segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Desafios para 'decifrar' a droga começam antes do laboratório - Tarso Araújo


ANÁLISE
Na Europa, os testes usam milhares de amostras, colhidas regularmente ao longo do ano
TARSO ARAUJOESPECIAL PARA A FOLHAEm 2002, o czar antidrogas norte-americano, John Walters, disse ao "Washington Post" que "a maconha de hoje é diferente daquela de uma geração atrás, com potência 10 a 20 vezes mais forte". Desde então, esse argumento alarmista tem sido usado com frequência nos debates.
Ora, nenhum traficante quer vender maconha fraca. Logo, é previsível que o plantio se profissionalize. Assim como buscam tulipas de novas cores e raças de cão mais fortes, quem cultiva Cannabis quer mais THC, o principal psicoativo da planta. Hoje, para fazer isso, há luzes e métodos modernos, sementes selecionadas em décadas de cruzamentos. Tudo na internet.
Mas é pequena a chance de camponeses do Paraguai usarem essa tecnologia na produção massiva de maconha. O que fazem é o tal "prensado", e a prova de que ele não está tão potente assim é visível a olho nu: ele tem sementes. Maconha com muito THC raramente tem sementes, porque, para fabricá-las, a planta usa a energia que precisa para fazer a molécula psicoativa.
No Brasil, só se faz maconha de "altos teores" em pequenas plantações caseiras. Esse cultivo "indoor" até tem crescido no país, por causa de usuários que não querem bancar o tráfico, mas sua produção é irrelevante.
Logo, é preciso cautela na comparação dos resultados dos testes de 2006/2007 e 2012. Por mais corretas que sejam as análises químicas, a dosagem de THC tem desafios que começam bem antes do laboratório.
Um fator crucial para medições confiáveis é ter uma amostragem representativa. Para medir a intenção de voto em São Paulo com algum valor estatístico, não basta entrevistar uns 50 cidadãos em Higienópolis.
No caso da maconha: o THC se decompõe rapidamente exposto à luz e ao ar. Se a pesquisa de 2006/2007 usou uma droga colhida há meses, apreendida em "trouxinhas" ou "baseados", sua baixa potência pode ser mera consequência da má conservação. Se a de 2012 usou amostras novas, lacradas, o THC estava bem preservado.
Na Europa, onde se quantifica THC desde a década de 1990, os testes usam milhares de amostras, colhidas regularmente ao longo do ano, de várias fontes, para garantir representatividade.
É preciso ter esse cuidado aqui, antes de disparar o alarme. E fazer testes todo ano, de modo padronizado. Não nos faltam bons peritos, apenas verba e vontade política.

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