quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sensibilidade vermelha - Rebeca Ramos‏

Ruivos têm mais chance de desenvolver melanoma, um dos tipos agressivos do câncer de pele, diz estudo 

Rebeca Ramos
ESTADO DE MINAS: 01/11/2012 

Com cabelo vermelho, sardas e aquela eterna cara de sapeca, os ruivos sabem muito bem que precisam tomar cuidado com o excesso de sol, devido à pele clara e sensível. Uma nova pesquisa, contudo, indica que a atenção das pessoas com esse fenótipo deve ser redobrada quando o assunto é câncer. De acordo com pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, por conta de um tipo de melanina específico, a feomelanina, pigmento presente na pele e nos cabelos claros e vermelhos, elas têm mais chances de desenvolver melanomas. E o risco existe mesmo quando a exposição à radiação solar é controlada.

Segundo o dermatologista David E. Fisher, um dos autores do estudo, publicado na edição de hoje da revista Nature, o grupo de cientistas envolvidos descobriu que o pigmento vermelho nessas pessoas tem uma capacidade de promover a formação de melanoma, mesmo na ausência de exposição aos raios ultravioleta (UV). Para chegar a esse resultado eles estudaram ratos em laboratório que foram modificados para apresentar fenótipos semelhantes aos dos homens, com pelos pretos, brancos e avermelhados. 

Depois de uma série de procedimentos, notou-se que os animais ruivos tendiam a desenvolver mais o câncer mesmo com baixa exposição à radiação (veja arte). “Esse foi um resultado surpreendente para nós, porque esperávamos que o melanoma surgisse devido à fraca proteção solar e aos raios UV. No entanto, os resultados sugerem que mesmo sem exposição, o pigmento contribui para esse tipo de câncer de pele”, explica. 

O melanoma maligno (MelMal) é resultado da replicação desordenada dos melanócitos, células da pele que contêm melanina, pigmento que protege contra a radiação solar (UVB). “Embora o melanoma seja menos comum, ele é o mais agressivo e de maior mortalidade, devido à sua disseminação precoce, tanto sanguínea quanto linfática, levando a metástases a órgãos como fígado, pulmões e cérebro”, diz o oncologista Sérgio Renato Pais-Costa.

Mesmo sendo menos comum, a doença tem sua incidência aumentada a cada ano. Nos Estados Unidos, calcula-se que uma em cada 74 pessoas apresente melanomas. As autoridades do país estimam que em 2012 haverá no país 68.780 casos diagnosticados, que levarão a 10.710 mortes. “Muito tem se discutido em relação à origem da doença, principalmente sobre a irradiação solar e o fenótipo. A frequência de melanoma em pessoas de pele branca, cabelos e olhos claros é 10 vezes maior do que em negros e pelo menos sete vezes mais alta do que em hispânicos”, afirma Pais-Costa.

Gene Os resultados da pesquisa norte-americana contrariam a ideia de que todos os melanomas estão relacionados à exposição ao sol. Claro que a radiação pode ser um fator, mas não é a única causa. Pais-Costa explica que há dois tipos de melanina: a eumelanina (presente na pele escura e capaz de proporcionar maior proteção contra os raios UVB) e feomelanina (encontrada na pele clara e com menor capacidade protetora). Ambas são produzidas pelos melanócitos e estão associadas a um hormônio estimulador de melanócitos que se liga a uma proteína. “Mais recentemente, como em outros tumores malignos, a predisposição genética tem sido exaustivamente estudada. Notadamente, há associações com o gene B-RAF, proteína importante na sinalização celular que regula a proliferação, diferenciação e manutenção da sobrevida celular”, conta o brasileiro, que não participou do estudo.

Essa mutação ocorre entre 60% e 70% dos melanomas. A proteína B-RAF tem papel fundamental na proteção contra a progressão da doença em estágios iniciais. Acredita-se que o dano ao DNA e a mutação contribuam para a formação da doença, mas não se sabe ainda como esse mecanismo atua mesmo na ausência de exposição à radiação UV. É um ponto a ser melhor esclarecido, segundo David E. Fisher. “O pigmento, por meio de uma via química, parece produzir espécies reativas de oxigênio que danificam o DNA nas células da pele”, descreve o americano.

A partir das constatações, o dermatologista de Massachusetts destaca que a mensagem mais importante para as pessoas ruivas e de pele mais clara é que a proteção contra os raios UV é, sim, muito importante, mas é preciso também o acompanhamento constante de um dermatologista. “Essas pessoas devem prestar atenção à pele e procurar sempre um médico para verificar alterações suspeitas, mesmo que tenham sido cuidadosas com a exposição solar”, aconselha.

Disciplina As precauções exigem disciplina, algo que nem sempre é fácil manter. O servidor público Alex Bravim, mesmo tendo caso de melanoma na família – o avô teve a doença –, não se cuida como deveria, como ele mesmo admite. “Sei da importância de passar protetor solar, mas acabo esquecendo. Sempre sinto minha pele arder, mesmo não me expondo ao sol”, conta. Bravim relata que o rosto, cheio de sardas, sempre apresenta vermelhidão, principalmente o nariz. “Só uso proteção quando vou à praia e à piscina, mas vou tomar mais cuidado”, promete.
Para o oncologista Nilson Castro, a descoberta é relevante, partindo do princípio de que as alterações de risco verificadas nos ratos são de fenótipo análogo (correspondente) ao de humanos, com pele clara e cabelos vermelhos. “A partir da descoberta, no futuro talvez sejam desenvolvidos e aperfeiçoados compostos tópicos que induzam a síntese de eumelanina e a administração oral de antioxidantes, o que pode diminuir o risco de melanoma nos ruivos”, vislumbra. 

Essa população de risco, ele considera, tem que fazer uma checagem dermatológica com maior frequência e evitar a exposição ao sol. David E. Fisher conta que o próximo passo da pesquisa será pesquisar formas de bloquear esse mecanismo de dano ao DNA nos ruivos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário