domingo, 21 de outubro de 2012

Acerto de cotas




Enquanto Dilma anuncia cotas raciais no funcionalismo público, Globo põe no ar três produções em que personagens negros estão em destaque
Divulgação
Camila Pitanga e Lázaro Ramos, protagonistas de "Lado a Lado"
Camila Pitanga e Lázaro Ramos, protagonistas de "Lado a Lado"
ALBERTO PEREIRA JR.
DE SÃO PAULO

"A carne mais barata do mercado é a carne negra."
Quando Elza Soares tornou famosa a música "A Carne", em 2002, a TV Globo preparava-se para lançar, dois anos depois, "Da Cor do Pecado".
Na época, a emissora fez alarde. "A trama se destacou por apresentar a primeira protagonista negra de uma novela contemporânea e urbana", diz texto ainda hoje no portal Memória Globo.
Oito anos depois, o canal terá simultaneamente no ar três produções cujos personagens negros aparecem não só em grande número mas também em papeis de destaque.
Amanhã, estreia a novela das nove "Salve Jorge", de Glória Perez. Duas semanas depois, a série "Suburbia".
Completa a lista o folhetim das seis, "Lado a Lado", em exibição desde setembro.
A tendência ocorre no momento em que a presidente Dilma Rousseff anuncia cotas para negros no funcionalismo público e que o Ministério da Cultura propõe editais exclusivos para produtores negros. Tudo vem junto da ascensão da classe C, que tem 53% de negros e pardos, segundo o Instituto Datapopular.
"É mais do que coincidência. Seguramente a Globo não arriscaria essa mudança se isso representasse um risco de perda de audiência, ou seja, de faturamento", diz Joel Zito Araújo, diretor do documentário "A Negação do Brasil", sobre o papel do negro na teledramaturgia nacional.
Pelo cálculo do Datapopular -que considera raça a partir de autodeclaração-, os negros movimentam hoje R$ 673 bilhões por ano no país. A renda dos negros que compõem a nova classe média cresceu 123,2% nos últimos dez anos.
"Os papéis de Taís Araújo na TV mostram a mudança da representação do negro. Começou como escrava, foi camelô, depois filha de senador, que afinava o nariz com maquiagem", diz Renato Meirelles, sócio do instituto.

"Daí interpretou uma top internacional com toda a beleza da mulher negra e, em 'Cheias de Charme', fez parte dessa classe C ascendente, com orgulho de sua história."
Ambientada parte no Complexo do Alemão, no Rio, parte na Turquia, "Salve Jorge" acompanhará Morena (Nanda Costa), jovem que será vítima do tráfico de mulheres.
Ao redor da protagonista, pelo menos seis intérpretes negros vão movimentar a novela. Lucy Ramos será Sheila, sua melhor amiga.
Roberta Rodrigues será Vanúbia, rival de Morena, namorada do pai do filho dela. Nando Cunha, Neuza Borges, Mussumzinho e Cris Vianna também integram o elenco.
Na antecessora, "Avenida Brasil", havia apenas dois papeis de relevo para atores negros: Zezé (Cacau Prostásio) e Silas (Ailton Graça).
Em "Lado a Lado", são nove negros em papeis de destaque, entre eles os protagonistas, Camila Pitanga e Lázaro Ramos.
Dirigida por Luiz Fernando Carvalho, a minissérie "Suburbia" mostrará, por meio de Conceição (Erika Januza), o negro e o subúrbio. Cerca de 90% do elenco é formado por atores negros. "Não será só a criminalidade, mas a música, a cultura, a religião, o trabalho. A vida sem estereótipos", diz Paulo Lins.
Autor de "Cidade de Deus", livro que inspirou o filme de Fernando Meirelles, ele é coautor da série. negro, defende o projeto de editais do MinC.
"A Globo criou cota voluntariamente porque sentiu emergência e força social", argumenta Joel Zito Araújo.
Procurada, a Globo diz que não divide elenco por cor da pele e que a escalação é por compatibilidade artística.

'Temos de seguir em frente', diz Taís Araújo
DE SÃO PAULO

Atriz há 17 anos, Taís Araújo, 33, fala da evolução do negro na TV. (APJ)
Folha - A TV tem aberto mais espaço para o negro?
*Taís Araújo - Sim e é uma conquista que vem da história do movimento negro. De atores como Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Léa Garcia etc.
Também existe um interesse comercial?
Claro. Você ligava a TV e era uma enxurrada de pessoas que não pareciam conosco. A publicidade e a dramaturgia estão respeitando a classe C como consumidora, e o consumidor quer se ver mais.
Como vê a evolução do negro na teledramaturgia?
Conseguimos papéis importantes, mas existia o pudor do politicamente correto. Em 'A Favorita', o João Emanuel Carneiro rompeu com isso. Precisamos de liberdade artística.
Já sofreu preconceito?
Sim, na TV Manchete. Fiz teste para 'Tocaia Grandre', passei, mas antes de começar a gravar, o diretor me trocou de papel, porque 'ele não podia ser de uma negra. Era importante na história'. A personagem era uma baiana...
Como vê o plano de editais para produtores negros?
Temos poucos roteiristas e diretores negros. A classe C crescendo, vai estudar. A maioria é negra, daí podem vir escritores.
E ser a primeira protagonista negra em novela das 21h?
Quando acabou 'Viver a Vida', não queria mais ser primeira em nada. Cansei. É uma besteira, não é para comemorar. Temos de seguir em frente, trabalhar.


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