quarta-feira, 28 de novembro de 2012

CIÊNCIA » Seca subterrânea - Roberta Machado‏

Reservas de água do subsolo podem entrar em colapso, em função das mudanças no clima. No Catar, debates convergem para prorrogar acordo 

Roberta Machado
Estado de Minas: 28/11/2012 

Brasília – Sob a terra sólida, corre a maior reserva de água potável líquida do mundo, um verdadeiro tesouro cobiçado, principalmente, por agricultores. Todos os dias, milhões de litros são drenados do solo para a produção de alimentos em todo o planeta, um método prático e barato, mas que começa a cobrar seu preço. Um artigo publicado na revista Nature Geoscience alerta para a possibilidade da perda permanente de algumas dessas fontes, motivada pela falta de planejamento na exploração dos aquíferos combinada com os efeitos da mudança climática. O tema do estudo é um dos focos de discussão em Doha, no Catar, sede da conferência das partes da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas, a COP-18, iniciada segunda-feira.


Ontem, apareceram os primeiros sinais de tensão na conferência da ONU, com delegados de nações insulares e da África censurando países ricos pela recusa em oferecer novos cortes na emissão de gases nos próximos oito anos. “Se as nações ricas têm os meios financeiros, têm a tecnologia, têm a população estável, já têm uma grande classe média, se esses países pensam que não conseguem reduzir e trabalhar para combater a mudança climática, como poderão eles algum dia pensar que as nações em desenvolvimento poderão fazê-lo?”, questionou André Correa do Lago, diretor do Departamento de Assuntos Ambientais do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, em apoio às reivindicações dessas nações.
Segundo os pesquisadores do artigo sobre a seca subterrânea, pensar na sustentabilidade a longo prazo, ou seja, na garantia de recursos naturais para as gerações futuras, é essencial. “Uma ação urgente é necessária para estabilizar os níveis nessas regiões e garantir a produção de alimentos. Em alguns locais, os níveis de água estão muito baixos, sendo insuficientes para a irrigação. Isso pode causar um impacto na produção da agricultura e no mercado de alimentos”, avisa o alemão Werner Aeschbach-Hertig, um dos responsáveis pela análise. De acordo com a publicação, cerca de 90% de toda a água usada no mundo têm como destino as plantações irrigadas, responsáveis por 40% da produção global de comida.


A falta de equilíbrio no sistema causa prejuízo na vegetação das regiões exploradas e ainda influencia no aumento do nível dos oceanos. A redução do volume no subterrâneo ainda pode induzir o fluxo do líquido, que sofre um processo de salinização e poluição, com o deslocamento para outras áreas. 
Isso ocorre, de acordo com o especialista, porque a recuperação dessas fontes costuma ser mais lenta que a velocidade de extração. A conta, no entanto, é mais complicada: a interferência em um aquífero muda o ritmo de produção de água, criando um equilíbrio dinâmico e difícil de ser mantido. Parte da água usada na irrigação também retorna à terra pela evapotranspiração, mas esse processo não pode ser medido com precisão.


Estima-se que cerca de 1,5 trilhão de litros de água sejam retirados do solo todos os anos. O volume representa somente um décimo do volume produzido pelo planeta no mesmo período. Parece pouco, mas, mesmo que a exploração retire apenas uma fração do que é criado, a concentração dos poços em determinadas regiões põe em risco todo o sistema. Um aquífero pode levar horas ou anos para voltar ao seu salto de água original, mas, se o dano for muito profundo, é possível que ele nunca volte ao normal, e aquela fonte seja perdida.

Problema global O perigo, ressalta Aeschbach-Hertig, é para todos. Contudo, o esgotamento do aquífero atinge áreas semiáridas e úmidas de uma forma mais intensa do que regiões carentes de água. Isso ocorre porque a exploração acaba influenciando mais que os fatores climáticos. Entre os locais com depósitos mais afetados está o nordeste da China, o oeste dos Estados Unidos, o norte da África e países como México, Irã e Arábia Saudita.


São locais prejudicados pela alta concentração da exploração, como as grandes planícies norte-americanas, onde um terço de todo o consumo do recurso se reúne em apenas 4% da região. Mesmo procurando seguir um ritmo constante e seguro de extração, muitos agricultores levaram à extinção de aquíferos e à degradação ecológica.


O ponto mais prejudicado pela extração desenfreada é a Planície Indo-Gangética, que inclui partes do Paquistão, o norte da Índia e Bangladesh. Mais de 1 bilhão de pessoas vivem na região. O problema teve início nos anos 1970, quando a tecnologia permitiu que os agricultores abandonassem a exploração dos rios e criassem milhões de poços que funcionam sem qualquer regulação. “Um bom exemplo de mau gerenciamento é o fato de que fazendeiros podem obter eletricidade apenas bombeando água a preços muito baixos. Embora isso ajude a melhorar suas vidas, tem um efeito ruim nos reservatórios”, diz  o pesquisador.

Brasil No Brasil, os níveis de exploração permanecem relativamente baixos, devido ao clima úmido da maior parte do território e à alta oferta de água superficial. Mas a má gestão dos recursos naturais pode colocar em risco essa abundância. “Somos, infelizmente, uma população mal-educada, com um histórico de desperdício”, lamenta Gustavo Souto Maior, professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB). De acordo com o engenheiro, além do uso consciente da água, é necessária uma regulação rígida sobre a criação e exploração de poços artesianos no país. “São milhares de poços abertos sem o menor controle por parte do poder público. Esse controle tem de ser feito não somente pela quantidade de água retirada, mas também pela qualidade da água, pois muitos poços são abertos em locais inapropriados, como próximo a áreas com esgoto”, diz. A falta de controle é uma questão mundial, o que torna difícil medir a dimensão do problema. Sem supervisão de agências reguladoras, muitos produtores de diversos países recorrem a soluções técnicas que buscam aumentar a eficiência da irrigação e até mesmo repor a água retirada, mas essas estratégias não são suficientes.

* DEBATES ACIRRADOS EM DOHA 
O debate no segundo dia das negociações entre os 194 países membros da ONU ficou centrado principalmente no Protocolo de Kyoto, acordo firmado em 1997 que expira no mês que vem. Os países esperam negociar uma extensão do protocolo para até pelo menos 2020, mas alguns países, como Japão e Canadá, afirmam que não vão participar de um novo acordo. “É por isso que Kyoto tem que ser mantido vivo. É o pilar. Se for tirado, nós teremos o que as pessoas chamam de Velho Oeste. Todo mundo vai fazer o que quiser”, acrescentou o emabaixador André Corrêa do Lago. 


“Na nossa visão, essas ações são uma abdicação de responsabilidade com os mais vulneráveis entre nós”, disse a líder de uma coalizão de países insulares, Marlene Moses. A previsão é que o novo pacto, que antes incluía todas as nações industrializadas menos os Estados Unidos, integre apenas a União Europeia (UE), a Austrália e outras pequenas nações que juntas representam 15% das emissões de gases do efeito estufa, conforme mostrou o EM ontem. O Japão alega que é melhor participar de um novo acordo, em 2015, que reúna todas as nações do mundo para impedir que o aumento da temperatura global passe de 2ºC em relação ao período anterior à revolução industrial.

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