segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Ruy Castro

FOLHA DE SÃO PAULO

O embaixador, a viúva e o amante
RIO DE JANEIRO - Um colecionador carioca de 82 anos pôs à venda, por uma pechincha, uma tela atribuída ao pintor flamengo Rubens (1577-1640) e dois violinos gravados com a palavra mágica -Stradivarius. Mas era tudo falso. Peças tão raras e valiosas já não aparecem assim de repente, nem são negociadas por particulares. Exceto para os ingênuos que ainda caem na história do embaixador, da viúva e do amante.
A trama lembra os romances de Michel Zevaco. Um embaixador, com longa carreira no exterior, acumula uma vasta coleção de quadros, livros e papéis. Aposenta-se, volta para o Brasil e, invariavelmente, morre. Sua viúva, saudosa das noites de gala na embaixada, deixa-se seduzir por um cinquentão de têmporas grisalhas e fluente em francês. Em pouco tempo, certos quadros, livros e papéis começam a aparecer em leilões.
Até aí, tudo bem, e não há nada de errado nesse enredo -quando ele acontece. Só que, como nos romances, a história do embaixador, da viúva e do amante pode ser tão falsa quanto os quadros, livros e papéis que surgem atribuídos a eles em leilões. O "plot" romântico serve apenas para mascarar a procedência indefinida de uma peça.
Volpis e Malfatis falsificados em São Paulo circulam no Rio, assim como Dis e Djaniras falsificados no Rio circulam em São Paulo. Clássicos em primeira edição, autógrafos de escritores e lotes de fotos históricas, desviados de acervos públicos, também costumam cair do céu. Os leiloeiros mais experientes vivem atentos à possibilidade de fraudes ou desvios, mas não podem conhecer tudo. Quando eles erram, o colecionador erra junto.
Adoro leilões, mas só disputo objetos que nunca interessariam a um embaixador: lápis e fósforos de propaganda, flâmulas do Flamengo, álbuns de figurinhas, jornais antigos, gibis de Mandrake e fotos do seriado "Os Perigos de Nyoka".

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