terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Meninas de exatas - Cássio Leite Vieira

FOLHA DE SÃO PAULO

Meninas de exatas
Números e fórmulas não são coisas de menino; em média, elas são melhores do que eles em matemática
Este texto é para meninas que gostam de física e matemática. E querem ser cientistas. É também uma mensagem para os familiares delas.
Na década de 1980, minha adorável experiência como professor de matemática e física no ensino médio me deu algumas certezas. Uma delas: meninas, na média, são melhores que meninos nessas duas disciplinas. Mas um estranho viés cultural sempre alçava um menino a "gênio" das exatas da escola. Mesmo que houvesse meninas com notas melhores. Injustiça.
Outra certeza: em geral, minhas alunas eram mais meticulosas, organizadas e intuitivas que os meninos -quatro boas qualidades para a resolução de problemas científicos (ou do cotidiano).
Incentivei muitas alunas -algumas brilhantes- a fazer física, matemática ou engenharia. Em vão. Razão: falta de apoio ou resistência familiar. Ouvi pais dizerem que eram profissões de homem.
De lá para cá, certamente o cenário mudou. Arrisco dizer que, na biologia e na química, as mulheres já ultrapassaram os homens.
Se você, menina para quem escrevo este texto, tiver momentos de dúvida, lembre-se dos percalços vencidos por pioneiras. A francesa Sophie Germain (1776-1831), que assinava cartas como "Sr. Leblanc" para ser aceita entre matemáticos, tornou-se a primeira cientista a frequentar as sessões da Academia de Ciências da França; a alemã Emmy Noether (1882-1935), que teve coragem de seguir a profissão do pai, é tida como a matemática mais notável do século passado.
Na física, a franco-polonesa Marie Curie (1867-1934), que passou boa parte da graduação na França a pão e chá, acabou no seleto clube de cientistas com dois prêmios Nobel (Física, 1903; Química, 1911).
Como Noether, a austríaca Marietta Blau (1894-1970) e a alemã Maria Goeppert-Mayer (1906-1972) trabalharam por anos sem pagamento -comum para mulheres cientistas no início do século passado. Blau, quando pediu um cargo permanente a seu chefe, escutou: "Mulher e judia... Aí já é demais!". Daria parte de meus vencimentos para ver a cara dos homens que negaram salário a Goeppert-Mayer quando ela ganhou... o Nobel de Física de 1963.
Gosto, porém, do exemplo de Mileva Maric (1875-1948). Brilhante em matemática e física, foi uma das primeiras mulheres do Império Austro-Húngaro a receber licença do governo para cursar essas disciplinas entre os meninos. Na graduação, suas notas eram tão boas quanto ou superiores às de seu futuro marido: Albert Einstein (1879-1955). Sabemos que ela lia e corrigia os artigos dele, antes de serem enviados para publicação. Seu brilho, no entanto, foi obscurecido pela fama dele. E sua carreira prejudicada pelo tratamento insensato que ele dedicou a ela.
Há, no Brasil, várias pioneiras. Mas uma delas sempre me impressionou. Sonja Ashauer (1923-1948) fez o doutorado -o segundo obtido por um físico brasileiro- com o britânico Paul Dirac (1902-1984), Nobel de 1933. Mas morreu jovem e de forma misteriosa.
Essas e muitas outras cientistas facilitaram o ingresso das mulheres nas universidades e nos laboratórios de pesquisa no mundo todo.
A ciência, aqui e lá fora, sempre precisará de pesquisadores bem formados. Além disso, ser cientista é bacana. Meus argumentos: ninguém vai se importar com o modo com que você está vestida; os salários hoje são razoáveis para alguém com doutorado; não precisa bater ponto; e nem sempre se tem chefe. Você será aquilo que produzir.
Portanto, não se deixe convencer de que profissões com números e fórmulas são para meninos. Mesmo que sua família diga isso. Siga sua vocação. E, para finalizar, peço licença para uma última opinião pessoal: meninas com um cérebro cheio de fórmulas sempre me pareceram mais atraentes que as outras.

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