segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Censura, um excesso de tolerância - Tendências/Debates

folha de são paulo

CRISTINA COSTA
Censura, um excesso de tolerância
No Brasil, a censura chegou antes da imprensa, do teatro, das bibliotecas. Controlaram-se crenças, opiniões, linguagens. Proibiram-se idiomas nativos, deuses "estrangeiros", instrumentos musicais inconvenientes e danças consideradas indecentes. Numa colônia de diversificada população indígena e escravos de origem africana, o controle da expressão e da informação foi logo implantado pela Igreja e pela Coroa Portuguesa, promovendo-se uma cultura da camuflagem, do sincretismo, do disfarce, da ironia e do humor.
Se essas estratégias, por um lado, enriqueceram nossa cultura, também nos deram uma perigosa tolerância em relação às interdições -passamos a conviver com elas como se fossem parte da natureza das relações sociais e das razões de Estado.
Desde tempos remotos, convivemos com a suspeita acerca de nossa fé, de nossa opinião e da conveniência de nossos dizeres. Desde tempos remotos, tivemos as visitações do Santo Ofício buscando identificar heréticos, blasfemos, mal falados e mal falantes.
Quando, enfim, nos tornamos independentes, passamos a ter, com a Monarquia, órgãos especialmente destinados ao fomento das artes laicas e ao controle do que se fazia com elas. A partir de 1841, nenhuma apresentação pública se faria sem aprovação e visto do chefe de polícia, guardião da moral, da religião e da decência pública.
De 1834 a 1843, nenhuma apresentação teatral foi permitida, temendo-se que o teatro se tornasse palco (literalmente) de agitações republicanas e abolicionistas. Em 1843, foi criado o Conservatório Dramático Musical, onde colaboraram como censores nomes importantes das artes e da intelectualidade -João Caetano, Quintino Bocaiuva e Machado de Assis que, com esse trabalho, recebiam algum rendimento e privavam da intimidade com o poder.
Machado exerceu as funções de censor de 1862 a 1864, período em que pediu para Augusto César de Lacerda modificar o desenlace da peça "Mistérios Sociais", na qual uma baronesa abandona o marido por um escravo.
Na República, começamos a produzir um jornalismo e uma arte mais regular, fecunda e nacionalista, mas sempre atrelada aos ditames do Estado, misturando nossa sede de autonomia com o paternalismo, o clientelismo e a censura.
Assim é até o Estado Novo, quando Getúlio Vargas, inspirado por chefes de governos nazifascistas como Mussolini e Salazar, cria os primeiros sistemas burocráticos e consistentes de censura, atrelados ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). E nós, apesar dos ares libertários da Semana de Arte Moderna, atravessamos os túneis escuros da censura prévia à imprensa e às diversões públicas.
Dessa época, foram diretores do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda do Estado de São Paulo (Deip) Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo, que também atuou como censor. Nesse período também, Vinicius de Moraes serviu como censor do cinema, antes mesmo de ser diplomata.
A conivência escandalosa entre intelectuais e artistas e o poder chegou a um beco sem saída na ditadura militar, quando viu-se que o "rei estava nu", ou seja, que as benesses do Estado punham em risco a sobrevivência não só das artes, como dos próprios artistas e da cultura.
Foi preciso que essa promíscua convivência entre poder e cultura chegasse aos seus extremos -à repressão e à perseguição política- para que parte dos artistas e intelectuais rompesse com esse secular apadrinhamento. Só então passaram a ver a censura como realmente é -a nefasta relação de subserviência de produtores culturais ao poder, sob um manto simplista que encobre interesses, barganhas e uma insuportável (ao menos nos dias atuais) tolerância.


WILLIAM EID JUNIOR
Pequena grande empresa
Facilitar a criação da pequena empresa é louvável, mas, antes, é preciso defini-la com rigor. A sociedade, privada de informações, regride
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 4.303/2012, que trata da criação das sociedades anônimas simplificadas. Empresas com patrimônio líquido inferior a R$ 48 milhões poderiam ser dispensadas da divulgação de suas informações para a sociedade, exigindo apenas sua inserção em sítio próprio da rede mundial de computadores.
Temos que discutir três aspectos desse projeto. O primeiro se refere ao direito da sociedade ao acesso irrestrito às informações dos agentes, econômicos ou não, que de alguma forma tenham impacto sobre a vida dos cidadãos. Em segundo lugar, temos que discutir as questões relativas ao porte de uma empresa. E, por último, a necessidade de mais de um critério para caracterizar as pequenas empresas.
O Brasil conta com mais de 10 milhões de empresas. Num mundo ideal, a sociedade deveria ter acesso às informações de todas elas, já que há impactos notórios para diferentes agentes da sociedade. Os governos, os cidadãos, os fornecedores e clientes têm que ter segurança quando estabelecem relações, principalmente as de longo prazo, com empresas. E essa segurança será tanto maior quanto maior for o acesso às informações.
No Brasil, a legislação exige que as sociedades anônimas de capital aberto ou fechado que possuam um patrimônio líquido de pelo menos R$ 1 milhão e, no mínimo, 25 acionistas (lei 6.404 art. 294) divulguem de forma ampla suas informações. É pouco, dada a necessidade de acesso por parte da sociedade.
O que é uma grande empresa? A lei 11.638/2007 considera grande empresa a que tem ativos superiores a R$ 240 milhões ou receita bruta superior a R$ 300 milhões no último período. Já a lei 6.404/1976 desobriga da divulgação de informações apenas as empresas constituídas sob a forma de sociedade anônima que tenham um patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão e, no máximo, 25 acionistas.
Das empresas listadas na BM&FBovespa, temos 23,3% cujo patrimônio líquido é inferior ao proposto no projeto 4.303/2012, de R$ 48 milhões. Se aprovado o projeto 4.303/2012, elas passariam do ambiente de transparência, onde se encontram hoje, para um de opacidade, que é comum a mercados subdesenvolvidos.
Uma só característica não é suficiente. Quando queremos classificar alguma empresa, habitualmente utilizamos mais de um critério. A lucratividade é analisada ao menos pelo lucro líquido e operacional. O endividamento, pelas dívidas de curto e longo prazo em relação a outros indicadores, como ativos e patrimônio líquido.
Não é viável caracterizar uma empresa por um só indicador, como é proposto no projeto de lei nº 4.303/2012. Há diversas alternativas utilizadas universalmente. Podemos destacar receita de vendas e número de funcionários, dentre outras.
O projeto de lei nº 4.303/2012 é louvável, já que busca facilitar a existência das pequenas empresas e dos empreendedores. Mas é preciso definir o que é uma pequena empresa, para que a sociedade não seja privada de informações que lhe são tão necessárias e cuja falta nos faria retornar alguns séculos no nosso desenvolvimento econômico e social.
E mais, é fundamental que essa classificação de empresas utilize mais de uma característica. E, sobretudo, que qualquer alteração na obrigatoriedade da divulgação de informações só seja feita considerando-se o impacto que teria para a sociedade.

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