quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O luxo pode ser outro - Marina Colasanti


Estado de Minas: 13/12/2012 
Foi inaugurada no Rio a nova meca dos novos ricos, um shopping, perdão, um mall – shopping é coisa de novos pobres – que reúne lojas das mais famosas marcas dos mais caros produtos. Com a pança embutida de anúncios, a imprensa se ajoelha, “2012 será lembrado no futuro como o ano em que a poderosa indústria do luxo finalmente descobriu o Rio”, diz matéria da Veja. 

Tento equacionar meu conceito de luxo com o conceito estabelecido por alguns dos produtos do novo mall . 

Custa R$ 40 mil o baú Louis Vuitton que, de acordo com a bula, é um remake dos usados pelos nobres franceses do século 19. Minha mãe não era uma nobre francesa, nem era do século 19 e, para meu encantamento de menina, tinha um baú desse tipo. Chamava-se ”baú armário” porque, mantido na vertical, abria-se em dois, tendo de um lado gavetas sobrepostas e do outro o cabideiro e a sapateira. Era especialmente cômodo para viagens de navio, quando, colocado diretamente na cabine, permitia exibir a elegância sem ter que desmanchar a mala. 

Ao atracar do navio no porto, bastava fechar o trinco dourado, e chamar o carregador. Não sei, hoje, que utilidade teria num avião. O baú da minha mãe, que saído de uma loja qualquer de Roma havia ido para a África e dali de volta à Itália, acabou vindo para o Brasil. Brinquei muito com ele, e luxo supremo era para mim o casaco de veludo azul-safira com gola de raposa preta, feito por uma costureira da família, e esquecido para sempre dentro dele.

Custa R$ 580 mil o anel de diamante amarelo da Tiffany. É uma pedra estupenda, cor de ouro. Até recentemente, uma pedra assim haveria de ser pousada sobre o dedo, como se suspensa, retida apenas pelas garras do engaste; o solitário era a maneira mais perfeita de expor o valor de um diamante. Vi solitários belíssimos nas mãos da minha tia-avó, alguns de cor, usados com displicência. O luxo estava na displicência. Mas a pedra de que falo está rodeada por duas largas fileiras de brilhantes, e mais brilhantes recobrem o aro. Toda a beleza do diamante cor de ouro já não é suficiente para quem quer exibir o poder do cartão de crédito. 

O mesmo vale para o relógio Cartier de R$ 164 mil. A elegância dos números romanos no mostrador, a pureza das linhas, até mesmo o ouro da pulseira agora não bastam, mais vale comprometer o design acrescentando pelos lados duas fileiras de brilhantes.

Tempos de Natal, que tal uma garrafa de Moet & Chandon por R$ 13 mil? Contém três litros de um dos melhores chamanhes do mundo, mas não é essa a razão do preço. A razão está explicada no nome, “Golden Lace Jeroboam”, uma rede dourada, como uma cota medieval, envolvendo toda a garrafa, e uma placa, certamente dourada, para gravar o nome do dono. Pergunto-me o que faz o dono depois de beber o conteúdo: joga a garrafa fora, exibe-a vazia sobre um móvel da sala, ou pega um funil e outra garrafa cheia para encher a preciosa longe do olhar das visitas? E eu, tonta, que sempre achei luxo a garrafa empoeirada, vinda da adega da mansão, fresca ainda de tanto sono entre pedras.

Haverá certamente uma multidão no novo mall percorrendo as vitrines em busca do luxo. Mas o luxo, como o concebo, é outro. Hoje, seria ir ao Masp, em São Paulo, para ver mais uma vez Mulher de azul lendo uma carta, de Vermeer.

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