terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Marcas de expressão - Denise Mota

FOLHA DE SÃO PAULO

Pessoas com mais de 50 anos aderem à tatuagem e fazem do corpo um livro aberto de experiências, memórias e homenagens a familiares
DENISE MOTACOLABORAÇÃO PARA A FOLHAA tatuagem amadureceu. Cada vez mais, ela deixa de ser vista como marginal, como um símbolo de contestação ou uma escolha exclusivamente juvenil.
Na nova fase -que vem se consolidando, segundo observam tatuadores que trabalham há décadas no ramo-, os desenhos na pele ganharam um crescente número de adeptos entre as pessoas com mais de 50 anos. O que antes era símbolo de rebeldia se tornou expressão de liberdade.
"Eu me acho bonito, saudável", diz Luiz Fernando Bravin, 60, administrador de empresas que tem quatro elaboradas tatuagens (nas costas, no peito e nos dois braços) e já calculou em detalhes o que irá registrar nos próximos três desenhos.
"Tenho um tucunaré [peixe brasileiro], preso na bandeira do Brasil, pendurado em um anzol", descreve a marca de 40 cm, nas costas, que foi a estreia no universo da tatuagem há quatro anos.
Um ano depois, com o nascimento da neta, decidiu registrar o pezinho da bebê "em cima do coração", ao lado dos nomes dos outros netos. Na sequência, veio a inspiração para uma faixa no braço esquerdo, com símbolos, animais e os nomes dos filhos. Para completar, o braço direito recebeu um dragão que irá expelir fogo (o detalhe incandescente é um dos desenhos programados).
Saber exatamente o que quer tatuar é uma característica comum entre os mais velhos, segundo Gustavo Silvano, da Pin Up Tattoo. Ele, que trabalha há 12 anos em Icaraí, bairro de Niterói "com uma alta concentração de pessoas mais velhas", nota que a clientela acima dos 50 anos vem crescendo.
Com 30 anos de experiência em tatuagens, Sergio Maciel, da Led's Tattoo, em São Paulo, confirma a percepção do colega: "Acredito que a popularização da tatuagem, a quebra de velhos conceitos e o reconhecimento da tatuagem como arte são os responsáveis por isso", diz.
LIBERTAÇÃO
Para Mirian Goldenberg, antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colunista da Folha, a tatuagem como algo não desviante é um conceito recente e que encontra nas pessoas mais velhas uma correspondência com o "discurso da libertação" que surge com a idade.
"É como se fosse uma segunda vida. Vejo que decidem se tatuar nesse momento, primeiro, porque é algo mais 'normal', segundo, porque se sentem livres para fazer o que bem entenderem."
Goldenberg está escrevendo um livro -"A Bela Velhice", com lançamento previsto para abril- sobre essa sensação de liberdade que vem detectando entre pessoas de 50 a 90 anos.
Na opinião da escritora e jornalista Leusa Araújo, que pesquisou por mais de dois anos o mundo das "tattoos", apesar da maior aceitação, tatuar-se continua a ser uma decisão exposta a preconceitos.
"O que há hoje é uma maneira diferente de lidar com o próprio corpo. A liberdade de escolha parece ter ganho maior importância, como se houvesse uma afirmação de que ao menos o corpo ainda é um lugar próprio. Então faço dele um depoimento do que sou", diz ela, autora do livro "Tatuagem, Piercing e outras Mensagens do Corpo".

    Frases e nomes estão entre desenhos mais pedidos
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
    Aos 57 anos, a pediatra paulistana D'Eua de Mello decidiu fazer do corpo uma espécie de livro com experiências e gostos acumulados ao longo da vida. A primeira tatuagem apareceu há dez anos, depois de levar os filhos -que desejavam se tatuar- a um estúdio. Eles titubearam e foram se decidir pelos desenhos semanas mais tarde. A mãe, não: chegou, sentou e saiu tatuada. "Aos 47, você sabe o que quer da vida. Meus filhos acharam o máximo, até porque era algo que não estava na programação."
    A primeira tatuagem foi o símbolo do mantra hindu "om", de 3 cm, na nuca. Depois vieram outros registros, maiores e mais evidentes. "É viciante. Para mim, isso é uma obra de arte." A escolha seguinte, três anos depois, foi gravar nas costas um símbolo de proteção da casa, retirado do feng shui.
    Há três anos veio a terceira, em referência a "eles" -"Ba" e "Du", como ela chama os dois filhos. E, em dezembro passado, resolveu aumentar a homenagem e incrementar os arabescos do desenho, que agora se estende até o braço. "Não tenho mais nada discreto", brinca.
    Ainda em dezembro, fez outro "presente", dessa vez para o marido, com quem está casada há mais de 30 anos. A ideia do desenho veio à cabeça subitamente, quando D'Eua escutava Ana Cañas cantando "La Vie en Rose". Não deu outra: a frase "C'est lui pour moi/ Moi pour lui dans la vie" (É ele para mim / Eu para ele, na vida) foi parar no ombro da paulistana.
    O exemplo de D'Eua deixa evidente uma das tendências mais marcantes atualmente no universo da tatuagem: as escritas com nomes de pessoas amadas, um dos desenhos mais pedidos.
    Mas, de acordo com tatuadores, não há denominador comum quanto à preferência dos mais velhos nos estúdios. A palavra "moda" não existe nessa equação, segundo Gustavo Silvano, da Pin Up Tattoo. "Os clientes com mais de 50 anos raramente pedem desenhos da moda, eles são mais específicos no que querem e têm mais facilidade em decidir qual desenho fazer."
    E não parecem estar muito preocupados com o que os outros vão pensar. O administrador de empresas Luiz Fernando Bravin já se acostumou com os olhares de surpresa quando os amigos pescadores veem suas tatuagens.
    "As pessoas estranham, acham que é coisa de velho maluco. Meus companheiros falam: 'Bravin, o que é isso?'. Aí eu digo: 'Ah, esse foi um peixe que eu pesquei ontem, e ele não quis mais largar de mim'", conta sobre o tucunaré que carrega nas costas.
    A pediatra D'Eua diz que os desenhos na pele não a atrapalham em nenhum sentido, nem profissionalmente -pelo contrário, os pais dos pacientes até se sentem mais próximos, segundo ela.
    DISFARCE
    Além da vontade de refletir uma etapa de plenitude, para alguns a tatuagem também representa um desejo de cobrir cicatrizes e embelezar o corpo, iniciativa que a dermatologista Monica Carvalho considera interessante, especialmente nos casos de quem passou por cirurgias plásticas estéticas ou de redução de estômago.
    Mas nem tudo é favorável na decisão de fazer a tatuagem. Por causa de doenças crônicas mais frequentes com o passar da idade -como diabetes e pressão alta-, o procedimento depois dos 50 anos requer alguns cuidados extras, segundo a dermatologista.




