segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Tendências/Debates

Folha de São Paulo

Argentina e caso Clarín: não é bem assim
Não há risco direto à liberdade de informação. A lei tem amplo apoio. Ela não é perfeita, talvez rápida demais, mas é preciso evitar ver só seu lado negativo
Os meios de comunicação brasileiros têm acompanhado com vivo interesse a polêmica envolvendo o grupo argentino Clarín, de comunicação, e o governo da presidente Cristina Kirchner, simplificando sobremaneira a complexidade da questão e quase sempre concluindo que se trata de uma ameaça à liberdade de informação.
Antes fosse uma questão tão simples assim. Mas não é.
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que o espaço por onde transitam as frequências das emissoras de rádio e de televisão é público, como uma avenida, e que cabe ao poder público regular a sua utilização. Em segundo lugar, é preciso dizer que o governo argentino está cumprindo uma lei aprovada pelo Legislativo por uma ampla maioria em 2009.
Tal lei é considerada antimonopólio dos meios de comunicação. Estabelece o limite de 33% dos serviços de radiodifusão para as empresas privadas, 33% para órgãos públicos e 33% para entidades sem fins lucrativos, assegura autonomia editorial nas emissoras públicas e exige transparência sobre a composição social das empresas privadas.
Por outro lado, para as empresas privadas, a lei limita o tempo destinado à publicidade e exige programas educativos.
Certamente a lei tem pontos positivos -a tendência de possibilitar o pluralismo nos meios de comunicação- e negativos -a tendência de um certo dirigismo nas empresas privadas de comunicação. Trata-se, porém, de uma lei que está em pleno vigor há três anos e que expressa uma política pública que foi inclusive elogiada pela ONU.
O grupo Clarín insurgiu-se contra a desconcentração de concessões em vigor e sobre o prazo de um ano para que ela se efetive, arguindo inconstitucionalidade.
Com a implementação prática da lei, o Clarín perderia cerca de um terço de suas concessões (pouco mais de 70, de 230). Tanto o governo como o Clarín se acusam reciprocamente de pressões sobre o Judiciário, o que estaria impedindo o regular trâmite do processo.
Há risco para a liberdade de informação na Argentina?
Diretamente não, pois os meios de comunicação contrários ao governo continuarão a criticá-lo. Não há nenhuma ação repressiva específica contra a imprensa, inclusive o Clarín, que continuará com dois terços de suas atuais concessões.
Indiretamente, porém, fica evidenciado que, sob o pano de fundo de uma boa lei sobre serviços audiovisuais, o governo quer nitidamente atingir o grupo Clarín, reconhecidamente poderoso politica e economicamente, capaz, segundo argentinos como os ex-presidentes Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa, de derrubar governos.
A mera possibilidade de causar severo prejuízo financeiro ao Clarín poderá servir de desestímulo para que outros grupos privados tenham uma pauta independente do governo.
Além disso, não se sabe se a sociedade argentina terá condições de substituir, com vantagem para o público, a programação das emissoras privadas por outras provenientes de veículos estatais ou sem fins lucrativos. Nos três anos de vigência da lei, parece não ter havido avanços em termos do pluralismo pretendido.
De qualquer forma, diferentemente do que tem sido apregoado pela imprensa brasileira, não se pode generalizar a afirmação de que a sociedade argentina se mostra preocupada com eventual restrição que venha a ser imposta ao Clarín.
Na última greve geral convocada contra o governo pelas centrais sindicais, em 20/11, os líderes sindicais exigiram que o governo intervenha nos meios de comunicação tão logo a liminar perca eficácia. Deputados contrários ao governo também querem cumprir a lei.
Talvez tivesse sido mais inteligente, porém, se num primeiro momento a lei cuidasse de ampliar o pluralismo e a participação das produções nacionais nos meios privados de comunicação e só depois tratasse de retomar as concessões, na medida em que seus prazos fossem expirando, e se fosse capaz de apresentar à sociedade, convincentemente, um planejamento para uma melhor utilização das concessões.
Tudo o que a Argentina não precisa nesse momento de crise econômica é perder unidade com questões que são importantes, mas que não ocupam a principal agenda da sociedade argentina.


ROBERTO ABDENUR
TENDÊNCIAS/DEBATES
A economia que se esconde
A economia subterrânea, ilegal ou que não paga imposto, foi de 21% do PIB em 2003 para 17%. Para reduzir mais esse número, é preciso melhorar a educação
Um grande obstáculo para o desenvolvimento de um país é a parcela da economia que provém de atividades deliberadamente não declaradas ao poder público, para sonegar impostos ou por serem ilegais.
Essa parcela tem sido estimada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a pedido do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), por meio do Índice de Economia Subterrânea (IES).
A série histórica do IES remonta a 2003, quando representava 21% do PIB do Brasil, somando R$ 357,8 bilhões, ou R$ 626 bilhões em valores de 2011. Em quase dez anos, houve redução significativa no tamanho dessa economia subterrânea, especialmente nos últimos cinco anos.
Contribuíram para essa queda o crescimento econômico, que provoca aumento de intermediações financeiras, exigindo documentação completa e, por consequência, a formalização de empresas. Importação e exportação também crescentes têm sido uma mola propulsora na formalização da atividade econômica.
À exceção de 2009 -ano atípico para a economia, em razão da crise mundial-, desde 2007 o IES apresentava queda de 0,7 ponto porcentual, indo de 20,2% em 2006 para 17% em 2011. A estimativa mais recente do IES mostra, porém, que ele parou de cair. Como os pesquisadores já previam, o índice registrado agora, de 16,9%, chegou ao seu patamar mínimo.
O fator determinante a barrar essa redução da economia subterrânea é a educação.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), entre 2002 e 2011, a informalidade no mercado de trabalho caiu 10 pontos porcentuais, de 43% para 32%. O acréscimo dos 22 milhões de pessoas que se educaram entre 2001 e 2011 responde por 64% dessa queda.
Trata-se de um número surpreendente, no entender do pesquisador do Ibre/FGV Fernando de Holanda Barbosa Filho, responsável pela elaboração do IES.
Melhorar o sistema educacional é um enorme desafio. Houve grande avanço nas últimas décadas, especialmente no acesso à escola. Mas ainda é significativo o número de crianças que não concluem o ensino fundamental.
Além da educação, pesam na estagnação do IES as leis trabalhistas. A despeito da rigidez dessas leis e dos custos na contratação e demissão de funcionários, o Brasil reduziu a terceirização nos últimos anos, até para reter talentos.
O governo tem sinalizado melhoras em relação à carga tributária, ao desonerar a folha de pagamentos de setores da economia. Mas especialistas consideram que reformas na CLT poderiam ser feitas em tempos de dificuldades econômicas. Fica mais difícil promover mudanças em um momento como este, em que o desemprego está baixo.
Se, por um lado, suavizar as leis trabalhistas é uma missão cada vez mais imprescindível, investir em educação é muito mais do que uma meta. É uma obrigação para uma nação que se pretende forte e posicionada entre as principais economias do mundo.

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