terça-feira, 30 de outubro de 2012

Maria Esther Maciel - A arte da recusa‏

ESTADO DE MINAS - 30/10/2012

A recusa de prêmios literários inclui nomes relevantes 

Maria Esther Maciel

Há escritores que escrevem livros para ganhar prêmios. Há os que ganham prêmios sem que os mereçam de fato. Há os que, apesar de merecer todos os prêmios, nunca receberam nenhum. E há também, é claro, os que os ganham por merecimento. Uns poucos, porém, se recusam a receber os prêmios que lhe são dados, seja por achar que não os merecem, seja por princípio ético ou motivações de foro íntimo.

Na semana passada, houve a recusa de um prêmio importante por parte do escritor espanhol Javier Marías. Contemplado com o Prêmio Nacional de Narrativa 2012, concedido pelo Ministério da Cultura da Espanha, o autor do romance Os enamoramentos – recentemente publicado no Brasil – não demorou a anunciar sua decisão de não receber o prêmio no valor de 20 mil euros. O motivo? Ele não aceita prêmios institucionais que envolvam dinheiro público. Sem dúvida, um ato de ousadia e de coragem nestes tempos em que dinheiro e prestígio falam mais alto do que qualquer outra coisa. Além disso, pode ser interpretado como um gesto político de solidariedade ao povo espanhol, que tem vivido tempos difíceis por causa da grave crise econômica que assola o país.

Outro ato de recusa recente de um prêmio literário estatal ocorreu em setembro. Foi da escritora portuguesa Maria Teresa Horta, poeta e romancista já veterana nas letras lusófonas. Com seu alentado, e, dizem que maravilhoso, romance histórico As luzes de Leonor, que trata da vida da marquesa de Alorna, venceu o Prêmio D. Dinis 2012, mas se recusou a recebê-lo. Sua justificativa foi mais ou menos semelhante à de Javier Marías, ainda que mais direcionada: ela não aceitou receber o prêmio das mãos do primeiro-ministro português, Passos Coelho, por considerar que não podia ser premiada por “uma pessoa que está empenhada em destruir” Portugal. Isso, referindo-se às medidas de austeridade econômico-sociais que têm penalizado os portugueses nos últimos tempos para tentar salvar a economia europeia.

A recusa de prêmios literários inclui outros nomes relevantes, como o de Sartre, que, em 1964, não quis receber o Prêmio Nobel por rechaçar qualquer distinção em relação aos outros homens. O angolano Luandino Vieira, por sua vez, recusou um dos mais prestigiosos prêmios de língua portuguesa, o Prêmio Camões, por achar que não merecia tal honraria. Quem já leu seus romances, entretanto, nunca pôde entender esse gesto, ocorrido em 2006.

Em matéria de prêmios e premiados, outro caso interessante foi o de Fernando Vallejo, romancista colombiano radicado no México. Por duas vezes ele recebeu prêmios respeitados da literatura latino-americana. O primeiro foi o prêmio venezuelano Rómulo Gallegos, de 2003, no valor de 100 mil dólares. O segundo, o Prêmio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara 2011, de 150 mil dólares. Ele não recusou nenhum deles, mas resolveu doar os dois para as sociedades protetoras de animais da Venezuela e do México, respectivamente. Sua alegação: “Os animais são o amor de minha vida”. Sabe-se que ele sempre se preocupou com os cães de rua e outros animais maltratados.

Enquanto isso, no Brasil, um dos prêmios mais cobiçados do país, o Jabuti, anda desacreditado. E ninguém, até hoje, teve coragem de recusá-lo
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