    'Envelhecimento' da tatuagem é diferente em cada região do corpo
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHADepois dos 50 anos, fazer uma tatuagem requer cuidados especiais, como escolher adequadamente a região do corpo que receberá o desenho e ter maior rigor na higienização do local.
    "A tatuagem acompanha as mudanças da pele. Se a pessoa engorda, a pele acompanha e o desenho também", afirma a dermatologista Monica Carvalho.
    De acordo com ela, as alterações causadas pelo envelhecimento são mais lentas do que as resultantes do ganho de peso, mesmo assim é indicado escolher regiões do corpo que mudem pouco com o passar dos anos, como costas, braços, colo e pernas.
    O tornozelo deve ser evitado, porque a cicatrização pode ser mais difícil. "O procedimento pode causar alterações no retorno venoso e dificultar a cicatrização. Por esse mesmo motivo, hipertensos não devem se tatuar nas pernas", diz a dermatologista. Pessoas com tendência a ter queloide (quando a cicatriz fica saliente) precisam fazer um teste antes de se tatuar.
    Segundo Carvalho, o principal risco do procedimento é o de contrair infecções. Para diminuir o risco, é recomendável procurar um estabelecimento "sério, que use materiais descartáveis ou esterilizado em autoclave (por vapor)", afirma.
    A higienização da pele depois da tatuagem é muito importante, principalmente se a pessoa tiver diabetes (que torna a cicatrização mais difícil). "É necessário lavar bem com sabonete neutro e de preferência usar um antisséptico à base de clorexidina. Também é aconselhável o uso de pomadas cicatrizantes. E não se deve expor a tatuagem ao sol nos primeiros dias", explica a dermatologista.
    Outro cuidado é com a hidratação. "Com a idade, a pele tende ao ressecamento. Então mantê-la hidratada é sempre recomendado."
    Se o local apresentar vermelhidão, dor, secreção amarelada ou esverdeada a partir do segundo dia da realização da tatuagem, é melhor procurar um médico. "Podem ser sintomas de uma infecção", afirma Carvalho.


    PARA TODAS AS IDADES
    CLÁSSICAS
    Tigres
    Panteras
    Águias
    Rosas
    Crânios
    Borboletas
    Flores
    NA MODA
    Tribais
    Realistas em preto e branco (3D)
    Tatuagens com o nome de pessoas
    Tatuagens verbais, em português


    AS MAIS PEDIDAS DEPOIS DOS 50
    ENTRE AS MULHERES
    Florais
    Borboletas
    Beija-flor
    Escritas
    Símbolos
    ENTRE OS HOMENS
    Escritas
    Clássicas (tigres, panteras, águias, dragões)
    Realistas


    COMO TIRAR
    TÉCNICA
    O método mais utilizado atualmente, considerado a mais eficaz e menos invasivo, é o laser de rubi; ele é usado no comprimento de onda para atingir o pigmento na derme e pode remover a tinta sem prejudicar a pele
    APLICAÇÃO
    Nuca e costas são áreas em que as remoções são menos dolorosas. Quanto mais colorida e profissional a tatuagem (por conta da quantidade de uso de tintas), mais difícil de retirar. Uma dica para quem pensa em se tatuar e tem medo de se arrepender depois é evitar usar tons fortes como laranja e vermelho, que são muito difíceis de ser eliminados da pele
    DURAÇÃO
    A retirada total de uma tatuagem pode levar de cinco a dez sessões. Geralmente, a aplicação do laser é feita com pomada anestésica. As sessões são mensais, ou seja, a remoção de uma tatuagem pode demorar até dez meses
    PREÇO
    Cada sessão custa, em média, R$ 1.000, mas o preço pode aumentar dependendo do tamanho da tatuagem (quanto mais disparos de laser, mais caro fica o tratamento). E o especialista não tem como garantir que o desenho seja totalmente apagado

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