quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Uma Rosa para alguns - Marina Colasanti‏


Estado de Minas: 08/11/2012 
Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, semana passada. E Claudia Cardinale apresentando seu último filme. Disse o jornal que ela esteve no Rio em 1967, filmando Uma Rosa para todos. Errado. O ano era 1965. Lembro-me perfeitamente, porque estava grávida da minha primeira filha. E porque estava grávida, havia saído do jornal em licença-maternidade. E porque estava de licença, havia ido trabalhar no FIF, o Festival Internacional do Filme. E porque estava trabalhando no FIF, era jornalista, e ainda por cima falava italiano, acabei sendo convidada para ser assessora de imprensa de Claudia Cardinale. Larguei o FIF, fui atendê-la durante algumas semanas – voltaria ao FIF depois.

Que bonita era ela! Na primeira coletiva, apareceu de vestido florido, decotão, faixa rosa nos cabelos longuíssimos, e aqueles olhos, e aquele sorriso. Os cabelos eram falsos, um aplique, o resto todo era lindamente autêntico.

Tão bonita e ainda assim rigorosa no trabalho, de uma pontualidade militar. Chegava cedíssimo para a maquiagem que lhe daria cor brasileira, quase jambo, cumpria horários pesados, se alimentava de forma precária, não reclamava de nada. No meio das filmagens, teve que ir apresentar outro filme no Festival de Veneza. Havíamos ficado no set a noite anterior até as 3 da madrugada, em um calor estonteante, e na manhã seguinte fomos filmar no Morro da Viúva, subindo a pé até o alto. Claudia ainda posou para a revista Manchete. Só depois disso viajou.

Lembro-me dela perguntando à figurinista que peruca deveria escolher. Usava perucas para ter certeza de estar bem penteada, tinha uma coleção delas. A figurinista do filme a ajudava a compor seu figurino, mesmo fora do set.

A figurinista era Gaia Romanini, e porque o mundo é grande e as coincidências não existem, havia sido aluna do meu tio, irmão do meu pai, o também figurinista italiano Veniero Colasanti. Nossos temperamentos cruzaram bem, ficamos muito amigas e a ajudei no que precisou. Quis conhecer o comércio popular, para dar um jeito carioca às personagens, eu a levei ao Saara. O que mais a fascinou foi que as mulheres andassem pela rua com rolos no cabelo, aqueles rolos enormes, que elas cobriam apenas com um lenço, ou nem cobriam. Quem viu o filme sabe, Rosa usa rolos.

Na noite em que ficamos no set até as 3 filmava-se a cena de sexo, a única do filme. Sem sexo, é claro – os tempos eram outros. Assim mesmo havia uma certa tensão. O embate amoroso aconteceria no fundo de uma enorme movelaria do Catete, abafada como um forno. Claudia estava de combinação. Preta, naturalmente. Nem pensar em ficar nua. Barrados todos os jornalistas que haviam sonhado tirar fotos, suamos e comemos sanduíches longamente enquanto se acertaram as luzes e o diretor instruía os atores em voz baixa. Mas na hora magna Claudia não quis ninguém presente. A equipe toda saiu, só ficaram os indispensáveis. E a cena foi repetida noite adentro cercada de ausências e curiosidade.

Uma semana depois, Claudia voltava de Veneza. Reassumiu os horários espartanos, a cor brasileira, os rolos nos cabelos. Eu ainda traduzi o roteiro para o português, cuidei dos jornalistas que, frustrados na movelaria, queriam assistir a uma cena com Akim Tamiroff. E fui reassumir meu posto no FIF.

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