureiros é a função do PM para ganhar uma tuta e meia, além de ser malvisto pela sociedade


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 24/11/2014


Nada mais detestável do que o sujeito sair trombeteando sua caridade, nos casos em que foi realmente caridoso. O leitor sabe que não sou de fazer isso, mas devo contar algo que sempre fiz nos anos todos em que habitei bela casa de esquina no Bairro São Bento, em Belo Horizonte. Pelas vésperas dos natais, fazia questão de esperar a passagem do caminhão de lixo para gratificar pessoalmente os garis, cada um eles, geralmente da mesma equipe ao longo do ano. Dinheiro que não me fazia falta, ganho honestamente, gratificação que podia significar alguma coisa para eles no Natal.

O recolhimento do lixo é dos serviços mais importantes de uma cidade. Em alguns países, sem que o serviço deixe de ser cansativo e perigoso, os lixeiros ganham bem. Não faço ideia dos salários brasileiros, mas devem ser modestos e o serviço é importante, exaustivo e perigoso.

Dia desses, uma cadela da raça labrador escapou da casa de uma senhora amiga e sumiu no mundo. Desesperada, a boa senhora botou o sumiço no Facebook, avisou aos lixeiros que passavam de caminhão por sua casa e saiu de carro com o jardineiro para procurar a cachorra nas ruas de seu imenso bairro.

A vários quilômetros dali, um dos garis viu a cadela meio perdida, desceu do caminhão e a recolheu para deixar num pet shop que fica no seu caminho. Gesto bonito, inteligente, de um trabalhador brasileiro. Espero que tenha sido gratificado quando passou de caminhão recolhendo o lixo no dia seguinte.

 Explicação


Refiro-me aos bons, que são maioria, para perguntar ao leitor: o que levará um brasileiro a entrar para a PM? É o que me pergunto quando vejo nos telejornais os PMs circulando pelas favelas “pacificadas” ou por pacificar. Dir-se-á que é a necessidade de trabalhar, de ganhar a vida honestamente. Sim, é possível, mas há muitos outros empregos menos perigosos, de remuneração igual ou maior.

Por meio da internet, todo santo dia recebemos vídeos sobre atividades perigosas. É o sujeito que pula de um penhasco para mergulhar no oceano dezenas de metros abaixo, outro que salta de motocicleta sobre uma porção de carros parados lado a lado e mais outro que mergulha para filmar tubarões ferocíssimos: atividades mais que perigosas, que exigem cálculos complicados, treinamento, rendem bom dinheiro e transformam o maluco em celebridade.

Tão ou mais perigosa que a dos aventureiros, é a função do PM para ganhar uma tuta e meia, além de ser malvisto pela sociedade. A mesma sociedade que é a primeira a telefonar para a PM quando se vê em apuros. Se torcedores de futebol resolvem brigar com paus, pedras e barras de ferro, é função da PM impedir que se matem. Se há tiroteios entre traficantes de drogas, é função da PM prender os guerreiros do tráfico. Quando assaltam um banco, ninguém nos chama, a mim e ao leitor: chamam a PM. Ai do policial militar que mate bandidos numa troca de tiros.

Por mais que me esforce, só vejo uma explicação para os brasileiros honestos e trabalhadores que entram para as polícias militares dos diversos estados deste país grande, bobo e violento: vocação para o perigo parecida com aquela que faz o sujeito filmar tubarões, saltar de penedos, motocar num voo sobre uma porção de carros ou caminhões.

 O mundo é uma bola

24 de novembro de 496: eleição do papa Anastácio II. Em 642, eleição do papa Teodoro II. Em 1848, o papa Pio IX fugiu disfarçado para Gaeta, no Reino das Duas Sicílias, pelo risorgimento ou seja lá o que isso tenha significado. Outro que está ameaçado de fugir disfarçado é o papa Francisco, se continuar implicando com os bispos que constroem residências um pouquinho mais caprichadas, como fez com o bispo de Limburgo, o piedoso Franz-Peter Tebartz-van Elst. É muito papa neste mundo que é uma bola. Portanto, é importante lembrar que em 1631 os holandeses incendiaram Olinda. Em 1831, o físico experimental inglês Michael Faraday anunciou a descoberta da lei do eletromagnetismo, que leva o seu nome, também conhecida como Lei da Indução. Em 1859, Darwin publicou A origem das espécies, o que não impediu que até hoje milhões de idiotas continuem acreditando no criacionismo e milhares de gatunos sustentem que o mensalão nunca existiu.

É importante não esquecer que no dia 24 de novembro de 1642 o explorador holandês Abel Tasman descobriu uma ilha que seria batizada, anos depois, em sua homenagem: Tasmânia. Em 1632, nasceu em Amsterdã, de família judaica portuguesa, o filósofo holandês Baruch de Espinoza, fundador do criticismo bíblico moderno. Em 1864, nasceu o pintor francês Toulouse-Lautrec. Em 1897, foi a vez do gângster americano Lucky Luciano. Em 1963, indiciado como assassino do presidente Kennedy, Lee Harvey Oswald foi morto por Jack Ruby.

 Ruminanças


“Renan gostava de abandonar-se sorrindo ao sonho de uma moral científica. Ele tinha uma confiança mais ou menos ilimitada na ciência. Acreditava que ela mudaria o mundo, porque perfura montanhas. Por mim, não creio, como ele, que ela possa divinizar-nos. Para dizer a verdade, não tenho a menor vontade disso” (Anatole France, 1844-1924).

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