domingo, 20 de janeiro de 2013

Bolsa no exterior cresce, mas só 12% estão em escola 'top'

FOLHA DE SÃO PAULO

Índice considera universitários financiados em Portugal, Espanha, França e nos EUA
Desde a criação, em 2011, programa federal Ciência sem Fronteiras triplicou o número de estudantes no exterior
FÁBIO TAKAHASHIDE SÃO PAULOUm dos principais programas do governo Dilma, o Ciência Sem Fronteiras já triplicou o número de universitários que estudam no exterior, financiados pela União. A maior parte dos beneficiados, porém, não está nas melhores faculdades do mundo.
Com base nos dados oficiais do programa, a Folha identificou para quais instituições os alunos de graduação ganharam bolsa, considerando os quatro países que mais receberam alunos (EUA, Portugal, Espanha e França).
Dos cerca de 8.000 graduandos, só 12% foram para universidades que integram uma lista considerada como de excelência pela própria Capes (um dos órgãos do Ministério da Educação que coordena o projeto).
Nos materiais informativos e publicitários, o governo afirma que financia os alunos para estudar nas "melhores universidades do mundo".
Analistas ouvidos pela reportagem afirmam ser positiva a iniciativa de enviar alunos para o exterior, pois, com a experiência, eles podem melhorar o sistema brasileiro (na graduação, eles ficam fora até um ano e meio).
Um dos problemas, dizem, é usar recursos públicos para custear bolsas em escolas que estão até abaixo de brasileiras como USP e Unicamp.
Lançado em 2011, o programa deverá gastar R$ 3,2 bilhões até 2014, para custear 101 mil bolsas. O valor é equivalente a 70% do Orçamento da USP para este ano.
RANKINGS
Em seu site, a Capes afirma que "prioritariamente" os alunos devem ir para uma das cerca de 300 universidades de excelência -basicamente, elas estão entre as 200 melhores do mundo em dois dos principais rankings internacionais ou tiveram ao menos uma área com boa posição.
As listas consideradas são dos rankings britânicos THE (Times Higher Education) e QS (Symonds Quacquarelli).
Ao comentar os dados tabulados pela Folha, o órgão federal afirmou, porém, que os alunos estão "nas melhores instituições disponíveis".
No projeto, o aluno não escolhe em qual universidade estudará. Ele aponta a área e o país. A vaga é obtida pelas instituições parceiras da Capes em cada país, segundo os postos oferecidos pelas instituições que aderiram à ação.
As seis escolas que mais receberam alunos, todas portuguesas, não estão na lista considerada como de excelência.
A campeã foi a Universidade de Coimbra (709 alunos), que não está entre as 400 melhores no THE (onde a USP é 158ª) e está em 385ª no QS. Depois vem a Universidade do Porto e a Técnica de Lisboa.
Entre as instituições bem avaliadas, a que mais recebeu alunos foi a Universidade de Barcelona (93 estudantes), posição 187ª no QS. Há ainda alunos nas líderes dos rankings mundiais, como MIT (4 bolsistas) e Harvard (6).

    Bolsista está na melhor disponível, diz governo
    Universidades estrangeiras precisam comprovar que 'curso é de excelência'
    Especialista considera preocupante número de alunos financiados hoje pelo governo em instituições de Portugal
    DE SÃO PAULOOs bolsistas do Ciência sem Fronteiras estão nas melhores instituições "disponíveis", afirmou a Capes (um dos órgãos federais responsáveis pelo programa).
    "Prioritariamente", declara o órgão do Ministério da Educação, os alunos vão para as escolas mais bem conceituadas em cada área.
    Se a universidade não aparecer em boas posições nos rankings, ainda assim ela pode receber alunos, afirma a Capes -desde que as instituições parceiras comprovem com especialistas que tal curso é de excelência.
    Um dos exemplos citados é a Universidade do Porto, a segunda que mais recebeu graduandos, que não consta entre as 400 melhores no ranking THE e é 401ª no QS.
    A universidade, diz a Capes, possui "uma das melhores escolas de engenharia civil na Europa". Os cinco graduandos brasileiros em engenharia na instituição, porém, estão em outras modalidades (elétrica, mecânica e tecnologia da informação), segundo o site oficial do programa.
    "Universidades de primeira linha não delegam a seleção de seus estudantes a outras instituições", afirmam em artigo os pesquisadores Claudio de Moura Castro (Positivo), Hélio Barros (ex-secretário de Ensino Superior do MEC), James Ito-Adler (Cambridge) e Simon Schwartzman (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade).
    "Instituições de menos prestígio e mais premidas [necessitadas] por dinheiro podem fazê-­lo, mas isso pode significar degradação na qualidade da experiência de estudos no exterior", dizem.
    "Passar um ano fora, no meio de um curso de graduação, pode ser divertido para o estudante, mas pode não significar muito em termos de sua formação", afirmou Schwartzman à Folha.
    Já o coordenador do grupo de pesquisa da Unicamp sobre ensino superior, Renato Pedrosa, diz ser preocupante o número de alunos financiados em universidades portuguesas -país que recebeu 2,3 mil graduandos, ante 2,9 mil alunos nos EUA.
    "Parece um escolha pobre, em particular, pois os estudantes nem terão tido a experiência de aprofundar os conhecimentos numa língua diferente do português, nem terão contato com o que se faz de realmente melhor academicamente na grande maioria das áreas", afirma.
    Folha questionou o governo desde segunda-feira sobre a localização de todos os bolsistas (incluindo os de pós), mas não obteve resposta. (FÁBIO TAKAHASHI)

