terça-feira, 20 de novembro de 2012

Cirurgia bariátrica aos 16 anos - Márcia Maria Cruz‏

Alteração da idade mínima para operação, discutida durante evento, deixa médicos em alerta. Eles temem que a medida possa aumentar fila de espera, que cresceu 200% em oito anos 

Márcia Maria Cruz
Estadode Minas: 20/11/2012 

A mudança na idade mínima para a realização da cirurgia bariátrica metabólica, de 18 para 16 anos, foi vista com cautela por médicos que participaram do 14º Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e do 4º Congresso Pan-Americano para Tratamento do Diabetes Mellitus Tipo 2: Alternativas Clínicas e Cirúrgicas, realizados no mês passado, em Maceió (AL). A alteração na idade mínima foi apontada em consulta pública e deverá se transformar em portaria do Ministério da Saúde até o fim do ano. Os especialistas temem que a medida aumente ainda mais a fila para a realização do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Alguns pacientes podem ficar até 10 anos aguardando o procedimento na rede pública. Em contrapartida, médicos defenderam o uso, no sistema público, da videolaparoscopia, técnica cirúrgica minimamente invasiva, que desde agosto passou a figurar no rol de procedimentos da rede particular mas ainda não está disponível no SUS. A videolaparoscopia pode ser empregada nas quatro modalidades da bariátrica: bypass gástrico, banda gástrica ajustável, as derivações bíleo-pancreáticas (duodenal switch e scopinaro) e a gastrectomia vertical, , conforme mostrou ontem a primeira reportagem do Estado de Minas sobre o tema.

De acordo com o Ministério da Saúde (MS), o número de cirurgias para redução do estômago saltou de 1.773 em 2003 para 5.332 em 2011, ou seja, um aumento de 200%. Os recursos para esses procedimentos também cresceram. Passaram de R$ 5,7 milhões em 2003 para R$ 30 milhões em 2011. Nos três primeiros meses deste ano, foram realizadas 1.276 cirurgias, sendo gastos R$ 7 milhões.

O sedentarismo e os maus hábitos alimentares têm contribuído para o aumento no número de pessoas que estão acima do peso, o que é verificado com o índice de massa corporal (IMC) entre 25,1kg/m2 e 29,9kg/m2. De acordo com dados divulgados pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), quase metade da população brasileira está acima do peso. O percentual passou de 42,7% em 2006 para 48,5% em 2011. No mesmo período, a proporção de obesos subiu de 11,4% para 15,8%. Dados do Ministério da Saúde mostram que Belo Horizonte tem 45,3% de sua população com excesso de peso e 14,2% classificada como obesa. 
A obesidade é uma doença que se caracteriza pelo acúmulo de gordura corporal, levando a um aumento de peso superior a 25% do ideal, o que aumenta a frequência de comorbidades (doenças relacionadas, como hipertensão e diabetes) e, consequentemente, do risco de mortalidade. É considerado obeso o indivíduo com IMC superior a 30kg/m2. Quando ultrapassa 40kg/m2, a pessoa se torna obesa mórbida (veja quadro). A preocupação com a obesidade, que já é vista como epidemia, aumenta principalmente entre jovens.

Frente ao crescente número de obesos, o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Almino Cardoso Ramos, lembra que a prioridade é a melhoria nas condições na rede pública, que atualmente não dá conta de atender a demanda. “A oferta do SUS é muito aquém da necessária. Em Belo Horizonte, dois hospitais fazem a cirurgia pela rede pública, realizando média de duas operações por mês. No serviço privado, fazemos até quatro por dia”, informa o cirurgião geral Marcelo Girundi, que integra equipe dos hospitais Mater Dei, São Francisco e Lifecenter, todos em BH. Para ele, a redução na idade não é a solução para a epidemia de obesidade no Brasil. “Não resolvemos ainda nem o problema de quem está aguardando na fila. O que vai ocorrer é que a pessoa vai entrar mais cedo na fila, o que não é solução, pois não há fluxo”, diz.

Durante o congresso, o coordenador de Média e Alta Complexidade do Ministério da Saúde, José Eduardo Fogolin Passos, reiterou a intenção de aumentar o número de cirurgias bariátricas e metabólicas via SUS. Atualmente são cerca de 5 mil operações por ano. José Eduardo acrescentou que o novo modelo em análise deverá garantir aos obesos mais um tipo de operação plástica reparadora pós-operatória (circunferência abdominal) e assistência multiprofissional depois da operação. Ainda será dada prioridade a quem tem maior risco à saúde e doenças associadas, como o diabetes tipo 2. Também será garantido o retorno dos pacientes operados para o acompanhamento na atenção especializada ambulatorial e atenção básica.

