quarta-feira, 20 de maio de 2015

Pega-ratão - Martha Medeiros

Zero Hora 20/05/2015

Outro dia usei uma expressão que andava sumida do meu vocabulário: pega-ratão. De onde saiu isso?
Há quem diga que é o mesmo que uma pegadinha, mas não vejo assim. Pegadinha é uma piada que logo se assume como tal. Alguém envolve você numa situação que parece verdadeira, mas no instante seguinte revela que não era pra valer, estava apenas se divertindo com a sua reação. O objetivo era fazer todos darem risada, uns antes (os que arquitetaram a brincadeira), e depois o pobre do mané ao descobrir a tramoia da qual foi vítima. Qual a saída dele a não ser rir também? Pegadinha é isso, um pega-ratinho.
Pega-ratão, como o superlativo indica, é uma armadilha mais engenhosa e que não é revelada nem antes nem depois: os mentores jamais admitirão que tentaram engambelar. Alegarão que não ousariam cometer essa deselegância conosco, os ratões, pessoas bem-informadas, que pagam ingressos caros para ver um show, para visitar uma exposição e até mesmo para comer um determinado prato num restaurante da moda. Para pegar um ratão, é necessária uma artimanha sofisticada e de preferência amparada pela mídia, que também pode ter entrado de gaiata.
Salvo exceções, considero que instalações artísticas são uma espécie de pega-ratão com um verniz intelectualizado. Se eu estiver sendo muito provinciana, aceito humildemente a crítica e o xingamento, mas o fato é que quase nunca entendo o que significam aquelas latarias, ferragens, cordas caindo do teto e demais materiais inorgânicos (às vezes, orgânicos) promovidos a arte moderna, bastando um holofote jogado em cima.
Restaurante minimalista, com pratos insípidos e minúsculos custando a bagatela de R$ 80: pega-ratão. A recompensa talvez seja a publicação da foto da guloseima no Instagram e o cliente ter o nome publicado na coluna social, o que uma macarronada honesta num restaurante simples não proporcionaria – macarronada sacia sua fome, não seu apetite de status.
Encontros às escuras, anúncios de apartamentos “nobres” em que os quartos são menores do que banheiros, filmes que se anunciam como continuação de um sucesso: tudo pega-ratão. Está passando nos cinemas um tal Divã a 2, cujo cartaz possui a mesma programação visual do filme baseado no meu livro Divã e que teve excelente bilheteria em 2009, com a grande Lilia Cabral liderando o elenco, além de roteiro de Marcelo Saback e direção de José Alvarenga Jr, todos feras. 
Pois, afora esse cartaz enganoso, o filme atual não conta com o mesmo elenco, nem a mesma equipe e não tem nada a ver com meu livro. Por falta de estofo próprio, recorreu à armadilha de colocar um número 2 no título para – nhac! – atrair os desavisados.


Então, esteja avisado. Os ratos estão do outro lado do balcão.

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