      Iniciativa privada banca projetos para qualificar mão de obra
      FERNANDO TADEU MORAESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
      É possível investir em educação de qualidade com amparo da filantropia nacional. Iniciativas do gênero começam a aparecer no Brasil e prometem ganhar fôlego nos próximos anos.
      Cláudio Haddad, dono do instituto de administração e economia Insper, crê que a realidade brasileira de doações para educação está melhorando. Para 2015, ele planeja abrir cursos de engenharia mecânica, sistemas/informação e mecatrônica.
      O foco será em tecnologia e buscará formar líderes empreendedores. Segundo Haddad, a implantação dos cursos deverá ser toda bancada por doações privadas.
      A meta inicial de levantar R$ 80 milhões já foi superada. Entraram como doadores quatro grupos industriais (Ultra, Votorantim, Camargo Corrêa e Gerdau), três bancos (Itaú, Bradesco e BTG Pactual) e duas fundações (Lemann e Brava), além de doadores individuais.
      "Mais importante que o dinheiro é o envolvimento de grandes empresários e empresas no projeto", diz ele. "Acredito que a academia ganha tendo contato com as empresas e vice-versa."
      FUNDO DE PESQUISA
      Em 2011, a Escola Politécnica da USP criou o primeiro "endowment" de uma instituição pública brasileira.
      Bastante comum em instituições universitárias americanas, o "endowment" é um fundo cujos rendimentos serão usados para financiar pesquisas, obras de infraestrutura e investimentos.
      "O surgimento desse fundo se deve ao fato de que nossos projetos mais ambiciosos esbarram na limitação de recursos", diz o diretor da Poli, José Roberto Cardoso.
      Segundo ele, a opção pelo "endowment" é devido ao fato de que uma doação direta à USP entra no orçamento geral da universidade.
      "O doador, em geral, quer que o seu dinheiro seja usado para um fim específico. O 'endowment' permite que isso ocorra", explica.
      Cardoso diz que esse tipo de iniciativa ainda é incipiente e se destina para os futuros alunos. A faculdade possui dois fundos, o "endowment da Poli" e o "Amigos da Poli", que possuem, respectivamente, R$ 600 mil e R$ 5 milhões de capital.
      O Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) é outro exemplo de bom relacionamento com o dinheiro privado. Em 2011, recebeu pouco mais de R$ 1 milhão em doações privadas.
      Entre os doadores estão figuras como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, os irmãos João e Pedro Moreira Sales e o matemático James Simons, que abandonou a academia pelo mercado financeiro e tornou-se bilionário e filantropo.

      Estudantes aprovam assistência do governo
      EUA, país com mais bolsistas do Brasil, atenderam a 3.600 alunos
      Brasileiros estão em universidades pequenas, médias e grandes, sobretudo na região leste americana
      LUCAS FERRAZCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NOVA YORKNos Estados Unidos, país com o maior número de bolsistas do programa brasileiro Ciência sem Fronteiras, os estudantes aprovam a assistência dada tanto por membros do governo quanto pelo corpo diplomático.
      Para eles, a integração nas universidades americanas também está sendo fácil.
      Com mais de 3.600 bolsas implementadas desde o primeiro semestre de 2012, os brasileiros estão espalhados sobretudo no leste do país.
      Eles frequentam universidades pequenas, médias e grandes. Mesmo assim, ainda é difícil conseguir entrar em escolas de ponta.
      Alguns, como o estudante de engenharia de produção Bruno Dorigo, afirmam que os responsáveis pelo programa ainda precisam consolidar melhor as informações que são passadas para a comunidade de alunos que está interessada no tema.
      Os primeiros editais foram confusos, diz o futuro engenheiro. Aluno da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Dorigo, 22, está nos EUA desde agosto. Ele se inscreveu no primeiro edital, no final de 2011.
      O estudante está fazendo uma graduação-sanduíche no Stevens Institute of Technology, em Hoboken, Nova Jersey, onde permanece durante o atual semestre.
      "Até agora não tenho muito do que reclamar da assistência", disse. Pelo Ciência sem Fronteiras, ele recebe um auxílio mensal de US$ 300 (cerca de R$ 600). Da universidade americana, ganha alojamento e alimentação.
      "Todos se esforçam para que a coisa dê certo, eles entregam quase tudo de bandeja", afirma Rafaella Buzzi, 21, estudante de cinema da Temple University, na Filadélfia.
      Ela se refere ao corpo diplomático brasileiro, que montou nos países mais procurados no programa uma estrutura exclusiva para atender aos bolsistas, às universidades e também às instituições que intermedeiam o contato entre o governo brasileiro e as escolas americanas.
      No caso dos EUA, a ligação entre os dois lados está sob responsabilidade do IIE (sigla em inglês do Instituto Internacional de Educação).
      GRATA SURPRESA
      Aluna da PUC-Rio, Rafaella conta que planejava estudar no exterior antes mesmo de se inscrever no programa. "Cinema no Brasil é fraco e o estudo ainda é muito básico."
      No final, ela pôde escolher para onde iria, porque também acabou sendo selecionada pela UCLA (Universidade da Califórnia), que tem um convênio com a faculdade que ela estuda no Rio.
      "Claro que preferi estudar no exterior com os benefícios do governo", disse.
      Todos os estudantes brasileiros ouvidos pela reportagem afirmaram que a temporada de estudos nos EUA está superando as expectativas.
      Rafaella Buzzi ressalta que sobra bolsas de estudos no Brasil para quem estiver interessado em ter uma experiência acadêmica no exterior.
      "Não há nada difícil ou impossível, o processo só requer muita atenção", diz Rafaella.

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