segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Internautas não querem ser seguidos pela publicidade

FOLHA DE SÃO PAULO

JOSEPH TUROW
Internautas não querem ser seguidos pela publicidade
Especialista em mídia digital, professor dos eua diz que usuários estão vulneráveis e irritados com a propaganda que os persegue
Kyle Cassidy/Divulgação
Joseph Turow, professor da Universidade da Pennsylvania
Joseph Turow, professor da Universidade da Pennsylvania
DE NOVA YORKCada vez mais incomodados com uma publicidade digital que invade a privacidade, os consumidores não têm quem os defenda, diz Joseph Turow, uma das mais fortes vozes sobre internet nos EUA.
Professor de comunicação da Universidade da Pensilvânia, o acadêmico é autor de pesquisas sobre o assunto e lançou em 2012 "The Daily You" [o você diário], com o sugestivo subtítulo "como a nova indústria da publicidade está definindo sua identidade e seu valor".
Para Turow, os internautas nunca estiveram tão vulneráveis -e não apenas pela privacidade escancarada das redes sociais. A seguir, trechos de sua conversa com a Folha, por telefone, da Filadélfia. (RAUL JUSTE LORES)
REGRAS DE CONDUTA
Jornais e revistas historicamente criaram muros entre a Igreja e o Estado, o conteúdo jornalístico e a publicidade, com regras muito claras para diferenciar a propaganda. No mundo on-line, essas regras estão desmoronando. Tanto no Huffington Post como no Gawker [sites jornalísticos e agregadores de blogs], há anúncios com a mesma cara de reportagens.
MIMETIZAR CONTEÚDO
A maior e mais proeminente mudança é dos anúncios que se querem fazer passar por conteúdo editorial. O Facebook tem links que mimetizam os posts de seus amigos, o Twitter tem tuítes que são anúncios, tudo desenhado para parecer um "artigo" verdadeiro, não propaganda. Querem que o internauta não perceba que é publicidade, porque já admitem que a publicidade se tornou um fator de irritação na internet.
COMPETIÇÃO FEROZ
A competição por anúncios é muito mais feroz, então se faz de tudo para agradar o anunciante ou a agência. No mundo off-line é difícil, mas na internet, em que o valor por leitor é muito menor, as regras desaparecem.
QUALIDADE JORNALÍSTICA
A publicidade sempre quis se associar ao conteúdo de alguma forma. Um certo tipo de elite lê os jornais de maior qualidade, e era isso que a publicidade queria, ser ligada a essa qualidade jornalística. Hoje em dia, o público se pulverizou e pode estar em qualquer lugar, no site de fofocas. Então o anunciante quer estar em todo lugar, contanto que não seja de pornografia.
MENOS DE 1%
O Twitter é um dos mais bem-sucedidos nessa operação, pela própria natureza do veículo, de pílulas de 140 caracteres. Menos de 1% dos anúncios no Facebook, no Google e no Bing são clicados pelos internautas. É normal, são bem mais eficientes que mala direta, que ninguém abre. Se os anúncios em revistas e jornais tivessem que ser clicados, não seriam muito mais acessados. Nas revistas, o anúncio precisa ser olhado de qualquer maneira, entre as reportagens.
CEGUEIRA AO ANÚNCIO
Acontece cada vez mais a "banner blindness" (cegueira ao anúncio). As pessoas ignoram automaticamente o anúncio. O Google não faz dinheiro com cliques, mas ao oferecer as bilhões de vezes que os usuários o acessam diariamente. É audiência.
A publicidade que tem funcionado mais é a que oferece algo novo. Um game, um vídeo -mas, depois que a ideia aparece mil vezes, o apelo diminui. Não há receita infalível. A porcentagem de gente clicando em anúncios se mantém baixa e é estável.
APREÇO À PRIVACIDADE
Em pesquisas recentes, 86% dos americanos se disseram contrariados com propaganda exibida a partir do histórico de cliques e interesses. Internautas não gostam de se sentir seguidos ou monitorados.
Mesmo os jovens adultos, de 18 a 24 anos, que podem expor toda a sua vida no Facebook, posar de biquíni e falar coisas impróprias, respondem de forma muito parecida aos mais adultos sobre o direito à privacidade. Muitos se sentem incomodados com o excesso de propaganda que os persegue, graças a algum clique que deram ou a alguma pesquisa que fizeram.
O SUCESSO DA AMAZON
A Amazon é um caso raro de uso de um mecanismo de recomendação baseado em compras anteriores -o que deixa claro que eles monitoram nossas compras e nossas pesquisas- que não parece incomodar os usuários. O sucesso deles, acho, depende de diversos outros fatores, dos preços baixíssimos, às vezes abaixo do custo, de não pagar certos impostos, da eficiência da entrega, é uma máquina de varejo eficiente.
EXEMPLO EUROPEU
Na Europa, o debate cada vez mais forte é de que o mercado deveria respeitar o direito à privacidade dos indivíduos e ao controle de seu dados. Nos EUA, estamos longe disso.