O MS reafirmou a intenção de, além da redução da idade mínima, oferecer a cobertura da gastrectomia vertical – uma das quatro modalidades de cirurgia bariátrica realizadas no Brasil que caracteriza-se pela transformação do estômago em um tubo com capacidade de 80 a 100ml – e tornar obrigatória a realização de cinco exames pré-operatórios: esofagogastroduodenoscopia, ultrassonografia de abdome total, ecocardiografia transtorácica, ultrassonografia doppler colorida e prova de função pulmonar completa com broncodilatador.

Almino Ramos ressaltou os benefícios da inclusão da videolaparoscopia nas cirurgias da rede pública. Menos invasivo, o método reduz o tempo da cirurgia, bem como possibilita recuperação mais rápida no pós-operatório. “É um pouco mais cara. No entanto, quando se pensa o tratamento como um todo a videolaparoscopia e a cirurgia aberta ficam praticamente empatadas”, defende. A diferença se explica porque, embora o custo da cirurgia aberta seja 70% da videolaparoscopia, os gastos com o pós-operatório são mais altos no método tradicional. 

O ministério informou que as mudanças propostas para a cirurgia bariátrica foram apontadas em consulta pública, realizada entre setembro e outubro. Antes de virar uma portaria, terão que ser apresentadas e aprovadas na comissão que tem representação dos estados, municípios e União, cuja reunião está agenda para dezembro. De acordo com a SBCBM, a operação bariátrica é muito segura em qualquer idade, quando bem indicada e realizada por equipes (multidisciplinares) experientes.

Aspecto psicológico não é consenso

A substituição da compulsão por alimento por sexo, álcool, jogos e até internet é um dos temas mais polêmicos entre os especialistas que tratam da obesidade. De acordo com o presidente da Comissão de Especialidades Associadas (Coesas), da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, o psiquiatra Adriano Segal, o percentual de pessoas que desenvolvem outras dependências é pequeno, cerca de 5%. 

Durante o Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, psiquiatras, psicólogos e outros profissionais de saúde discutiram os aspectos psicológicos relacionados à cirurgia bariátrica. “Para quem sai de um momento de privação existencial, dar uma ‘abusadinha’ é normal. Passa a ser patológico quando se transforma em um comportamento contínuo”, diz Segal. 

Como a cirurgia traz mudanças físicas a ponto de o paciente não se reconhecer e também requer a aquisição de novos hábitos alimentares, até bem pouco tempo era necessário fazer uma preparação pré-operatória que poderia durar mais de um ano, em alguns casos. “Não há comprovação científica de que fazer longos preparos melhore o resultado”, afirma Segal. 

A maior parte dos pacientes, mesmo depois da redução do estômago, continua com dificuldade para manter uma dieta saudável. Por essa razão, o acompanhamento multidisciplinar, feito por equipe formada por médicos, nutricionistas e psicólogos, é essencial para que a pessoa não volte a ganhar peso ou desenvolva outros distúrbios. 

Os pacientes terão que fazer por toda a vida suplementação com cálcio, vitamina A e ferro, entre outros nutrientes cuja absorção fica comprometida devido à mudança no trajeto do alimento causada pela cirurgia. Os especialistas estudam se os pacientes podem, depois da cirurgia, passar a sofrer da síndrome de deficiência de recompensa ,que se caracteriza pela ausência de substâncias no cérebro que leva o indivíduo a buscar, por meios de estímulos externos, a ativação do centro de prazer de forma recorrente.

 ÁLCOOL O alcoolismo é apontado como uma das complicações da cirurgia. O psiquiatra explica que entre os pacientes obesos que vão fazer a cirurgia, de 12% a 13% sofrem de alcoolismo. Depois da cirurgia, há um incremento de dois pontos percentuais, passando para 15%. 

“O número não é muito diferente da prevalência do alcoolismo na população de forma geral”, afirma Adriano. A psicóloga Alessandra Dias Mattar, da equipe Clínica LEV, de Uberlândia, reforça a importância do acompanhamento multidisciplinar por dois anos. Segundo ela, os problemas mais comuns depois da cirurgia são alcoolismo e compulsão por compras. 

Adriano Segal lembra que, quando feita com acompanhamento de equipe multidisciplinar, a intervenção cirúrgica não traz complicações. No entanto, apesar do avanço nas técnicas, ele condena o uso da cirurgia bariátrica como opção de tratamento estético para pessoas que não conseguem perder peso de forma convencional, por meio de dietas e prática de exercícios físicos.

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