domingo, 24 de maio de 2015

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Consumidos pelo excesso

Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 24/05/2015 



A vida anda corrida para a maioria das pessoas. Pelo menos é a impressão que se tem. Interessante, o relógio anda no mesmo compasso. Então, que tipo de vida moderna é essa da pressa, da falta de tempo, da dificuldade de encontrar amigos e sair pra relaxar? Será que virou moda dizer que falta tempo? Dizer que estamos sempre ocupados é valorizar o passe?

Não é só isso. De fato, moramos em grandes cidades, o deslocamento é mais difícil por causa das distâncias e do trânsito geralmente caótico. Tempo é dinheiro! Trabalha-se muito mais. Pra comprar coisas que nem usamos tanto, somos seduzidos pela oferta excessiva . Outro dia, peguei o caderno Divirta-se para ver o que ele trazia sobre o Bairro do Prado. A profusão de bares, restaurantes e pizzarias me surpreendeu.

A semana é curta para tanto trabalho. O fim de semana é curto para tanta oferta. Exposições, cinema, amigos e ainda descansar. O sentimento é de que todo o tempo é pouco para tanto. Não bastassem os aspectos externos que citei, ainda somos dotados da tal da subjetividade. Não estou reclamando... Seria contraditório, afinal, sou psicanalista, vivo disso!

Atentar para o desejo é algo que devemos praticar sempre, senão a demanda te suga inteiro. E não só a demanda externa, os atrativos sociais, culturais, os amigos, malhação, compras e tantas ofertas. Nós também somos cativos da demanda de amor. Por ele, deixamos o desejo de lado. Esse desejo te obriga a fazer cortes, que aliviam, evidentemente, mas para muitos são extremamente difíceis...

Queremos atender o outro para sermos amados. Temos dificuldade em abrir mão dos programas, perder uma coisa ou outra, pois ainda inventaram mais um imperativo categórico para nos torturar: quem não é visto não é lembrado!!! Quem inventou isso deve ser algum publicitário fissurado da propaganda, a serviço de sabe-se lá quais interesses.

Esse imperativo me dá verdadeiro pavor. Se fôssemos atendê-lo, correríamos o risco de ficar tal e qual temia a mãe de uma amiga de adolescência, que dizia: “Não vai sair todo dia, nem ir a todas as festas, senão vai ficar igual a arroz-doce”. Naquela época, isso doía nos nossos ouvidos. Hoje, seria um bálsamo sagrado!!!

É muito bom quando podemos dizer para nós mesmos que neste fim de semana ficamos por conta própria, só vamos fazer o que quisermos, sem compromisso a não ser com o desejo. E ninguém poderá nos corromper com seduções deliciosamente convidativas.

Afinal, se se esquecerem da gente, pegamos o telefone. Nada que um bom papo não resolva, matando saudades e preparando o próximo encontro. Infelizmente, hoje em dia as pessoas perderam a boa educação: convidam e resolvem tudo por WhatsApp!!! Que deselegância um moço chamar uma moça pra sair sem gastar um telefonema... Isso não é de bom agouro. Preservar um pouco dos homens de antigamente não faria mal nenhum – e de mulheres também. Afinal, até para encontros amorosos a pressa é o tom mais comum: sair e ir logo às vias de fato, sem tecer o afeto. Passado o afã da atração, nada resta. A maioria das pessoas se sente exilada e nem sabe dizer por quê!

Na pressa de amar, perde-se o amor, porque amor não obedece a vontades. Ele tem o seu tempo, e, caso não possamos lidar com ele com menos ansiedade, abortam-se as chances.

Viver é difícil de suportar, dizia Freud em O mal-estar na civilização (1927), porque a realidade nos contraria, decepciona, frustra, faz sofrer. E a busca incansável pela felicidade, essa busca que cada um faz a seu modo, produz maior sofrimento. Talvez a correria deste nosso tempo de mil ofertas atenda a um mecanismo de defesa, levando-nos a viver correndo para evitar sentir o que quer que seja.

Estamos sempre em desarmonia no quesito felicidade total. O outro, entre outras fontes de sofrimento, é a maior delas: nunca é o que esperamos. Porque é um chato? Não. É que o desejo é único e intransferível. Talvez por isso devamos ir mais devagar. Não adianta ir com tanta sede ao pote, atropeladamente, sem respeitar o espaço, o tempo e a sensibilidade do outro. Então, tem horas em que o menos vale mais. Mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário