terça-feira, 20 de novembro de 2012

O fim da história da arte


Lorenzo Mammì e Tadeu Chiarelli lançam livros e falam sobre derrocada das vanguardas estéticas 

SILAS MARTÍ
 DE SÃO PAULO

Dois dos críticos de arte mais influentes do país, Lorenzo Mammì e Tadeu Chiarelli, lançam ao mesmo tempo coletâneas de textos que analisam o estado atual das artes visuais no Brasil e no mundo. Em seus argumentos, ambos parecem concordar que as artes plásticas chegaram a uma espécie de vale-tudo, um momento de experimentalismo exacerbado que veio depois do fim das grandes escolas e vanguardas.


"Não há mais movimentos de transformação da linguagem artística", sentencia Mammì, que lança "O Que Resta", pela Companhia das Letras. "O que a gente conhece como arte contemporânea poderia ter se encerrado nos anos 1990." Segundo o crítico e professor da USP, o que restou para a arte hoje é a "função fundamental" de "criar estranhezas".


Também professor da USP e diretor do Museu de Arte Contemporânea da universidade, Tadeu Chiarelli vê um momento de "incerteza e tensão" nas artes visuais. "É o fim de um determinado relato, de uma compreensão do que deveria ser arte."


Para ele, esse estado de ruptura vem desde a Semana de 1922. Em "Um Modernismo que Veio Depois", que sai pela editora Alameda, Chiarelli defende que os modernistas brasileiros estavam mais alinhados a um projeto conservador do que a ideais vanguardistas. Também faz críticas ao mercado e argumenta que a crítica de arte sumiu da imprensa e hoje se restringe ao meio acadêmico.


'As grandes narrativas foram por água abaixo'


Lorenzo Mammì vê fim do radicalismo na arte 
DE SÃO PAULO

Leia abaixo trechos da entrevista com Lorenzo Mammì.


Folha - Depois das vanguardas do século 20, como o sr. vê o estado atual das artes visuais?
Lorenzo Mammì - Não há mais grandes movimentos de transformação da linguagem artística. Hoje, artistas usam vários meios para encontrar espaços, nichos de experiência estética que ainda são possíveis. O que não há mais na arte contemporânea é a utopia de transformação que havia até os anos 1970.
Eu diria que a arte povera e a arte conceitual foram os últimos grandes movimentos. O que a gente chama de arte contemporânea poderia ter se encerrado nos anos 1990.


Qual seria então a característica marcante da arte feita hoje?
O que me parece mais forte agora é a busca de um embate pessoal com o mundo. Os artistas não estão preocupados com a história da arte. Uma característica dos últimos anos é essa busca de experiência real mais do que uma relação com a história. É o que sobrou, é um risco pessoal nas relações com o mundo.
Como não temos mais uma perspectiva de transformação radical, não temos um problema a ser superado.


Arte hoje ainda é relevante?
Ela é mais necessária hoje do que em outros momentos. Vivemos num fluxo puro de informações. Então, o que resta nesse momento em que as grandes narrativas foram por água abaixo é essa função da arte de criar estranhezas, o que já é uma função fundamental nesses tempos de discursos homogeneizados.


Que tipo de estranheza é essa?
Artistas como o William Kentridge, difíceis de classificar. Não é autobiográfico nem intimista, mas busca uma experiência pessoal.
Em alguns casos, é algo espalhafatoso como Anish Kapoor ou Olafur Eliasson, que criou um sol no meio da Tate Modern, algo com impacto sensível muito forte. Não precisa de uma narrativa. É uma arte que é pura evidência.


O QUE RESTA
AUTOR Lorenzo Mammì
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 59,50 (416 págs.)



 'Há obras que viraram hoje itens da Oscar Freire'


Mercado tem efeito nocivo, diz Chiarelli 
DE SÃO PAULO

Leia abaixo trechos da entrevista com Tadeu Chiarelli.
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Folha - O sr. acredita que acabaram os grandes movimentos na história da arte?
Tadeu Chiarelli - O que acabou foi uma certa narrativa do que era arte. É o fim de um relato, uma compreensão do que deveria ser arte; daí essa tensão e incerteza. Havia uma submissão da arte à história. Isso acabou, e essa foi uma contribuição dos artistas.


Como vê a produção atual?
Hoje fica mais difícil para a crítica determinar uma única linha, é mais visível uma pluralidade. É muito difícil forjar uma narrativa, já que não há mais uma única vertente. Todos os agrupamentos de artistas hoje são muito voláteis.
O que temos agora são formulações apontando para vários lugares. Daí a dificuldade da crítica em produzir critérios para a avaliação dessa arte. Cada produção elege os critérios que servirão para seu julgamento crítico.


A crítica de arte perdeu força?
Houve um certo confinamento do debate crítico para a universidade. A crítica deixou de interessar aos órgãos de comunicação e foi se afastando. Hoje, o crítico só é convidado para escrever em catálogos; então, se ele não gosta do artista, não vai aceitar escrever ou vai assumir certos discursos só porque precisa disso para viver.
Na universidade, mesmo com todos os problemas, pelo menos há um diálogo. A universidade está criando um espaço de resistência para o debate crítico. É um lugar menos confortável para o artista, já que não o abraça sem grandes questionamentos.


A força do mercado prejudica os discursos artísticos?
Há uma produção subserviente ao mercado. Surgiu um universo equivocado, de artistas produzindo obras desconectadas, seguindo ideias já superadas. Há obras que viraram espécies de itens da Oscar Freire da arte, tipo Prada ou Yves Saint-Laurent.


UM MODERNISMO QUE VEIO DEPOIS
AUTOR Tadeu Chiarelli
EDITORA Alameda
QUANTO R$ 69 (296 págs.) 

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