terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Livres do olhar alheio

Segundo cientistas dos EUA, as pessoas recorrem aos amuletos da sorte quando precisam executar performances que dependem da aprovação dos outros. Em casos que envolvem a aprendizagem, a superstição é deixada de lado


Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 17/02/2015



Um pé de coelho ou uma roupa especial? Não interessa qual o amuleto, contanto que ele ajude no desafio a ser superado. Uma pesquisa recente publicada na revista Personality and Social Psychology Bulletin mostra que os recursos sobrenaturais são mais usados quando o desempenho da pessoa vai determinar o resultado dela na meta a ser alcançada, sendo que a performance costuma ser julgada pelos outros. Ou seja, o objeto de sorte sempre vem acompanhado da vontade e da necessidade de aprovação.

De acordo com os autores, das universidades de Boston e Tulane, ambas nos Estados Unidos, as pessoas costumam recorrer aos amuletos quando há um alto nível de incerteza e as metas não envolvem aprendizagem. Isso significa que o julgamento alheio, na realidade, é o maior motivador da fé no sobrenatural.

“Algumas estratégias são racionais, como o investir para ter uma aposentadoria estável ou estudar antes de uma prova. Outras estratégias são menos, por exemplo, recorrer à superstição para criar a ilusão de controle sobre resultados incertos”, diferencia o principal autor do estudo, Eric Hamerman, da Universidade de Tulane.

Encaixa-se no primeiro caso o músico que deseja se tornar competente como guitarrista e, por isso, passa horas treinando. Na segunda situação, a estratégia não é focar no aprendizado, mas em um objeto que dê sorte suficiente para o artista arrancar aplausos inflamados do público quando estiver se apresentando. As diferenças, analisam os cientistas, indicam que metas de desempenho tendem a ser motivadas por fatores externos e são percebidas como suscetíveis à influência de forças que não podem ser controladas.

Objetivos de aprendizagem, por outro lado, têm motivação interna, sendo, muitas vezes, encarados com o pensamento de que “o sucesso depende só de mim”. Hamerman e Carey Morewedge chegaram a essas conclusões após realizar uma série de experimentos para testar se o tipo de meta mudaria a probabilidade de um comportamento supersticioso.

Um dos testes examinou a dependência dos amuletos, analisando como as pessoas se relacionavam com itens associados à sorte ou ao azar. Os pesquisadores pediram que voluntários escolhessem um amuleto da sorte antes de perseguir um objetivo. Em um dos casos, os participantes foram informados de que uma caneta traria sucesso porque, em tarefas anteriores, quem a usou obteve resultados mais positivos. As pessoas foram convidadas a classificar a preferência para usar o objeto em duas situações: de desempenho ou de aprendizagem.

Em outro experimento, os autores associaram avatares de videogame com o sucesso ou o fracasso em uma partida. Com isso, puderam observar se os jogadores tinham alguma preferência de imagem ao participar das partidas. Na maior parte dos experimentos, as pessoas mostraram-se supersticiosas quando necessitavam atingir objetivos tanto rápido quanto de longo prazo, mas não quando precisavam concluir uma tarefa de aprendizagem.


Mais confiantes Os autores reforçam que, quando pressionadas pela incerteza — ou seja, se não se sentem confiantes —, as pessoas se apoiam mais na superstição. Por exemplo, a “caneta da sorte” fez mais sucesso do que uma caneta associada à inteligência no teste de desempenho, uma vez que as pessoas não preferiram nenhum amuleto quando precisavam simplesmente estudar.

Hamerman lembra, no entanto, que a pesquisa não investiga se a crença em superstições tem um efeito real sobre o desempenho. Mas mostra, incontestavelmente, que a confiança das pessoas aumenta quando estão munidas com os amuletos. Os autores dizem, entretanto, que o acréscimo na sensação de amparo e segurança pode aumentar as chances de um resultado positivo.

Os rituais supersticiosos costumam ser usados para aumentar a sensação de controle pessoal, fazendo com que os ansiosos sejam um grupo muito afeito à fé. Isso porque, quase como um remédio, essas crenças acalmam temores e tranquilizam. Por outro lado, quando há redução na sensação de ameaça e incerteza, as pessoas se tornam menos inclinadas a recorrer à superstição. A percepção de capacidade, ao contrário, é negativamente associada à crença de que uma força externa é a solução.


Incertezas Para Jennifer Whitson, pesquisadora da Universidade do Texas, os resultados de Hamerman têm fundamento. Segundo ela, emoções que refletem a incerteza sobre o mundo — por exemplo, preocupação, surpresa, medo, esperança — , em comparação com sentimentos simples e bem definidos — raiva, felicidade, repugnância, contentamento— , ativam a necessidade de medidas compensatórias.

Em um estudo semelhante ao de Hamerman, publicado recentemente na revista Journal of Experimental Social Psychology, a autoafirmação eliminou os efeitos das emoções incertas com controles compensatórios relacionados às superstições. “Esses estudos estabelecem uma ligação entre a experiência de emoções e o desejo de estrutura. Emoções incertas ativam uma necessidade de impregnar o mundo com ordem. Elas aumentam a defesa e a crença em conspirações governamentais, por exemplo, e também no paranormal”, diz a pesquisadora, que não participou do trabalho de Hamerman.

Em seus estudos, Whitson observou que a incerteza tem os mesmos aspectos que a falta de controle, embora ambas as emoções sejam conceitualmente distintas. “Nossas pesquisas estabelecem que as duas representam uma construção ampla, que incita a necessidade de estrutura. A incerteza, por si só, é suficiente para conduzir estratégias compensatórias de controle”, analisa a especialista.

 Para essas pessoas, portanto, as superstições são positivas, por as ajudar a lidar com as dificuldades do mundo. “Quando a ansiedade é incapacitante, comportamentos supersticiosos podem ser eficazes por aumentar a autoconfiança e melhorar as expectativas de desempenho”, explica Whitson.

Palavra de especialista

Agnaldo Cuoco Portugal, professor de filosofia da religião da Universidade de Brasília (UnB)
Termo pejorativo
“Os resultados eram esperados, pois o aprendizado, ao contrário do desempenho, é um processo mais interno. A superstição é uma tentativa de controlar elementos incertos, sendo basicamente uma crença falsa, e não fundamentada racionalmente. É importante notar que a superstição não é exatamente religiosa, e as religiões estabelecem essas crenças como algo negativo. Grandes pensadores religiosos da Idade Média entendiam que as superstições eram mais perigosas para a religião do que o ateísmo. Hoje, mesmo vivendo em uma era de grandes processos científicos, a incerteza é parte da vida e nunca vai deixar de ser. Embora a ciência diminua a ignorância, a incerteza fica e a superstição tenta cobrir essa lacuna. Na realidade, o termo superstição é pejorativo e tem carga de valoração negativa de princípios. Entretanto, do ponto de vista psicológico, é importante porque ajuda a combater a ansiedade. Mas, além disso, por oferecer uma reposta à insatisfação humana, aos elementos passageiros, incertos e pouco sólidos.” 

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