    RAIO-X JOSEPH TUROW, 52
    QUEM É
    Nova-iorquino, doutor em comunicação e professor da Universidade da Pensilvânia
    SUAS OBRAS
    É autor ou coautor de 15 livros inéditos no Brasil, incluindo "Media Today", um estudo sobre convergência de meios, e "The Daily You", sobre propaganda digital e identidade. Em 2010, conduziu pesquisa sobre como adultos lidam com sua privacidade na rede

      ANÁLISE
      Atrasado, Brasil prepara lei de proteção à privacidade
      RONALDO LEMOSCOLUNISTA DA FOLHADe 2010 até hoje, seis países latino-americanos (como o México e o Peru) criaram novas leis para proteger a privacidade. Isso ilustra uma tendência internacional: a crescente preocupação com a proteção dos dados pessoais e sua regulação legal.
      O Brasil não faz parte dessa lista. Ao contrário, a situação em nosso país é paradoxal. A Constituição protege
      a privacidade como um direito fundamental. Mas não há leis específicas tratando da questão. Com isso, nem juízes encontram parâmetros para tomar decisões sobre o tema, nem usuários ou empresas sabem os limites do que deve ser protegido.
      Nesse cenário, o Ministério da Justiça vem trabalhando na elaboração de uma lei de proteção de dados pessoais.
      O texto inicial inspira-se no modelo da União Europeia, o mais completo (e rígido) do mundo. Sua primeira versão previa que a coleta de dados só poderia ocorrer com consentimento formal do usuário. Os dados só poderiam ser usados para finalidades especificadas. E o habeas data passaria a ser válido para bancos de dados privados, permitindo ao usuário saber o que há sobre ele.
      O projeto está atualmente em revisão no Ministério, e mudanças são esperadas.
      PETRÓLEO DIGITAL
      Elaborar uma lei sobre o tema não é tarefa fácil. Os dados dos usuários tornaram-se hoje o petróleo da internet.
      Sua análise gera lucros e serviços aparentemente "gratuitos", como e-mail, armazenamento de arquivos e redes sociais. Restringir excessivamente a coleta desses dados pode engessar algumas atividades legítimas.
      Mas como diz uma célebre frase: quando você acessa um produto gratuito, isso significa que você é o produto. Muitas empresas acumulam perfis microscópicos dos hábitos dos usuários. Evitar que eles circulem sem autorização ou possam ser requisitados por governos de forma descontrolada toca em pilares do Estado democrático.
      E novos desafios estão surgindo, como a computação em nuvem ou a chegada ao Brasil de empresas como a Phorm, que coletam dados do usuário diretamente na conexão com a rede, analisando todos os dados trafegados (por meio da chamada "inspeção profunda de pacotes"). Esses novos temas estão levando a União Europeia a revisar e ampliar suas leis sobre privacidade. Perto disso, o trabalho no Brasil está apenas no começo.

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