domingo, 29 de março de 2015

Amor à distância - Martha Medeiros

O Globo 29/03/2015
“Com tantas solicitações, compromissos, projetos, alternativas e interferências, sobrará tempo para se dedicar a um envolvimento profundo?”

Homens e mulheres têm se deslocado cada vez mais, seja a trabalho, estudo ou aventura. Mesmo quando enfurnados em casa, não param de se comunicar com nativos de outras cidades e de outros países através das redes sociais. Logo, é natural o incremento de parcerias amorosas entre pessoas que residem a quilômetros umas das outras. O par protagonista do filme “Ponte aérea”, que acaba de estrear, é só mais um entre tantos. Ela, interpretada por Letícia Colin, mora em São Paulo, e ele, vivido por Caio Blat, no Rio. Considerando o tamanho do planeta, praticamente vivem a uma esquina de distância.

No entanto, o ótimo e delicado filme de Julia Rezende vai além deste pequeno inconveniente geográfico. O que vemos na tela é o retrato da fragilidade das relações numa era em que todos estão ocupados demais para se entregar a alguém. O casal do filme é jovem, ambos estão em início de carreira, e, segundo a diretora, são representativos de sua geração: fazem mil coisas ao mesmo tempo, atuam em todos os canais e mídias possíveis, querem engolir o mundo, mas morrem de medo de ser engolidos por ele.

Afinal, com tantas solicitações, compromissos, projetos, alternativas e interferências, sobrará tempo para se dedicar a um envolvimento profundo?

Não sei se esta é uma questão só dos jovens. Hoje, entre os avulsos de todas as idades, existe o mesmo pé atrás. Os solteiros que nunca foram casados antipatizam com a ideia de se amarrar a alguém sem antes fazer um test drive em todas as outras opções possíveis — o que levaria umas três vidas, por baixo. E os solteiros que já passaram por uma ou duas uniões estáveis e já viveram seu “eterno enquanto dure” não morrem de amor pela ideia de ter que voltar a prestar contas, negociar, conceder, programar, comprometer-se.

Virou exagero se doar. A ordem agora é se emprestar. Toma aí um pouquinho de mim, mas me devolve.

Resultado? Um sem número de relacionamentos à distância. Os dois sentados à mesma mesa, mas cada um teclando seu smartphone. Os dois saindo de férias, mas cada um para um destino diferente. Os dois com problemas, mas sem disposição para conversar a respeito, já que a ordem é pegar leve. Os dois com muitos planos, mas sem nenhuma intenção de abrir mão do seu sonho em função do sonho do outro. Os dois com dúvidas, mas sem reparti-las para não ter que se explicar muito. Os dois juntos, mas não por inteiro, que nada mais é inteiro, tudo é fragmentado. 

É uma contingência dos novos tempos, o que não impede que a relação evolua. Que deixe de ser um namorico, uma ficada, um rolo, um lance, um caso, uma pegação, uma historinha para, aleluia, virar amor. E amor a gente não empresta, entrega de bandeja. Distância? Que distância? Não importa onde estivermos, será suprimida por uma palavra que não é moderna nem antiga e que sempre nos unificará: vínculo.      

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