sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Volta ao passado
Incapaz de conter a inflação, governo tenta influenciar os índices com o adiamento dos reajustes de tarifas, expediente típico dos anos 80
Soam anacrônicos os pedidos do governo federal para que Estados e capitais -como São Paulo e Rio- segurem os aumentos nas tarifas de ônibus, trens e metrô. Teme-se que a concentração de reajustes no início do ano eleve as expectativas de inflação.
A inovação -a rigor, um retorno ao modus operandi dos anos 80, quando o governo tentava manipular os índices- visa evitar uma alta ainda maior no IPCA do primeiro trimestre. Adiar o problema é, pois, a estratégia do dia. A novela do aumento do preço da gasolina segue o mesmo enredo.
Maquiagens à parte, o fato é que o Banco Central e o governo têm atiçado o dragão inflacionário.
Com o pretexto de que outros países adotaram uma política monetária expansiva para superar a estagnação, nossas autoridades parecem se esquecer que na maior parte deles a inflação é baixa.
Nos EUA e na Europa os índices correm abaixo das metas, em geral de 2% ao ano. Na China se espera uma alta inferior a 4% em 2013.
No Brasil, contudo, há um dilema: crescimento baixo e inflação alta, perigosamente perto de 6,5% -teto superior do intervalo de tolerância- na maior parte deste ano.
O BC esteve certo em dar mais peso à fraqueza do crescimento quando iniciou o ciclo de cortes de juros em agosto de 2011, mas de lá para cá não parece se preocupar -nem passar a impressão de que se preocupa- com a piora do quadro inflacionário.
O perigo maior de descontrole existe quando o setor privado não acredita mais no compromisso com as metas. Tal deterioração tende a ser lenta no início, mas pode ganhar vida própria rapidamente.
O cenário é preocupante. As expectativas de analistas privados para 2013 superam 5,5%, e os papéis indexados ao IPCA são negociados com inflação perto de 6%. Economistas de vários matizes admitem que o BC já não persegue a meta de 4,5%, mas cerca de 5,5%. Talvez o teto de 6,5% ainda seja uma restrição para a leniência -politicamente, seria custoso para a presidente Dilma Rousseff explicar o estouro do limite superior. Mas quem pode ter hoje essa certeza?
O problema inflacionário é grave, pois a indexação generalizada persiste e nada foi feito nos últimos anos para mudar esse quadro. Talvez seja cedo para dizer que as metas foram abandonadas, mas as autoridades caminham a passos largos para consolidar essa suspeita.

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    Armadilhas no Mali
    São preocupantes os desdobramentos da intervenção militar da França no Mali, iniciada há uma semana com a autorização da ONU.
    Um grupo radical islâmico que se diz ligado à rede terrorista Al Qaeda sequestrou 41 estrangeiros na Argélia -país vizinho do Mali que tem dado apoio à ação francesa.
    O episódio é a primeira retaliação islamita à ofensiva da França, e nada sugere que será a última. Dias atrás, um rebelde malinês afirmou que seu país representa uma "armadilha muito pior do que Iraque, Afeganistão ou Somália".
    A operação do Exército da Argélia para resgatar os reféns resultou na morte de um número ainda incerto de pessoas, entre insurgentes e sequestrados. Não há dúvidas de que o desfecho lamentável decorreu da precipitação das forças argelinas, o que não diminui a dificuldade do problema da França.
    O Mali, a exemplo de quase duas dezenas de países da África, era uma colônia francesa até meados do século passado (1960), e os laços históricos pesaram na decisão da França de auxiliar o governo malinês contra os rebeldes. Eventual abstenção poderia ser vista pelos regimes das nações francófonas como um sinal de que não podem mais contar com o apoio de Paris.
    Manter sua influência sobre o oeste da África é crucial para a França. Uma vitória dos insurgentes no Mali, localizado no centro dessa região, poderia desestabilizar países vizinhos com importância material nada desprezível.
    Para citar dois exemplos, o Níger tem algumas das maiores reservas de urânio do mundo, e a Argélia responde por um quarto do gás natural importado pela Europa.
    Além disso, há a ameaça de que um país geograficamente próximo da Europa ocidental caia nas mãos de radicais islâmicos. Os insurgentes no norte do Mali não são mais os nômades tuaregues que, há um século, promovem levantes periódicos. Os rebeldes que agora tentam tomar a capital Bamaco são filiados à Al Qaeda.
    Desde junho, o grupo controla o norte do país com mão de ferro. Seus militantes ganharam espaço após dois eventos do começo do ano passado. Primeiro, os tuaregues venceram algumas batalhas. Depois, militares insatisfeitos com a atuação do Exército malinês promoveram um golpe de Estado.
    O vácuo de poder criado por esse golpe permitiu o fortalecimento dos radicais islâmicos que, mais organizados, suplantaram os tuaregues e assumiram os focos da insurgência. Quando ficou claro que seria difícil para o governo do Mali, ainda em fase de transição, interromper o avanço rebelde, a ONU deu seu aval para a intervenção comandada pela França.
    É difícil prever por quanto tempo o conflito se estenderá. É ainda mais difícil imaginar que termine sem que milhares de pessoas paguem com suas vidas por uma guerra que não escolheram lutar.

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