segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Editoriais da Folha SP

Folha de São Paulo


Poluição premiada
Com sua clássica tradição de culto à malandragem, o Brasil ainda tem um bom caminho a percorrer até o pleno cumprimento das leis e normas de convivência pela maioria dos cidadãos. É verdade, entretanto, que já começam a declinar a glorificação do "jeitinho", a racionalização tortuosa e mesmo a ridicularização do caráter mais rígido e disciplinado -identificado popularmente como "caxias".
Nesse quadro de paulatina mudança, nada pior -embora ainda frequente- do que a sensação de ter-se comportado como otário ao procurar seguir os regulamentos impostos pelo poder público.
Segundo dados oficiais, publicados nesta Folha, apenas 57% dos veículos esperados passaram pela inspeção, de janeiro a novembro. Pelos cálculos da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, isso significa que, até janeiro de 2013, será de 1,6 milhão o número de carros que deixaram de comparecer ao controle antipoluente, de um total de 4,7 milhões esperados.
Pior do que os veículos de passeio é o caso dos ônibus, cuja nocividade à atmosfera literalmente salta à vista de qualquer cidadão. Apenas 58% do total esperado submeteu-se ao exame técnico.
Diante disso, é bem possível que a reação dos paulistanos que cuidaram de manter-se em dia com a inspeção veicular seja de revolta. O transtorno do procedimento é conhecido: cumpre agendá-lo, pagar taxa de nebulosa origem e inefável retorno, despender bom tempo do dia para ir aos postos de controle e obter o selo que atesta as condições adequadas do motor e dos poluentes emitidos pelo carro.
As quais, de resto, não teriam por que ser tidas como potencialmente poluentes nos veículos de pouca quilometragem, que não se livram, ainda assim, da obrigatoriedade da inspeção. Ocorre que se livram. Ou melhor: livrou-se da incômoda tarefa de cumprir a lei quem simplesmente não levou a obrigatoriedade a sério.
O modelo, aprovado em circunstâncias fuliginosas pela prefeitura, não funciona. Novos procedimentos de aferição, que excluem veículos novos, são promessa do prefeito eleito, Fernando Haddad -que não garante, todavia, sua imediata adoção. A racionalidade administrativa e o respeito ao cidadão recomendam que a promessa seja cumprida o quanto antes.


EDITORIAIS
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Ousadia no Fed
Banco central dos EUA surpreende ao vincular taxa de juros com nível de emprego, mesmo que cresça a expectativa de inflação
No mundo que lida com as minúcias teóricas e com os riscos práticos das ações dos bancos centrais, causou espanto que o Fed tenha anunciado uma espécie de meta para a taxa de desemprego.
O banco central americano informou que a taxa básica de juros ficará perto de zero até que a taxa de desemprego de 7,7% caia a 6,5%.
A meta para o desemprego não é incondicional. Caso a inflação supere 2,5%, os juros subiriam. Qual seria então a grande novidade da nova carta de intenções do Fed?
Desde 1977, a lei que rege o banco explicita que a política monetária (juros e crédito) será orientada a promover o objetivo de máximo emprego combinado com o de estabilidade de preços e taxas de juros moderadas. É o que se chama de "duplo mandato" do Fed.
O duplo mandato jamais havia sido levado muito a sério. No curto prazo, desemprego e inflação baixos nem sempre seriam compatíveis. No caso de conflito de objetivos, a estabilidade de preços deveria vir em primeiro lugar, ditava a doutrina predominante.
A doutrina padrão foi abalada pela crise de 2008. Desde então, o Fed e vários bancos centrais adotaram medidas nada convencionais.
Em janeiro deste ano, o Fed forneceu a primeira pista de que daria consequência prática ao duplo mandato. Afirmou que, "em geral", os objetivos de máximo emprego e preços estáveis são complementares, mas nem sempre. No caso de desemprego ou inflação excepcionais, o Fed deveria agir também num regime de exceção, o que tem feito.
O Fed tem instrumentos para afetar a taxa de desemprego? Se tem, porque até agora não atingiu sua "meta"? Decerto a direção do banco central americano sabe que muitos fatores do desemprego estão fora de seu alcance. Pode oferecer condições necessárias (juros baixos), mas não suficientes, para animar o mercado de trabalho. Então de que se trata?
Trata-se de influenciar expectativas. Mesmo que as projeções de inflação comecem a subir, vai passar um tempo até o Fed reagir à opinião do mercado. O banco atua preventivamente para desarmar expectativas de alta de juros nos próximos dois anos, ao menos.
Há riscos nessa estratégia. Pode ser que os EUA passem por longa fase de desemprego alto. Neste momento, por exemplo, as empresas americanas em disputa pelo desanimado e competitivo mercado mundial reduzem custos e mão de obra. O Fed arrisca ainda estimular uma já temida nova bolha no mercado de títulos de dívida pública e privada.
Mais excepcional que a promessa de segurar os juros enquanto o emprego não deslanchar é, ainda, a degradação econômica que ensejou tal medida extraordinária. A crise de 2008, ao que parece, se estenderá por ao menos uma década; preocupa, além disso, a possibilidade de que a tentativa de remediá-la reduza a competitividade dos EUA ou produza novas bolhas.

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