sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Quanto vale ou é por quilo?


folha de são paulo
Abismo entre investimento público e número de espectadores marca cinema do país em 2012
MATHEUS MAGENTARODRIGO SALEMDE SÃO PAULOOs cofres públicos do Brasil devem financiar filmes comerciais, que faturam alto na bilheteria, ou obras mais autorais, que sofrem para conseguir verba de produção e espaço em salas de cinema?
Levantamento feito pela Folha a partir dos dados divulgados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) sobre o mercado de cinema em 2012 demonstra o abismo existente entre a verba pública investida em um filme e seu número de espectadores.
O documentário "Expedicionários", de Otavio Cury, recebeu R$ 341 mil dos cofres públicos e foi visto por 104 pessoas nas salas de cinema. Ou seja, o filme obteve R$ 546 em bilheteria -e a verba pública investida corresponde a R$ 3.286 por espectador.
"As pessoas gostam dos filmes. Mas quase não há espaço para exibi-los. Não deixo de brigar para que eles sejam vistos também no circuito alternativo, que não entra nos dados da Ancine", diz Cury, também diretor de "Constantino", outro dos dez filmes nacionais menos vistos em 2012.
Por outro lado, "Até que a Sorte nos Separe", campeão nacional de bilheteria, recebeu ao menos R$ 2,7 milhões dos cofres públicos e foi visto por 3,3 milhões de pessoas (R$ 0,82 por espectador).
Fabiano Gullane, um dos produtores do longa que arrecadou R$ 33,8 milhões, diz que o sucesso de público gerou "muito mais" dinheiro em impostos do que os recursos públicos investidos.
"É um bolo dividido em muitas rendas, que são reinvestidas em outras produções. O problema do cinema nacional é o número reduzido de salas, o que dificulta o encontro com o público."
Hoje há 2.515 salas de cinema no país, segundo dados da Ancine -em 1975, eram quase 3.300 salas. Parte dos cineastas brasileiros reclama de preconceito por parte de distribuidores e exibidores.
"Quando há potencial, o exibidor dá espaço e o filme fica em cartaz", rebate Paulo Lui, presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas.
Mas até filmes com um tom mais comercial naufragaram em 2012. A comédia"A Novela das 8", por exemplo, captou R$ 3 milhões em dinheiro público e foi assistida nos cinemas por 5.147 pessoas (R$ 582 por espectador).
"Vários fatores contribuíram para números tão pequenos. Poucas cópias, nenhum marketing e a estreia próxima a dois blockbusters", justifica o diretor Odilon Rocha.
Bruno Wainer, que dirige a distribuidora e produtora Downtown, responsável por seis das dez maiores bilheterias nacionais de 2012, critica os filmes que não são vistos nos cinemas nem vão a festivais.
"Há cineastas que dirigem dois ou três filmes que não fazem sucesso e que não são relevantes, mas eles continuam a receber dinheiro [público] para produzir", diz Wainer.
De 2011 para 2012, houve queda no número de títulos (de 99 para 83) e de público (17,8 milhões para 15,5 milhões) nos filmes nacionais.
Com o sucesso das comédias, a participação nacional na bilheteria passou de 5,8%, no primeiro trimestre, para 22,7%, no último trimestre.
Para 2013, as principais apostas são "O Tempo e o Vento", de Jayme Monjardim, e uma sequência de "Até que a Sorte nos Separe".

    O PROBLEMA É A DISTRIBUIÇÃO
    Público brasileiro não tem sequer a chance de ver os filmes nacionais
    SARA SILVEIRAESPECIAL PARA A FOLHAQuando o Carlão [Carlos Reichenbach, cineasta morto no ano passado] me chamou nos anos 1990 para criar uma produtora, perguntei se iríamos ganhar dinheiro com nosso filmes. "Dinheiro eu não sei, mas corremos o risco de entrar para a história", ele me respondeu.
    Com ele aprendi a importância do dito cinema autoral, que é parte importante da cultura do país e não consegue se manter financeiramente. A alternativa é buscar recursos públicos, que devem ser distribuídos a todos, seja o filme comercial ou autoral.
    Mas hoje o grande problema do cinema nacional é que é impossível brigar por espaço com a indústria cinematográfica dos Estados Unidos.
    É injusto, portanto, analisar o resultado de um filme apenas com base no número de espectadores nos cinemas.
    Como a maioria das salas está ocupada pela produção estrangeira, o público brasileiro não tem sequer a oportunidade de ver os filmes nacionais para conseguir avaliar se eles são bons ou ruins.
    Não há grandes problemas de produção, mas gargalos na distribuição e na exibição.
    A maioria dos espectadores acaba só tendo contato com essas obras em outros formatos, como TV e DVD, ou no circuito alternativo da Programadora Brasil, que conta com 1.625 pontos de exibição em 850 municípios e um acervo de quase mil obras.
      O PROBLEMA É A PRODUÇÃO

    Distante do seu potencial, cinema nacional é pouco competitivo hoje
    CARLOS AUGUSTO CALILESPECIAL PARA A FOLHADados da Ancine demonstram que o ano de 2012 foi positivo para o cinema no país. A renda bruta cresceu 12% em relação a 2011 e atingiu R$ 1,6 bilhão. Houve aumento de salas para o lançamento de filmes brasileiros (10%).
    Desbancando as majors, a distribuidora que mais faturou em 2012 foi a Paris Filmes, conglomerado nacional que atua igualmente na exibição.
    No entanto, 2012 foi perdido para o cinema brasileiro. O que deu errado?
    Sua fatia em renda no mercado recuou de 11% para 10%. Essa cifra, já em si mesma modesta, está longe do potencial demonstrado em 2003, quando a fatia nacional foi de 22%.
    Há uma demanda reprimida por obra audiovisual brasileira: o sucesso de "Tropa de Elite 2" e "Avenida Brasil" são prova eloquente disso.
    Nossa abundante produção cinematográfica é pouco competitiva, entre si e entre os estrangeiros, consequência do modelo de produção vigente. A produção consagrada pelo público, a das comédias vulgares, é desprezada pela crítica, que a apelidou de "neochanchada".
    Repete-se o fenômeno dos anos 1950, em que a chanchada tinha público cativo, enquanto era abominada pelos jornalistas e intelectuais.
    Desde a estabilização da moeda, o público no Brasil é basicamente composto pela classe média. O segredo está em falar a sua língua.

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