quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Somos exemplo no combate ao fumo - Marcela Ulhoa

Estudo indica que, com a diversidade de políticas de controle do tabagismo, Brasil reduziu número de fumantes 

Marcela Ulhoa
Estado de Minas: 07/11/2012 

O Brasil é um caso de sucesso na luta contra o tabagismo. A constatação veio de um estudo realizado em parceria entre a Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, e divulgado na edição de ontem da revista PLos Medicine. A partir da aplicação do modelo matemático SimSmoke à realidade brasileira, os pesquisadores descobriram que a taxa de tabagismo no Brasil diminuiu praticamente pela metade nos últimos 20 anos. Enquanto em 1989 a proporção de fumantes era de 34,8%, em 2010 a simulação apontou um percentual de 16,8%. Com isso, estima-se que mais de 420 mil mortes foram evitadas em 2010 e a perspectiva é de que, até 2050, esse número salte para mais de 7 milhões.

As leis rígidas que restringem a propaganda de cigarro em pontos de venda e proíbem o fumo em ambientes fechados, o aumento na taxação do produto, as imagens fortes em maços alertando para os perigos do vício e o aumento da oferta de programas para tratamento de dependentes estão na lista das ações que, em conjunto, foram as responsáveis por tamanho sucesso. “Ainda temos como melhorar muita coisa, mas o Brasil mostrou uma das quedas mais espetaculares do mundo no número de fumantes. Nosso estudo explica como isso foi possível, agrega as ações que o país implementou nas últimas décadas e desvenda o caminho das pedras que o Brasil seguiu para alcançar tais resultados”, pontua Liz Maria de Almeida, uma das autoras do estudo e coordenadora da área de epidemiologia do Inca.

Nas análises traçadas pelo estudo, uma das principais causas para a redução do tabagismo no Brasil é o aumento do preço do cigarro. Liz Maria explica que essa é uma medida conhecida por seu grande impacto sobre a iniciação e a cessação do vício. “O principal efeito é sobre o jovem, que acaba pensando se vale a pena gastar o pouco dinheiro que tem com o cigarro. Isso freia a iniciação, e é uma das principais medidas contra o tabagismo”, analisa. Para aquelas pessoas que fumam frequentemente, a pesquisadora explica que o aumento do valor as faz reduzir o consumo para comprometer a renda o mínimo possível. Apesar dos avanços, Liz Maria pontua que o preço do cigarro no Brasil ainda é um dos mais baixos do mundo. “Essa é uma medida que ainda dá para melhorar, podemos aumentar a taxação. Nos países da Europa, o preço é muito maior do que no Brasil”, exemplifica.

Paradoxo
 Para o médico Alberto Araújo, membro da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), o país vive um grande paradoxo. Apesar de ser exemplo na redução do número de fumantes, é o segundo maior produtor de tabaco do mundo, ficando atrás somente da China. “Lá, um em cada dois homens fuma. Quase toda a produção é para consumo interno. O Brasil é o segundo maior produtor, mas a maior parte vai para a exportação. Ao mesmo tempo em que conseguimos políticas de Estado que impactam na iniciação e na redução do fumo, continuamos exportando a doença do tabagismo. Alimentamos um ciclo perverso, exportamos um agente de envenenamento”, critica Araújo.

O médico afirma ainda que o tabagismo no país custa três vezes mais para o sistema de saúde do que o valor que entra com a sua exportação, que equivale a 85% de toda a produção. “Gastamos R$ 21 bilhões para custear os gastos de saúde com a indústria do tabaco, três vezes e meia a mais do que o que arrecadamos com a exportação da doença. Então, você produz, exporta, mas, no fundo, gasta muito mais. Isso é um contrassenso”.

Mesmo com as limitações, Liz Maria reforça que cada uma das políticas públicas implementadas no país contra o tabagismo não funciona sozinha, mas que seus resultados dependem da integração de várias frentes e da manutenção delas ao longo do tempo. 

“Não tem propaganda de cigarro, maço genérico ou tratamento que resolva o problema sozinho. Mas se a pessoa chega ao trabalho e quase ninguém mais fuma, sai para rua e vê uma propaganda alertando para os perigos do vício, vai comprar cigarro e vê que ele está mais caro, tudo isso reforça a mensagem contra o tabaco. É o que chamamos de efeito sinérgico. Tudo junto funciona acima da capacidade medida individualmente de cada política pública”, avalia.

Método faz avaliação inédita 


Desde 1989, o Brasil tem desenvolvido medidas de combate ao tabagismo, mas as razões para o declínio do vício pouco foram documentadas. A maioria dos estudos estatísticos examinou os efeito de apenas uma ou no máximo duas políticas de controle do tabaco. Isso porque a capacidade de distinguir os efeitos das diferentes medidas sobre as taxas de tabagismo é limitada. “O modelo (SimSmoke) conseguiu reunir todas as políticas que estão sendo implementadas há um tempo no Brasil. Nós cruzamos os dados de cada uma das medidas com o seu grau de implementação (baixo, médio ou alto)”, explica Liz Maria de Almeida, uma das autoras do estudo publicado na PLos Medicine. 

Para verificar a qualidade do modelo, a equipe de Liz Maria  comparou os resultados obtidos pela simulação ao levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que indicou a prevalência de 18,5% de fumantes no país, em 2008. “Nosso modelo conseguiu estimar quase os mesmos percentuais mostrados pelo IBGE. Isso garante que nossa ferramenta está ajustada”, avalia a pesquisadora.

De acordo com o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, modelos como o apresentado pelo novo estudo ajudam o poder público a acompanhar os resultados da implementação de políticas voltadas para o controle do tabagismo. “Temos que fazer uma combinação de fontes de informação. A cada cinco anos, realizamos as pesquisas populacionais em que procuramos não só a proporção, mas as nuances na população. Nisso, descobrimos, por exemplo, que as mulheres ainda fumam muito menos que os homens, mas que a taxa está estabilizada, enquanto a dos homens vem reduzindo significativamente com os anos. Se continuarmos assim, é provável que, em 10 anos, os homens empatem com as mulheres”, explica Barbosa. (MU)

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